Embora a supremacia encarnada seja evidente por esta época, o Porto terá sempre cara de vilão para o Benfica. O confronto entre as duas equipas tem favorecido o azul nos últimos anos e os 15 pontos que afastam as equipas no campeonato pouco interessam em dia de duelo. O que se jogava era a tradicional Taça de Portugal e o Porto trazia na bagagem a vantagem da 1ª mão. No final, com a reviravolta da casa, este jogo permite duas conclusões: primeiro, que este Benfica se supera, contra as expectativas tímidas que se assumiam no início de época; depois, que o Porto não consegue negar a espiral descendente e que se descaracteriza, a cada partida.

Estivesse o jogo espelhado nos primeiros 20 minutos e não seria de estranhar que o Benfica tivesse segurado a eliminatória em sua casa. Os encarnados entraram determinados em campo, procurando a baliza adversária de forma coordenada, com boa troca de bola e sem acusar a pressão de ter perdido na primeira mão. Sintomático desta realidade, era a motivação de Sálvio, que procurava desconstruir a defesa portista, e de Gaitán, que suportava a equipa construtivamente e insistia na execução de um cruzamento eficaz.

E foi com um cruzamento de Gaitán que as bancadas do Estádio da Luz se levantaram, em festejo, pela primeira vez na noite. Numa jogada limpa e simplificada, Rodrigo assistiu o argentino com passe, que cruzou para o 2º poste, onde estava Sálvio. Estava feito o 1-0 aos 17 minutos, que empatava a eliminatória e abria um novo jogo para ambas as equipas. Nesta altura, tanto Quaresma como Jackson já haviam tentado criar perigo na baliza de Artur, mas revelavam dificuldades em penetrar na área, com a defesa da casa a organizar-se bem.

Prova inesperada para os da casa

Se a prova do Benfica seria, inicialmente, inverter a desvantagem prévia e fazer prova de que o Jamor era também uma prioridade para o colectivo, depois da primeira meia hora de jogo, a prova mutou-se e o caminho da final estreitou para as águias. A expulsão de Siqueira, por acumulação de dois amarelos em 5 minutos, veio trazer um teste que o próprio Jorge Jesus admitiu não antever. Jogar com 10 jogadores, contra um Porto capaz de atacar triplamente, com Quaresma, Varela e Jackson, é travar a lógica posicional do Benfica e, com menos um avançado em virtude do sacrifício de Cardozo, as regras mudavam.

Primeiro, porque é na capacidade de atacar que reside a identidade desta equipa. Sem depender exclusivamente de avançados, a formação de Jesus detem jogadores polivalentes, preparados para o golo e não apenas para criar linhas de passe ou conseguir assistir quem está na frente. Depois, porque com o tanque de ataque do Porto, com Quaresma como individualidade capaz de fazer virar um resultado e a eficácia histórica de Jackson, era necessário que o Benfica não recuasse demais, como seria previsível. Por último, porque para segurar o resultado, o Benfica não poderia desistir de tentar chegar a Fabiano, aproveitando os momentos de jogo em que a inferioridade numérica pouca diferença faz, nas transacções rápidas defesa-ataque, tirando proveito da desconcentração defensiva do Porto.

Astúcia portista inverte o jogo

Com a necessidade de reinvenção das águias, os dragões encontraram o momento-chave para se impor, aquele que procuravam desde o início e que a intensidade de jogo do Benfica havia deixado escapar. Não conseguindo construir jogadas completas, de transição dentro do terreno, o Porto pôs em prática o que melhor sabe fazer. Roubar do adversário o que quer. A intensidade, a calma e a supremacia. Foi isso que, a comando de Quaresma, a equipa de Luís Castro conseguiu iniciar aquando a expulsão de Siqueira. Tão importante quanto jogar bem, é constituir uma equipa inteligente, que sabe ler o jogo e utilizar todos os trunfos para vingar. E o jogo com a arbitragem bem pode ser letal nestes momentos.

Os dragões conseguem imprimir tal jogo de pressão, na procura da falta, no travar da emoção rival, que permitiram, com isso, desconstruir o jogo do Benfica ainda na 1ª parte. Antes do intervalo, e depois de mexer com os ânimos da casa, com faltas e uma expulsão, o Porto já trocava a bola com eficácia e conseguia fazer recuar a formação encarnada, chegando no início do 2º tempo ao inteligente e premeditado golo de Varela, que devolvia de novo eliminatória aos visitantes. O remate cruzado do avançado, sem hipótese de defesa para Artur, chega 5 minutos depois do intervalo, altura em que o Benfica se reorganizava posicionalmente face à sua inferioridade e tentava mostrar que conseguiria ainda atacar.

Benfica supera-se na última meia hora

No entanto, é depois do golo do Varela que este jogo se torna num histórico entre rivais e, sobretudo, marca uma tendência reversiva perante o contexto dos últimos anos. Seria expectável que o jogo terminasse com mais tentos do Porto ou com um Benfica a sofrer para proteger a baliza de Artur. Mas, contra as tendências e expectativas, a equipa de Jorge Jesus, em golpe de sorte ou sabedoria, foi capaz de construir uma nova partida na última meia hora. Aliás, desconstruindo o jogo, existem três momentos demarcados que nos permitem analisa-lo: o início intenso do Benfica até inaugurar o marcador; a expulsão de Siqueira aliada ao golo de Varela, a sorrir para a Invicta; e, por fim, a força do Benfica depois da quase consumada derrota na eliminatória.

Primeiro por Enzo, a converter uma grande penalidade, e depois por um fantástico e surpreendente tento de André Gomes, os encarnados voltaram a chamar para si o sucesso de uma época. Em termos motivacionais, este jogo é a confirmação de um colectivo há muito prometido, que embora tivesse prioritariamente a lutar pelo campeonato, ainda pretende fazer frente em todas as finais possíveis. Depois, é o antídoto merecido a dias de poder festejar o 33º campeonato.

Colectivo descaracterizado na Invicta

Em contrário, a formação de Luís Castro mostra que precisará de uma reflexão em final de época e de uma preparação intensa da que se adivinha. Não seria a Taça de Portugal, ou não será a Taça da Liga, a devolver a hegemonia ao Futebol Clube do Porto. Mas quando os troféus possíveis se discutem frente a um eterno rival, esta poderá ser a prova necessária para que a equipa se reformule, mesmo que a poucas semanas do final da temporada. E seria a prova temporária para calar a contestação dos adeptos.

E se o Porto diminui gradualmente em termos de performance, desfez-se, já, no seu colectivo. Apesar do aparente ânimo que Quaresma possa ter trazido ao dragão, também trouxe a individualidade egoísta e desestabilizadora que a equipa não precisava. Porque esta se encontra demasiado frágil para conter egos maiores que si mesma. Mesmo com histórico de jogadores duros e destemidos, o Porto não pode encontrar em Quaresma o seu comandante. O comandante deve estar sentado no banco. E esse ainda não foi encontrado.

Passível de muitas críticas, o trabalho de Jorge Jesus tem sido de comandar uma equipa. No final, a performance das duas equipas é inversamente proporcional. Quanto mais cresce este Benfica, menos reconhecemos este Porto. Estão, podemos afirmar, em tendências discordantes.