Contra o FC Porto, Jorge Jesus deu primazia total ao jogo da Liga que se avizinha, contra o Braga, mantendo-se coerente no discurso apresentado: o objectivo principal e imediato é assegurar a conquista do título de campeão nacional 2013/2014, alvo que tem vindo a fugir aos benfiquistas desde 2009/2010. Desta feita, fez alinhar seis jogadores que não são presenças habituais no alinhamento inicial: Oblak deu lugar ao esquecido Artur, Siqueira viu Silvio (em boa forma) ocupar a sua posição na lateral esquerda, Amorim relegou Enzo para o banco, Sulejmani substituiu Gaitán, Salvio fez o mesmo com Markovic e Lima assistiu ao jogo no banco de suplentes, em detrimento de Cardozo. A dinâmica da equipa ressentiu-se claramente: o Porto teve um meritório ascendente sobre o Benfica mas foi notado um abaixamento de forma da formação encarnada, estranha a alguns corpos estranhos...Cardozo, por exemplo, perfez 90 minutos sem uma única acção digna de registo. 

Terá o Benfica perdido o jogo no Dragão devido às poupanças operadas por Jorge Jesus? A resposta não poderá nunca ser linear, mas um príncipio básico se levanta sempre que falamos de provas a eliminar, ainda para mais, contra adversários rivais que disputam directamente troféus, prestígio, orgulho e ascendente motivacional: apresentar a melhor equipa possível, sem mudanças de última hora ou alterações que quebrem a boa rotina instalada. O Porto entrou bem na partida e o Benfica nunca conseguiu superiorizar-se ao arqui-rival, que trilha um percurso ainda trémulo e repleto de incertezas exibicionais. Teria a equipa base do Benfica conseguido dar outro tipo de resposta? Provavelmente teria dado uma outra, mais assertiva e mais preparada. Em pleno Dragão, enfrentando uma equipa frágil mas ávida de sucesso (a Liga fugiu-lhe, restando a Liga Europa e a Taça de Portugal para mitigar a derrota) o Benfica desvalorizou o confronto em prol do duelo em Braga, que, em caso de vitória, deixará o Benfica pertíssimo do objectivo principal: deverá um treinador de um grande clube gerir a hierarquia de objectivos de modo tão rígido? O futuro o dirá, mas, o presente, vê o Benfica perder a primeira metade da eliminatória, indo em desvantagem para a Luz.

Afinal, para que poupa Jorge Jesus os seus jogadores?

Analisando os números de minutos jogados e, portanto, de esforço acumulado, podemos exercer uma comparação entre o rendimento global dos pupilos encarnados e de outros jogadores nas mesmas condições, igualmente envolvidos em várias competições e com aspirações legítimas, quer no campeonato quer noutras provas, sejam elas domésticas ou europeias. Vamos escalpelizar, caso a caso, deixando Artur fora do exercício, dada as peculiares circunstâncias afectas à posição de guarda-redes:

Siqueira: O lateral esquerdo ficou no banco, descansando para a partida com o Braga; porquê? estará lesionado, vítima de fadiga muscular ou abatido por uma débil condição física? Talvez sim, dado o mau historial do jogador em termos de lesões durante esta época. Facto é que o lateral tem jogado, incumbido de jogar as partidas mais difíceis. Leva 1720 minutos em toda esta época, um cúmulo longínquo de, imagine-se, Patrice Evra: o lateral de 32 anos conta com 3435 minutos e mais 5 anos de idade que Siqueira, jogando, ainda para mais, numa liga com uma intensidade incomparável à lusitana Liga Zon Sagres. Phillipe Lahm, lateral de 30 anos do Bayern, conta com 3105 minutos, enquanto o seu parceiro Alaba contabiliza 3385 minutos.Kyle Walker (adversário do Benfica na Liga Europa) conta com 2991 minutos pelo Tottenham, Maxwell (PSG) acumula 2629 minutos com 32 anos; se quisermos ficar-nos pela Liga nacional, os números não destoam, confirmando a tendência: Danilo, do Porto, conta com 3084 minutos e Alex Sandro 3150 minutos. No Sporting, clube afastado das competições europeias, Jefferson acumula 2060 minutos, mais 300 que Siqueira.

Enzo: O motor benfiquista do meio-campo ficou igualmente no banco, poupado para o desafio bracarense. Conta o argentino com 2616 minutos, fasquia que, comparada com outros médios com as mesmas (ou semelhantes) obrigações tácticas e físicas, é relativamente baixo: Fernandinho, médio centro do Manchester City, conta com 3070 minutos feitos, ao passo que o seu colega de perímetro, Yaya Touré, conta com 3436 minutos. Matuidi, médio do PSG, carrega 3005 minutos nas pernas, enquanto o seu parceiro Thiago Motta leva 2976 minutosjogados. Na liga italiana, a líder Juventus mostra igualmente números contrastantes no meio-campo criativo: Arturo Vidal leva 3257 minutos, ao passo que Pirlo (com 34 anos!) aguentou já 2638 minutos, mais 16 que Enzo, que tem 28 anos. Gabi, médio do Atlético de Madrid, equipa comanda a Liga BBVA, conta com 3404 minutos nesta época. Dada a importância fulcral de Enzo na manobra do Benfica, seria mesmo necessário poupar um elemento chave num jogo contra um rival, mesmo sabendo que os seus minutos acumulados estão muito abaixo do rendimento de um médio centro constante e móvel doutro campeonato? Fernando, do FC Porto, leva já 3054 minutos...mais 400 que o médio encarnado.

