Depois da magra mas preciosa vantagem, obtida na Luz, no passado dia 15, Portugal viajava até Estocolmo para disputar a outra metade do duelo contra a selecção sueca: sem ter sofrido golos em casa, os homens de Paulo Bento tinham a seu favor a estratégia furtiva que passaria por explorar as ineficiências tácticas de uma Suécia ávida de golos que anulassem o prévio 1-0 lusitano. Com setas letais apontadas à área de Isaksson, Portugal colocaria em prática o seu 4-3-3 municiado por um tridente central composto por Veloso, Meireles e Moutinho, pronto a ligar as extremidades do ataque ao avançado de serviço, Hugo Almeida. Contra um 4-4-2 rudimentar e inflexível, Portugal sentiu-se, tacticamente, como peixe na água e raras foram as vezes em que permitiu veleidades aos cérebros suecos, manietados, primeiramente, pela sua rigidez esquemática e, depois, pela competente organização centrocampista portuguesa. Rasmus Elm e Kallstrom, jogando entre si de perfil, nunca foram capazes de orquestrar jogadas de perigo coerentes e Elmander também não teve sucesso em coadjuvar Ibrahimovic na frente atacante, sempre perdida na pressão alta da linha defensiva lusitana. Quando a Suécia se expandiu tacticamente pelo campo, procurando mais golos, as fragilidades estruturais do seu 4-4-2 ficaram a nu: Ronaldo aproveitou as auto-estradas suecas e fez da sua velocidade o passaporte para o Brasil.

4-4-2 sueco foi colete-de-forças auto-infligido

Analisado o jogo à lupa, chega-se facilmente a esta conclusão: o jogo sueco foi sabotado pelo seu próprio esquema táctico, um 4-4-2 de linhas hirtas e inflexíveis, sem alcance nem profundidade. Os jogadores, actuando quase sempre lado a lado, não dispuseram de muitas oportunidades para criar movimentos de ruptura e, além do mais, permitiam que os médios e avançados portugueses se desmarcassem precisamente entre as linhas de regra e esquadro delineadas pelo técnico Erik Hamrén. Surgindo várias vezes entre as linhas escandinavas, tanto Meireles como Moutinho ou Ronaldo, dispunham de raios de acção alargados que deturpavam o plano da Suécia.

Como vemos na imagem acima, as linhas suecas, dispostas de modo quase paralelo, tinham tremenda dificuldade em lidar com os movimentos de ruptura dos médios de Portugal, que furavam pelo espaços deixados, podendo depois servir companheiros ou espalhar o pânico pelas imediações da área da formação da casa: neste exemplo, com apenas um passe, Moutinho coloca Meireles só, e toda a linha central da Suécia é deixada para trás. Restam quatro defesas que, se à ameaça natural do ponta-de-lança fosse adicionada a presença do um extremo que protagonize um movimento interior, teriam extremas dificuldades em parar o ataque, que se definirá num 3 para 4, sempre ameaçador. Jogando sempre num estilo rectilíneo, os suecos encontravam-se a si mesmos em posições desconfortáveis para desenvolver jogadas de ataque, quase sempre de costas para o seu horizonte ofensivo e distantes das linhas auxiliares que poucas vezes apoiavam o portador da bola, resultando num futebol desapoiado e fácil de anular.

Acima se percebe o distanciamento táctico da Suécia, que, ou se apresenta de costas para a baliza, ou se mostra longínqua demais para desenhar uma jogada apoiada. Mesmo a hipótese do cruzamento bombeado para a área é, grande parte das vezes, remota, pois a boa cobertura feita (2 para 2 na lateral esquerda mais a proximidade de um médio central que vai fechar a hipótese de cruzamento interior) por Portugal inviabilizou muitos desses intentos. Além disso, a boa marcação defensiva  (5 defesas para 3 avançados estáticos) permitiu o nulo até ao golo de Ibrahimovic no seguimento de um canto.

Portugal: triângulo das Bermudas

Não fosse o incentivo ter vindo de um golo de bola parada, onde a defesa portuguesa começou a claudicar, Portugal teria, facilmente, enleado o meio-campo sueco num triângulo das Bermudas eficaz, de onde os jogadores suecos nunca saiam a saber de onde tinha vindo: Moutinho, Meireles e Veloso foram competentes no preenchimento dos espaços e estancaram, com a ajuda de uma linha defensiva subida, a grande maioria das investidas suecas no centro do terreno. Devido ao posicionamento perfilado de Kallstrom e de Elm, pouco apoiados de perto pelos médios ala, segurar uma bola a meio-campo e organizar os seguintes passos rumo ao ataque eram uma tarefas quase impossíveis para a linha média escadinava.

