Hinchada do Racing: a paixão que fez renascer um clube
Arte: Hugo Alves/VAVEL Brasil

Há diversos tipos de fanáticos por futebol. Há aqueles fanáticos somente pelo seu clube, aqueles que amam o futebol europeu, aqueles que assistem qualquer tipo de futebol que esteja passando na televisão... E existe o fanático pelo futebol disputado, pegado e com grandes festas nas arquibancadas. Tais características, na maioria das vezes, se associa ao futebol argentino, que, mesmo sem grande visibilidade na TV brasileira, ganha cada vez mais admiradores.

É comum ao se falar de futebol argentino, lembrarmos dos gigantes e temidos Boca Juniors e River Plate com as grandes festas da Bombonera e do Monumental de Nuñez. Ou, até mesmo do San Lorenzo – ao lembrarmos que é a equipe do querido Papa Francisco. Porém, poucos conhecem a história do Racing Club de Avellaneda, um dos cinco maiores clubes de Buenos Aires ao lado dos times já citados anteriormente e do Indepiendente, seu rival mais tradicional, com quem faz o famoso Clássico de Avellaneda.

A história do Racing pode ser considerada mais uma entre as várias histórias de times grandes. Fundado em 25 de março de 1903, o clube argentino foi o primeiro do país a conquistar o Torneio Intercontinental em 1967, a Supercopa Libertadores no ano seguinte, e, além disso, o primeiro time da Argentina a ganhar três campeonatos locais seguidos. Mas, não... A história do Racing não pode ser considerada mais uma entre tantas. Veja o porquê.

1999: O ano que o Racing deixou de existir

Em 1999, o clube acumulava dívidas de mais de trinta milhões de dólares e o Racing abriu falência, anunciada à rádio local pela responsável das finanças da instituição após decisão da justiça. Aquilo significava que o clube deveria fechar as portas e abandonar o profissionalismo por tempo indefinido, talvez só podendo retornar como uma nova instituição. “O Racing Club deixou de existir” era o que mais se ouvida nas ruas de Buenos Aires naquele fim de verão. Na TV, no rádio, nos jornais, a repetição dessa frase mais parecia uma sentença de morte para os torcedores – os hinchas, em espanhol-.

Deixou de existir... Ou, ao menos, deveria ter deixado. Mas seus torcedores, seus hinchas, não deixaram que isso acontecesse. Em 7 de março de 1999, no dia em que a equipe deveria receber o Talleres pela primeira rodada do Clausura, o jogo, obviamente, não aconteceu, já que o Racing havia “deixado de existir”. No entanto, a hinchada do Racing Club de Avellaneda ainda existia, e lotou o Estádio Juan Domingo Perón para acompanhar um jogo que nunca aconteceu.

Naquela noite, os comentários nos noticiários não eram dos carrinhos maldosos e das jogadas repletas de vontade dos jogadores argentinos, mas sim da grande festa com bandeiras e instrumentos. Mais de trinta mil pessoas ali, como se houvesse vinte e dois jogadores em campo, e, um torcedor em especial, que percorreu todo o gramado de joelhos como uma espécie promessa e sinal de esperança pelo futuro do clube. Desde 1999, cada 7 de março é festejado como “El día del hincha de Racing”. A data em que um estádio encheu sem jogo para ser visto.

Em meio ao cenário caótico, os hinchas do Racing ajudaram o clube a se reerguer. Após toda festa realizada no El Cilindro, em menos de 72 horas, a Câmara de Apelação reverteu a decisão ou seja, o Racing tinha voltado a existir, e então o clube se tornou o primeiro time a ser administrado por uma empresa, a Blanquiceleste S.A., que era dirigida pelo empresário Fernando Martín, que deixou o controle do clube em 2008.

Mas, não parou por aí. Outro grande exemplo de paixão incondicional dos torcedores do clube de Buenos Aires se deu alguns anos depois, em 2001, quando o Racing conquistou o seu primeiro título de nível nacional após 35 anos. O clube disputou a partida decisiva no estádio do rival Velez, mas pasmem, fora os hinchas, apaixonados pelo Racing que lotaram o estádio, a casa do adversário. Além disso, aqueles que não conseguiram tal feito, se dirigiram ao El Cilindro (estádio do Racing Club) para acompanhar a partida, lotando assim dois estádios ao mesmo tempo.

A história do Racing, movida pela paixão de seus torcedores é uma das mais belas do futebol mundial. Até hoje, a La Guardia Imperial ainda lembra, entoando o cântico com orgulhi, aquele 7 de março e o dia em que lotou dois estádios, satirizando a frase que ecoava em Buenos Aires: “Ha dejado de existir Racing Club Asociación Civil”. Veja letra abaixo:

“De pendejo te sigo
junto a Racing siempre a todos lados
nos bancamos una quiebra
el descenso y fuimos alquilados
No me olvido ese día
que una vieja chiflada decía
Que Racing no existía que tenía que ser liquidado
Si llenamos nuestra cancha y no jugamos
Defendimos del remate nuestra sede
Si la nuestra es una hinchada diferente
No es amarga como la de Independiente
Los bosteros, San Lorenzo
y las gallinas nunca llenaron
dos canchas el mismo día
Y a vos Independiente yo te digo
Vos sos amargo y pecho frío
Vos sos amargo y tiratiros”

Tradução:

Desde pequeno te sigo
Junto com Racing sempre a todos os lados
Bancamos uma falência, um rebaixamento e fomos arrendados
Não esqueço do dia
Em que uma velha louca dizia
Que o Racing não existia,
Que teria que ser vendido
Sim, enchemos nosso estádio e não jogamos
Defendemos a nossa sede de ser tomada
Sim, a nossa é uma torcida diferente,
Não é amarga como a do Independiente,
Os bosteros, San Lorenzo e as gallinas
Nunca encheram 2 canchas no mesmo dia,
E a vocês, Independiente, eu digo:
Vocês são amargos e sem alma
Vocês são amargos e só se garantem armados…”

Entrevistado pela VAVEL Brasil, um hincha do Racing sintetizou o orgulho e o sentimento de torcer por um clube que quase deixou de existir e se reergueu graças aos seus torcedores:

“É, muito dificil de explicar. Só entende minha loucura quem compartilha essa paixão. Aqui mesmo na Argentina, se diz que tem que ser muito louco e ter um coração muito grande pra ser torcedor do Racing. Porque somos uns dos mais sofridos do país”, disse o argentino Juan Pablo, torcedor do Racing, à reportagem.

Paixão incondicional. Sem dúvidas é a melhor expressão para descrever a torcida do Racing Club. Como todo torcedor apaixonado por seu time, há uma sensação ruim, o medo de não poder mais ver seu clube jogar. Para os hinchas do Racing que participaram do fatídico 7 de março, a única certeza da vida é de que o Racing jamais deixará de existir.

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