Há poucos meses atrás, provavelmente nem o mais confiante adepto sportinguista acreditaria que na temporada seguinte, à 12ª jornada, o Sporting lideraria o campeonato isolado, com o melhor ataque, o melhor marcador e uma das melhores defesas da Liga Zon Sagres. O registo alcançado pelos meninos de Jardim tem sido notável: 12 partidas, 9 vitórias, 1 derrota e 2 empates, sendo que a derrota e um dos empates foram frente a rivais directos.

Fazer as pazes com o passado?

Desde da temporada 1981-82 – de boa memória para os leões – que o Sporting não lidera logo à 12ª jornada. Nessa época, os comandados de Malcolm Alisson bateram o Amora por 3-2 e aproveitaram o empate a zero entre FC Porto e Sporting de Espinho para subir à liderança, que já não viriam a largar. Os tempos eram outros e na equipa leonina alinhavam nomes emblemáticos como Eurico, Augusto Inácio – agora director desportivo dos leões –, Carlos Xavier e a famosa tripla ofensiva composta por Manuel Fernandes, Rui Jordão e António Oliveira.

Uma grande equipa, repleta de nomes de peso do futebol lusitano, e que ganhou tudo o que havia para ganhar a nível nacional. Hoje os tempos são outros e a equipa de Jardim não tem nomes de vulto do cenário nacional, muito menos elementos experientes a nível europeu como Rochemback, Ricardo ou Sá Pinto, membros da equipa leonina que pela última vez liderou isolada a Liga. Estávamos em 2005 e o treinador verde e branco era José Peseiro. Os leões bateram em casa o rival, Benfica, com um bis de Liedson e isolaram-se no primeiro lugar da liga. De lá para cá passaram por Alvalade Paulo Bento, Carlos Carvalhal, Paulo Sérgio, José Couceiro, Domingos, Sá Pinto, Vercauteren e Jesualdo, mas o único que se bateu pelo título – ainda que ingloriamente – foi o actual seleccionador nacional.

O Homem que com pouco faz muito

José Leonardo Nunes Alves Sousa Jardim, 39 anos, natural de Barcelona, Venezuela. Futebolista e andebolista amador nos madeirenses do Santacruzense, foi na faculdade e nos livros que encontrou o caminho para expressar a sua paixão pelo desporto-rei. Licenciou-se em desporto pela Universidade da Madeira, com uma tese de licenciatura que visava a análise exaustiva dos pontapés de canto no Euro 96. O louvor com que concluiu a vida académica indiciava que algo de grande estava por vir. Jardim decidiu então, em boa hora, tirar o curso de treinador. Iniciou-se na profissão nas camadas jovens do Santacruzense. De líder de jovens passou a adjunto nos adultos. Foi assim no Portosantense, Câmara de Lobos e Camacha – onde fez a sua estreia como treinador principal.

O brilho das suas conquistas na Madeira chegou aos ouvidos do Desportivo de Chaves e, na temporada 2007/2008, Jardim finalmente rumou ao continente, mas com uma condição: se aos 40 anos não estivesse a treinar na 1ª Liga, voltaria a casa para leccionar educação física. Três anos depois, saiu de Chaves e passou por Aveiro – onde venceu um título da 2ªLiga com o Beira-Mar – com destino final a Braga. Ao comando do Sporting local, lutou até à última pelo título nacional, mas desentendimentos com o presidente António Salvador fizeram-no rumar à Grécia. No país helénico esteve apenas uma temporada, ao serviço do Olympiakos; o suficiente para conquistar a dobradinha: campeonato e taça grega.

Elogiado publicamente por Pinto da Costa e na órbita do FC Porto, Jardim deixou-se levar pelo coração e rumou a Alvalade, cumprindo uma promessa dos seus 15 anos: «Um dia ainda vou treinar o Sporting», disse um dia aos pais, apontando para a televisão. Muitas vezes o clubismo não se coaduna com qualidade profissional e isso acaba por determinar diversos fracassos desportivos. Neste caso isso não acontece. Se Jardim é assumidamente sportinguista, é inegável que é um profissional de topo. A junção destes dois factores faz dele o homem certo no lugar certo. Desde que se iniciou no mundo do futebol, o madeirense é visto como um homem calmo e ponderado que trabalha com aquilo que tem. Num clube onde a escassez financeira é evidente, é preciso alguém que se contente com pouco e saiba rentabilizar ao máximo aquilo que tem. Esse alguém tem nome: Leonardo Jardim. Foi assim por todos os clubes por onde passou e no Sporting não poderia ser diferente.

Bruno de Carvalho não poderia ter acertado melhor na sua escolha. Jardim voltou a apostar no seu fiel 4-3-3 e redescobriu jogadores. Cédric, Adrien e Rojo parecem outros elementos. William e Montero, sobre quem muitas dúvidas pairavam, têm sido basilares.

A equipa de meninos da formação e contratações de tostões vai revelando organização defensiva, maturidade competitiva e uma boa capacidade de jogo. E isso deve-se a Jardim. O treinador tem aproveitado bem a ausência das competições europeias para preparar a equipa com exclusividade para o campeonato. Além das instruções de campo, tem sido vital fora dele. A forma como tem defendido os seus jogadores, sempre respeitando o adversário, sem escaramuças ou conflitos, denota uma tranquilidade de alguém que sabe o que quer. E para já, assumir uma eventual candidatura ao título não faz parte dos seus objectivos. O comandante leonino tem segurado a euforia de adeptos e  os ímpetos da imprensa, para proteger os seus atletas e livrá-los da pressão do título. A jovem equipa leonina tem sabido corresponder ao suporte do treinador e vai levando a água ao seu moinho.

Se o leão não conta com os milhões de Benfica e Porto, pode bem dizer-se que conta com Jardim. O madeirense vai, jornada a jornada, justificando a aposta.