Gaitán: O extremo é outros dos dinamizadores do jogo encarnado, emprestando classe, técnica e uma panóplia de recursos que torna o jogo do Benfica num imprevisível acto de habilidade. O argentino conta com 2298 minutos nesta época, número que está bem longe dos 3043 minutos de Callejón, do Nápoles, 2824 minutos do extremo Antoine Griezmann, da Real Sociedad, longe também de Ozil, do Arsenal, que carrega2947 minutos nas pernas, numa liga exigente e de ritmo frenético. Antonio Valencia, extremo do Manchester United, ultrapassa também Gaitán, com 2517 minutos; já Grosskreutz, do Dortmund, conta3427 minutos, enquanto que o seu companheiro de lugar, Mkhitaryan, soma 2826 minutos nesta temporada. Todos os exemplos dados militam em campeonatos com um grau de esforço físico mais elevado, consequência de ritmos de jogo mais altos e certamente mais competitivos que a liga lusa, e onde a longevidade da época obriga a mais jogos e, concomitantemente, mais esforço físico.

Markovic: O jovem sérvio tem sido uma autêntica revelação, jogador amuleto que tem resolvido várias partidas, com golos de belo efeito. Markovic ficou de fora da partida com o Porto (ele que foi fulcral na partida da liga diante dos «dragões») mas a verdade é que os números não mentem: o jogador apenas leva 1954 minutos nesta época, um valor que fica bastante aquém da fasquia demonstrada por outros extremos com obrigações tácticas e físicas similares à do sérvio benfiquista. Varela, do Porto, conta com 2636 minutos (até mais que Gaitán), sendo imune a poupanças e tendo uma idade mais avançada que o fino e ágil extremo do Benfica.

 

Lima: O avançado brasileiro tem sido muleta essencial na coordenação do ataque encarnado, mas ficou no banco contra o Porto. Com 30 anos, o brasileiro conta com 2508 minutos na presente temporada, número algo abaixo de inúmeras comparações feitas pelos outros campeonatos de grande monta: Ibrahimovic, avançado do PSG, conta com 3323 minutos,Rooney, do United, leva já 2882 minutos, número similar a Higuaín, com 2855 minutos realizados. Apesar de tudo, a sua idade poderá ser factor de gestão física, embora tal planeamento de poupança possa ser feito em jogos de menor grau de dificuldade. Se tivermos em conta que Lima foi capaz de render 3834 minutos na totalidade da época passada, compreendemos que o avançado está ainda longe de esvaziar o seu limite físico, estando ainda com cerca de 1300 minutos a menos, aproximadamente 14 jogos completos, quando o próprio Benfica está a poucas jornadas de confirmar o título. Seria necessária a sua poupança no Dragão?

Rodrigo: O caso do jovem hispano-brasileiro é sintomático da gestão algo dúbia do treinador do Benfica: o avançado veloz tem apenas 1615 minutos disputados durante a presente época, tendo saído a meia-hora do fim do embate contra o Porto, com o jogo do Braga na mente do técnico benfiquista. Ora, o avançado de 23 anos tem um cúmulo de minutos tremendamente inferior à média regular de jogadores que actuam na sua posição: Van Persie, de 30 anos, tem 1965 minutos, registo baixo, ainda assim, mas que mostra que o atacante mais velho tem mais 345 minutos nas pernas que o jovem benfiquista.Lewandowski, atacante do Dortmund, contabiliza 3329 minutosDiego Costa, do Atlético, soma 3040 minutos, enquanto que, na Liga portuguesa, Jackson Martínez conta com 3210 minutos de jogo, bem acima do acumulado por Rodrigo. Nota digna de registo: Saviola, avançado de 32 anos do Olympiakos, supera os minutos de Rodrigo, que tem menos 9 anos que o argentino ex-Benfica: 1759 minutos. Será que Rodrigo tinha mesmo de abandonar o campo contra o Porto?

Estará o cansaço apenas na cabeça de Jorge Jesus?

A pergunta é legítima pois, demonstradas as comparações acima estabelecidas, o que se pretende é, pelo menos, duvidar da necessidade da tão badalada e imperiosa poupança de jogadores. O cansaço dificilmente estará no corpo dos jogadores ou na mente do departamento médico do Benfica, já que a preparação física dos jogadores benfiquistas estará bem perto (em alguns casos até será superior) à dos futebolistas de outros campeonatos, que, para além do mais, suportam exigências físicas mais fortes e constantes. Em Portugal, o campeonato dura 30 jornadas, menos 8 que na liga inglesa, liga espanhola, francesa, alemã e italiana. Ainda assim, Jesus gere o seu plantel como se os elementos mais cruciais da formação tivessem já no limiar do esforço cumulativo, o que está longe de ser verdade. O cansaço estará, poder-se-á dizer, na mente do treinador do Benfica.