Jesus falhou nos momentos decisivos, tremeu pela enésima vez ante o poder e a estratégia de intimidação do FC Porto e depois de meses e meses de passos certeiros acabou por claudicar nos últimos minutos de uma época que tinha tudo para ser dourada.

Fartos de entregar de bandeja campeonatos consecutivos ao rival do norte, os adeptos encarnados não tardaram em pedir a cabeça do seu treinador, praticamente à mesma velocidade da perda dos três títulos, de um minuto para o outro, da secura do remate de Kelvin à frieza do cabeceamento de Ivanovic. Elogios intermináveis ao longo de 8 meses (91 minutos), para tudo desabar em menos de nada, de dias para centenas de segundos.

A crucificação de Jesus, consequente à humilhação perpetrada contra o treinador, até dentro do próprio clube benfiquista, foi vexame contínuo alimentado durante prolongados 8 meses. De Maio até Dezembro, Jesus esteve sempre na corda bamba, questionado por tudo e por nada, massacrado pelo universo benfiquista até quase ao tutano. Isto apesar dos resultados, sempre na média dos alcançados pelo treinador desde que chegou ao Estádio da Luz.

E é aí que se chega ao ponto: Jorge Jesus é o treinador mais bem sucedido da era Luis Filipe Vieira. Se se quiser ser mais rigoroso, praticamente o único. Jorram-se agora elogios ao Presidente da parte dos mesmos que até há bem pouco tempo o criticavam, pela falta de títulos, pelo desprezo pela formação encarnada e pela insistência no apoio a JJ. E que agora o elogiam invertendo estes mesmos argumentos.

Na verdade, Luís Filipe Vieira manteve Jorge Jesus no Benfica, não apenas por não poder pagar ao treinador avultada taxa indenizatória, mas sobretudo pela ausência de alternativas para o comando técnico dos encarnados.

Paralelamente, decidiu arriscar tudo e ofereceu ao treinador um cheque de milhões e milhões de euros para nova incursão no mercado, com contratações dispendiosas que equilibraram um plantel considerado, há várias épocas, o melhor do campeonato português.

E por fim Jesus, já morto, acreditou no milagre da ressureição, sozinho, solitário, contra o escárnio de todo planeta Terra. “Contra tudo e contra todos”, venceu. E voltou mais forte do que todos os outros, do que todos nós. Falhou em tantos e tão variados momentos, é certo, mas acertou naquilo em que mais acredita: o seu valor enquanto treinador. Tantas vezes subestimado e alvo de chacota no mundo do futebol, Jorge Jesus foi particularmente inteligente na forma como procurou resolver alguns problemas que lhe foram aparecendo ao longo da temporada.

Final de época serviu de introspecção para etapa no Benfica

Quando se ajoelhou em pleno relvado do Estádio do Dragão após o golo de Kelvin, Jorge Jesus viu “cair-lhe a ficha” do significado daquela derrota para a sua carreira e para o resto daquela época. Perdeu tudo o que se seguiu e percebeu que aquela poderia muito bem ser a sua última oportunidade de brilhar na alta roda do futebol europeu. Em nenhum momento pensou em mudar, mas percebeu muito bem que o seu futuro como treinador passaria muito pela representação: quanto mais parecesse estar diferente, mais chances teria de ter sucesso. Nunca pôs em causa os seus métodos de trabalho, ignorou as críticas vindas do interior do próprio clube e limitou-se a corrigir pormenores. A sua auto-confiança, característica marcante do personagem, foi meio caminho andado para o sucesso.

Silêncio foi arma que abafou onda de casos

Do episódio com Cardozo na final da Taça até à agressão a um agente policial em Guimarães, o treinador do Benfica foi somando casos atrás de casos numa época conturbada e de grande tensão. Com o paraguaio, Jesus nunca se mostrou muito preocupado e foi a prevalência e rendimento das suas escolhas que acabou por silenciar o gigante matador, relegado para segundo plano. Sem nunca se ter manifestado contra a permanência do avançado no plantel, o treinador deixou que os resultados e a proficuidade da dupla Lima-Rodrigo calasse de vez um dos seus maiores anti-corpos no plantel encarnado, e lhe retirasse o protagonismo que ele próprio o tinha ajudado a conquistar.

No resto dos casos, Jesus mostrou sempre enorme tranquilidade e não reagiu às críticas a alguns dos seus mais polémicos comportamentos, como a dança provocatória dirigida a Tim Sherwood. Também os empurrões a Shéu e Rui Costa passaram ao lado do treinador, apesar da censura de que foi alvo no universo encarnado por todos esses gestos.

