1ª parte: Porto sem Norte, Benfica passivo

A primeira dúzia de minutos foi, claramente, dominada pelo Benfica: não só pelo golo (7 minutos) mas também pela atitude demonstrada em toda a extensão do terreno. Com agressividade, as Águias entraram na partida com mais bola no pé e mais duelos ganhos a meio-campo, compensando com pressão (intensa e subida) as hipotéticas fraquezas (no miolo) de um 4-4-2 com dois extremos puros. A elevada proximidade dos jogadores encarnados permitia suporte constante, quer à fase de construção quer às tarefas defensivas.

Com blocos de quatro, o Benfica desenhado por Rui Vitória criava perímetros de apoio e construção, tanto na primeira fase de jogo como na segunda; muito concentrado no corredor central, o actual campeão obrigava assim o Porto a também dispôr-se no centro - enquanto os extremos Rafa Silva e Salvio se mesclavam na faixa central, os laterais (Nélson Semedo e Eliseu) tinham ordens para, constantemente, serem os portadores da largura táctica da equipa, sendo procurados para darem vazão à elaboração das primeiras etapas de jogo.

Extremos flectem para o interior, laterais bem abertos
Extremos flectem para o interior, laterais bem abertos

Jonas, adivinhava-se, teria um papel híbrido: e, de facto, vimos o brasileiro a pisar terrenos mais recuados, actuando como uma espécie de 'playmaker ofensivo', ligando o meio-campo às manobras no último terço de campo e assim permitindo maior apoio à linha intermédia encarnada, na qual Pizzi desempenhava as funções de organizador de jogo e Samaris de médio defensivo. Predominante destro, o Benfica acentuava a importância ofensiva de Semedo, ao desenvolver a maioria das jogadas pelo corredor direito. É nessa faixa que nasce o golo, após incursão aventureira de Salvio.

Jonas procura o espaço entre linhas
Jonas procura o espaço entre linhas

Mas, apesar do bom arranque, o Benfica empenharia, progressivamente, uma postura de expectância e conservadorismo táctico: entre os 13 e 14 minutos, surgiram os primeiros vislumbres de uma postura mais defensiva e as primeiras tentativas sucessivas do Porto em instalar-se no último reduto encarnado. Depreende-se que a ideia do treinador seria a de tirar partido da vantagem (e da necessidade portista em forçar o seu jogo ofensivo) para lançar contra-ataques rápidos pelos flancos (nos quais Rafa Silva seria essencial, dada a sua velocidade).

Apesar da superioridade inicial, o Benfica, montado no seu 4-4-2 base, nem sempre escondia a sua maior fragilidade táctica - poucos foram os momentos, mas, quando o Porto era capaz de circular a bola em zona mais avançada, atraindo a pressão da linha intermédia das Águias, rapidamente surgiam buracos no miolo. Aos 12 minutos, valeu ao Benfica a má recepção de Soares, após deslocamento de Pizzi e até de Samaris. Ainda assim, a maior ameaça era causada pelo Benfica, que explorava, com assertividade, a velocidade dos seus intérpretes.

Soares para lá da cobertura intermédia do Benfica
Soares para lá da cobertura intermédia do Benfica

Aos 16 minutos, uma incursão diagonal de Nélson Semedo perigou um Porto frágil na compensação interior: o jovem lateral preferiu o remate, desperdiçando uma excelente oportunidade para servir Jonas, que, de caras com a baliza, poderia ter dado uma sequência bem mais proveitosa à jogada. Aos 22, o Benfica voltou a explorar a furtividade dos seus velocistas, mas Rafa executou de forma deficiente o passe para golo. A partir daí, o Benfica baixou as suas linhas e encostou a intermédia ao quarteto defensivo, adoptando uma postura mais passiva.