Na imagem que veremos mais abaixo, poderemos sublinhar o bom rendimento defensivo do meio-campo português, rápido na pressão sobre o portador da bola e rápido também a reorganizar-se posicionalmente, para impedir espaços não patrulhados que pudessem colocar em perigo a área de Rui Patrício. Ibrahimovic recebe a bola já sob evidente pressão, e quando consegue uma nesga de espaço para endossar a bola para o flanco aberto, o direito, a estrutura portuguesa vai, em somente seis segundos, readquirir a forma inicial, com todos os espaços preenchidos de modo primoroso.

Seis segundos depois (imagem de baixo), vislumbramos uma ordenação táctica bem coordenada, que se deslocou do meio, onde exerceu forte pressão, para toda a sua área actividade defensiva, cobrindo meticulosamente todos os espaços onde se encontravam jogadores da Suécia. Mesmo aquele jogador que se encontra mais liberto de marcação, está à mercê da antecipação de um defesa português que lhe reduziu o raio de acção. Não há, na imagem abaixo, passes óbvios a serem efectuados, pois Portugal cobriu bem todas as suas posições e trancou o processo ofensivo sueco.

A Suécia ao ataque e uma auto-estrada chama «Ronaldo»

Nem era preciso, mas logo ficámos a perceber, para lá de qualquer dúvida remanscente, o porquê do refreio táctico da Suécia e de Erik Hamrén durante quase toda a eliminatória: esta selecção, jogando neste esquema, torna-se um alvo mole e estático em caso de se ver apoquentada por furtivos contra-ataques levados a cabo por bons executantes. Mais que a lentidão dos seus defesas, o que mais condiciona a Suécia neste tipo de lances é a sua disposição táctica, que para atacar fortemente obriga a um deslocamento paralelo das suas linhas, estrutura facilmente desmontada por jogadores que executem de modo rápido e eficiente, e por velocistas que perfurem a derradeira linha defensiva. Ora, apesar do esforço de Ibrahimovic - que marcou por duas vezes, beneficiando de um estaticismo aéreo, quer dos centrais (no canto) quer de Veloso (no segundo golo) - a Suécia foi dizimada pelos golos de Ronaldo, todos eles resultado deste «handicap» apresentado pela selecção nórdica: perda de bola, rápida transição portuguesa, um passe a rasgar, e uma correria desenfreada de Ronaldo. Não esteve em causa a velocidade dos defesas suecos (qualquer outro teria extremas dificuldades em acompanhar Ronaldo) mas sim a sua permeabilidade rectilínea, e nada maleável, das suas linhas. 

Acima, Moutinho e Ronaldo entendem-se às mil maravilhas: o médio espera a decisão de Ronaldo, que passou por arrancar pelas costas do seu marcador, iludindo-o momentaneamente e fazendo aquilo que chamamos uma «finta invisível», realizada apenas com mudança de velocidade e movimentação brusca: neste caso um pequeno mas precioso «overlapping» apenas possível a extremos velozes capazes de analisar o espaço que se projecta à sua frente, iludindo o seu marcador com alterações de ritmo e de orientação. Em cima, Ronaldo, que está calmo, à direita do seu marcador, vai arrancar, passando pelas suas costas e ganhando o espaço interior da linha defensiva sueca.

Nesta última imagem, Ronaldo já completou o «overlapping» e está agora a furar em velocidade pelo interior da linha sueca, que já foi desfeita pelo seu movimento e também pelo magistral passe de Moutinho. O lateral direito da Suécia já se encontra iludido, colocado à margem da jogada imediata, tendo que correr desalmadamente para tentar cobrir a fronte da sua área e impedir Ronaldo de fazer um movimento ainda mais vertical rumo a Isaksson, contudo, a velocidade de Ronaldo foi sempre superior e o golo aconteceu. De referir também a utilização de Hugo Almeida na partida, um pouco à imagem da utilização de Postiga nesta formação: funcionam como «avançados engodo», que atraem defesas para a sua zona e permitem uma maior mobilidade de ruptura a Ronaldo ou Nani, que com as suas diagonais desfazem as defensivas contrárias. Neste jogo, a Suécia abriu o seu jogo e nada tinha para mostrar, a não ser abnegação e esforço, mas Portugal tinha a arma ideal para lidar com as limitações suecas: a técnica. A auto-estrada chamada «Ronaldo» originou três golos e puniu, categoricamente, uma Suécia impreparada para o 4-3-3 luso.

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