Perda de Matic

Soccer - UEFA Champions League - Quarter Final - Second Leg - Chelsea v Benfica - Stamford BridgeAo longo do seu reinado no Benfica, Jorge Jesus já perdeu a conta aos jogadores nucleares que foi perdendo para grandes tubarões do futebol europeu, muitos deles em alturas críticas das temporadas. Desta vez o carácter inesperado destas saídas foi ainda maior, com a venda do sérvio Matic ao Chelsea a dar-se a meio da época, no mercado de Janeiro da Europa.

Provavelmente o jogador mais influente da equipa encarnada, a perda de Matic foi sem dúvida um duro golpe na estratégia de Jesus, que no entanto soube uma vez mais reconstruir o seu onze com protagonistas totalmente diferentes. A equipa não se ressentiu nem ficou a chorar com a saída do importante jogador, e continuou a jogar e a ganhar, como se nada se tivesse passado. Mérito indiscutível do treinador.

Ouvidos moucos à petulância de miúdos e graúdos

Nestes duros e penosos meses, Jesus terá certamente ficado com as orelhas a arder de tanto que ouviu de alguns dos atletas benfiquistas. Dos miúdos do Seixal até aos insatisfeitos do plantel, foram muitas as críticas à sua gestão e relação com os jogadores. Uma vez mais, o treinador do Benfica fez-se de surdo e manteve-se irredutível nas suas ideias.

Recuperou inclusive Ruben Amorim, um dos seus maiores críticos, e prosseguiu com o seu foco na rentabilização e valorização dos atletas em prol da equipa. De resto, o treinador nunca desviou a atenção desse objectivo.

Ganhar equilíbrio sem deixar de jogar bonito

SLB_Futebol_Siqueira_PSG_BenficaV1O futebol do Benfica de Jesus caracterizou-se sempre pela propensão ofensiva e vertigem pelo golo. Porém, os resultados práticos só foram visíveis na temporada de estreia no Estádio da Luz. Com o passar dos anos, foi-se consolidando a ideia de uma equipa e plantel desequilibrados e assustadoramente permeáveis em momentos de decisão. Jesus percebeu essa lacuna e na época do tudo ou nada formatou a sua equipa para o campeonato nacional e para a Europa, dotando-a de uma capacidade de controlo e gestão de resultados que nunca antes tinha conseguido evidenciar.

Refreando a loucura pelas goleadas e pela “nota artística”, Jesus acalmou o ritmo de jogo e ofereceu-lhe uma consistência defensiva que a contratação de Siqueira ajudou a solidificar. Afinal, com tantos e tão bons protagonistas, não era uma missão assim tão impossível. Tal redefinição estratégica foi a prova final da inteligência de Jorge Jesus, que soube readaptar-se ao futebol de alto nível sem retirar a identidade da sua equipa que tanto lhe custou a construir.

O Benfica de 2013/14 marcou e sofreu muito menos golos que a versão 2012/13, mas tal não significou um retrocesso nos resultados, pelo contrário.

Da paciência à explosão de Rodrigo

ng1691548Chegou rotulado de craque mas demorou a mostrar a consistência que hoje o torna provavelmente no jogador mais influente do actual Benfica. Sofreu com algumas lesões pelo meio e foi perdendo fulgor ao longo das épocas, mas nunca desistiu. Apesar de apontado à porta de saída, Rodrigo mereceu sempre atenção especial de Jorge Jesus, que não perdeu tempo em lançá-lo para a titularidade depois da traição de óscar Cardozo. O hispano-brasileiro correspondeu e esta época está finalmente a mostrar o que vale, aliando golos decisivos à já conhecida capacidade técnica e velocidade.

Quem fala de Rodrigo pode também falar de Gaitán e André Gomes. O argentino deixou a intermitência para trás e hoje é peça determinante no onze encarnado, e o internacional português parece por fim ter acordado do longo período de hipernação que o afastou das opções iniciais do treinador do Benfica.

Perante todas estas respostas de Jorge Jesus, para além dos resultados já alcançados (conquista do título e presença em mais três finais) e dos que ainda estão por vir, a pergunta que se impõe é se o técnico lisboeta irá ou não continuar no Estádio da Luz na próxima temporada. Mais que a cobiça dos muitos interessados nos seus préstimos, importa saber se Jesus é homem para perdoar e esquecer tudo o que foi ouvindo ao longo das últimas temporadas.

Ao invés de se anunciar fins de ciclos, repetindo comportamentos do passado, seria por isso bem mais útil para os adeptos do Benfica avaliar a real viabilidade da continuidade de Jorge Jesus na Luz. Até porque neste momento tal possibilidade não parece assim tão certa como se possa fazer querer. Na eventualidade de permanecer por pelo menos mais um ano, o treinador verá então recuperado o espaço perdido nas últimas duas épocas e voltará a ter legitimidade para comandar o futebol encarnado a seu bel-prazer. Essa será, talvez, a vitória mais saborosa das muitas que estão pela frente neste final de temporada.