Benfica começa a encolher-se
Benfica começa a encolher-se

Mas, apesar de dominar a posse de bola, ganhando metros e podendo articular jogadas calmamente já dentro do meio-campo adversário, o FC Porto mostrou fragilidades em penetrar nas duas linhas defensivas dos encarnados. A equipa da casa cedeu o controlo ao Dragão mas, no cômputo defensivo, mostrou-se competente: Pizzi, Samaris e o trabalho dos laterais (compensados pelos extremos) foram dignos de nota muito positiva. Ainda assim, o Benfica permitia um ascendente territorial ao Porto, que, não fosse por decisão própria, dificilmente aconteceria.

Benfica encolhido, Porto
Benfica junta linhas e desce, Porto sem penetração

Entre os 20 e os 45 minutos, o jogo viveu uma antítese de forças (e estratégias) que não surtiu efeitos para nenhum dos competidores; enquanto o Porto, a precisar de intensificar o seu jogo ofensivo, subia no terreno e dispunha de tempo e espaço para pensar as suas jogadas, chocando depois nas barreiras encarnadas, o Benfica, mais passivo, esperava explorar o contra-ataque, acabando sempre por decidir mal a construção dessas tentativas (exemplos de Salvio, Rafa e Semedo). Apenas o lance entre Rafa e Mitroglou terminou com remate à baliza de Casillas (minuto 29).

Porto sem cobertura interior mais uma vez
Porto sem cobertura interior mais uma vez

Sinal menos para o Porto, que, apesar de controlar a posse e o ritmo, não detinha o real controlo do oponente: mostrando algum desnorte táctico na cobertura interior, o Dragão viu a Águia ganhar, por variadas vezes, o espaço central, surpreendido pelo posicionamento interior de Rafa e Salvio. Danilo Pereira sofreu as consequências desses 'raids',  não gozando do auxílio efectivo dos colegas André André e Óliver. Nota positiva: a estratégia de Vitória, no que toca à flexão dos extremos para o miolo. Nota negativa: falta de assertividade na construção e no último passe.

2ª Parte: Porto defensivo, Benfica activo

A segunda parte começa com o golo portista, consequência de uma incapacidade crónica deste Benfica e da competente exploração da largura por parte de Brahimi. Ao não segurar a posse de bola (fosse resguardando o esférico ou endossando a bola ao colega mais próximo), Pizzi permitiu uma excelente recuperação de bola de Corona e construiu-se o empate. Eficaz aproveitamento portista de uma pecha benfiquista: a incapacidade de gerir o ritmo, resguardar a posse e controlar o momento da decisão ofensiva. Pizzi errou, mas segundos antes, já Salvio, Eliseu e Rafa haviam também desbaratado a posse.

Pizzi com erro colossal permite jogada do golo
Pizzi com erro colossal permite jogada do golo

Nos minutos iniciais da segunda parte, o Porto obteve ascendente sobre o rival: não só pelo golo marcado por Maxi, mas também pela crescente pressão aplicada sobre a saída de bola encarnada. As sucessivas tentativas falhadas do Benfica sair a jogar foram culpa da agressividade territorial de jogadores como Brahimi, Corona e Soares, o tridente atacante do 4-3-3 de Nuno Espírito Santo. Óliver também se juntou à pressão no centro do terreno, fechando o espaço pisado por Pizzi, aquando da organização de jogo. Excelente cobertura global do Porto; o Benfica vacilava.

Pressão competente do Porto, Benfica sem opções de passe
Pressão competente do Porto, Benfica sem opções de passe

Os primeiros 15 minutos foram, de facto, uma ode à efectiva pressão táctica e como essa pressão alta pode inactivar o adversário, cortando pela raiz a capacidade de construir. O 4-3-3 portista (agora mais apoiado e uniforme) foi capaz de fechar o corredor central, encurtando o tempo de execução dos oponentes, fechando linhas de passe logo a meio do meio-campo encarnado e precipitando erros de julgamento que colocaram a integridade táctica do Benfica em xeque. O tridente de meio-campo do Porto subiu no terreno, desligou o motor central do Benfica e adivinham-se maus tempos para o campeão.

Danilo, André e Óliver passaram a dominar
Danilo, André e Óliver passaram a dominar

Mas, no seu melhor momento, foi o próprio Porto a tomar uma postura mais passiva: aos 60 minutos, já se denotava a desaceleração na pressão alta, voltando Pizzi a dispôr de mais espaço para construir a primeira etapa de jogo. Aos 62, Jonas colocava Casillas à prova, justamente após um período frenético onde ambas as formações não foram capazes de contariar um atípico jogo de 'parada e resposta'. Havia durado escassos minutos o domínio portista, e começava o domínio encarnado. À semelhança do Benfica, o Porto, ao marcar, optou pela passividade e pela expectância.

Pizzi novamente com espaço para criar
Pizzi novamente com espaço para criar

A opção estratégia pela expectância (como havia o Benfica feito após o golo inaugural) saiu cara ao Porto: em vez de cavalgar a motivação ganha pelo tento (49 minutos), a equipa de Nuno Espírito Santo passou a sofrer calafrios devido ao recuo no terreno. Pizzi e Samaris passaram a construir com maior soltura,uns bons metros adiante face aos minutos iniciais da etapa complementar; Salvio e Rafa voltaram a pisar o miolo, auxiliados pela largura dos laterais, com Semedo em foco. Assim, o Benfica voltou a criar perigo - aos 65, criando a sua melhor jogada do encontro, desperdiçada por Jonas e sustida por Casillas.

Arranque da melhor jogada do Benfica no jogo
Arranque da melhor jogada do Benfica no jogo

A jogada mais completa do encontro começa nos pés de Luisão - com espaço para discernir, o capitão encarnado descobre Salvio entre linhas, noutra inflexão interior do argentino; Salvio solicita a entrada do sempre veloz Nélson Semedo, que posteriormente cruza a bola para a entrada da área, onde Mitroglou serviu de pivot ofensivo para, com um só toque, desmarcar Salvio, novamente em evidência. A penetração do extremo permitiu, tanto o remate imediato como o passe fatal (ainda que arriscado) para Jonas. Solicitado, o brasileiro rematou frouxo e Casillas mostrou serviço.

Uma das raras acções de envolvimento de Mitroglou
Uma das raras acções de envolvimento de Mitroglou

Embora com ascendente global, o Benfica não foi um dominador eloquente: a jogada anteriormente analisada foi a única tirada do compêndio de graciosidade técnico-táctica, faltando à equipa maior perigosidade nas manobras ofensivas do colectivo, inclusivamente, maior acerto no último passe e maior envolvimento de Mitroglou na elaboração do jogo atacante. Aos 72 minutos surgiria uma flagrante dupla oportunidade para o 2-1, não de bola corrida, mas de um lance de bola parada, no qual Mitroglou e Jonas foram anulados por Casillas. O Porto respirava de alívio.

Reflexão pessoal

Já sem fôlego nem mente para estabilizar o seu jogo, o Porto optou por um estilo de jogo mais directo, embora tivesse retirado Soares de campo, trocando-o por André Silva (71 minutos). O Benfica tentou adicionar frescura e impetuosidade ao seu jogo, lançando Cervi (e depois Carrillo, uma opção pouco credível), mas a orgânica do seu futebol não mudaria. No fim do desafio, persiste-nos a ideia de que ambas as equipas não quiseram aproveitar os momentos do jogo durante os quais tinham tudo a seu favor - o golo madrugador do Benfica não galvanizou a equipa, para, perante uma Luz a transbordar, desferir nova estocada no rival e feri-lo de morte para o resto do clássico, e, com grande probabilidade, para o remanescente do campeonato; o golo portista, ao abrir a segunda parte, não teve o condão de conduzir a equipa para 45 minutos de coragem, e, no reduto do rival, cavalgar a onde de motivação que se gerou até aos 60 minutos. Cá para mim, quer Benfica quer Porto tiveram medo de ser felizes, por temerem em demasia o fracasso. Ora, não é assim que se fazem os bravos e os corajosos...

* As imagens são da autoria e propriedade da Benfica TV, tendo neste artigo sido utilizadas com carácter analítico, visando acrescentar conteúdo informativo e sem qualquer intenção lucrativa.