Antigamente um das selecções mais fracas do panorama internacional, os Estados Unidos da América são hoje uma pequena estrela em ascensão no espaço mundial que alberga os astros gigantescos do futebol. Outrora relegados para um plano secundário, os yanks são, na contemporaneidade, presença assídua nas fases finais dos Mundiais de futebol, acumulando a experiência que hoje lhes providencia uma tarimba nunca antes detida. Graças às seis fases finais consecutivas no contexto mundial, a formação orientada pelo antigo craque alemão Jurgen Klinsmann pode gabar-se já de um estatuto do qual nunca gozou na sua História passada: ser mais uma entre as melhores do mundo.

Desde 1990 (em 1994 os EUA organizaram o Mundial) que a selecção estadunidense não falha uma fase decisiva da maior competição futebolística do mundo, tendo inclusivamente chegado aos quartos-de-final da prova em 2002, tendo perdido para a Alemanha depois de ter afastado o México (2-0) e de obter uma estóica qualificação no seu grupo D, batendo para tal a selecção portuguesa (3-2). No último Mundial, realizado na África do Sul, os EUA voltaram a surpreender, resgatando o primeiro lugar do grupo C, deixando para trás a Inglaterra, a Eslovénia e a Argélia. A formação americana caiu nos oitavos-de-final aos pés do Gana, selecção que irá de novo (assim como Portugal) fazer companhia à turma de Dempsey, Donovan e companhia, na fase de grupos. Neste Mundial, a vontade será a de superar os melhores registos obtidos, dando corpo ao sonho americano de elevar o patamar do país a nível futebolístico.

Duplo pivot no miolo e a técnica da imprevisibilidade ofensiva

Klinsmann faz o seu onze jogar num 4-2-3-1 que, espraiado dentro das quatro linhas, não oferece grandes dúvidas analíticas: a linha de quatro defesas tem pela frente uma dupla de médio centrais que guarnece o miolo do terreno, tapando o corredor central e auxiliando quaisquer descompensações habituais, principalmente nas laterais, áreas fracas da formação estadunidense. Com um bloco de seis jogadores para consolidar a manobra defensiva, os EUA podem assim libertar tacticamente os restantes quatro elementos, deixando-os a cargo da elaboração das jogadas de ataque: Donovan e Dempsey pegam na batuta trequartista do jogo, derivando para as alas ou criando espaços (e combinações) pelo corredor central, onde Dempsey é exímio no tiro de longa distância e Donovan letal quando penetra na área contrária.

Esta dupla de ataque é apoiada pela pujança física de avançados como Eddie Jonhson ou Jozy Altidore, motores ofensivos que dão a necessária acutilância a um processo de ataque que, munido de tecnicistas, precisaria sempre de um complemento de força, esforço e capacidade de explosão. Rápidos, hábeis na desmarcação e na procura de espaços livres para desenrolarem o futebol da sua formação, Johnson e Altidore são os caçadores do golo, mesmo que por várias ocasiões não sejam eles a assinar os tentos da sua selecção. Fortes mas também tecnicistas, ambos os avançados assistem competentemente os colegas, geralmente caindo nas faixas para depois aproveitarem as entradas de Dempsey, Donovan ou até Bradley, todos eles finalizadores acima da média. Dadas as suas características fisionómicas e à garra que incutem na partida, Johnson e Altidore são peças difíceis de marcar, já que as suas constantes movimentações obrigam a marcações zonais que facilmente podem ser baralhadas: a utilização de Landon Donovan, um falso avançado com dotes de goleador, acentua ainda mais a dificuldade de tal tarefa, pois o experiente médio acerca-se das zonas mais adiantadas do terreno, furando pelos espaços, qual «joker» inesperado. A presença de Graham Zusi na extrema direita tem sido também uma mais-valia no plano ofensivo: Zusi é um bom assistente, usando os seus cruzamentos letais para fornecer golos aos avançados.

Para que tudo se concretize na frente, uma dupla de médios trabalha incessantemente de modo a garantir o equilíbrio da táctica: falamos de Jermaine Jones e de Michael Bradley, uma das estrelas da companhia. Este duo central preenche o meio-campo, sendo auxiliado (principalmente em termos passivos e posicionais) pelo médio ofensivo que pisa terrenos mais adiantados (Dempsey, por exemplo). Jones fixa-se nas tarefas defensivas enquanto Bradley desempenha a preceito o papel de organizador de jogo recuado, de olhos postos na frente, pronto a disparar passes longos que descubram os rápidos avançados, propensos a arrancadas e desmarcações verticais. Os passes de Bradley são um dos bastiões tácticos dos EUA, já que a perícia com que os executa permite à formação explanar-se no último terço do campo com perigo, saltando assim etapas de construção (pelo chão) onde a jogada pode ser interceptada e a posse de bola perdida em zonas não aconselháveis.

Defesa permeável e estofo imaturo

Um dos pontos fracos destes EUA reside na sua estabilidade defensiva. Salpicado com talento ofensivo inegável e com armadores de jogo de qualidade (Bradley, Dempsey) a selecção norte-americana não possuiu, ainda assim, talento acima da média no sector defensivo, quer a nível individual (carece de elementos dotados de técnica e arrojo) quer a nível colectivo. Apesar de, entre os nove defesas pré-seleccionados figurarem 4 elementos que jogam na Europa, o colectivo da retaguarda à disposição de Jurgen Klinsmann não goza do traquejo ideal que um Mundial exige na hora de defender. Apesar da competência de Geoff Cameron (do Stoke City), a dupla de centrais não se consuma sem a presença de Omar González, central do LA Galaxy, provavelmente um dos melhores jogadores na altura de organizar a defesa, e de Matt Besler, central que joga no Kansas City.

Permeável, tanto enfrentando jogadas dinâmicas (onde as combinações, com e sem bola, se sucedem) como a lidar com lances de bola parada, a defesa dos EUA não assegura um rendimento capaz de sustentar a competência ofensiva que a equipa apresenta. A falta de ritmo «europeu» que ainda envolve a liga norte-americana, aliada à ainda ténue proliferação de jogadores estadunidenses no meio futebolístico do velho continente poderá ajudar a explicar parte da inexperiência relativa à exigência dos grandes palcos, onde a competitividade é inequivocamente maior e, certamente, muito mais constante. Dos 30 pré-seleccionados, 14 jogam na liga MLS e 2 na liga Mexicana (Corona e DaBeasley), enquanto que Michael Bradley actua no Toronto FC, do Canadá, gozando da experiência tida em clubes como Heerenveen, Borussia M'Gladbach ou Roma. Além de Bradley, Donovan, Clint Dempsey, Altidore e Jermaine Jones são os únicos com experiência assinalável no futebol exigente do velho continente - os líderes de uma selecção ainda imatura e em fase de crescimento.

Jogadores a ter em conta

O líder: Clint Dempsey

Experiente na alta roda do futebol (jogou na Premier League pelo Fulham), dotado tecnicamente, dono de um remate venenoso e colocado e talhado para os grandes lances: assim é o médio ofensivo Clint Dempsey, estandarte da formação estadunidense. Um dos melhores jogadores que os EUA viu pisar a relva dos campos de futebol espalhados pelo mundo, o capitão dá à selecção aquilo que lhe é indispensável e que existe em quantidades raras no ecossistema norte-americano: talento puro, genialidade com a bola nos pés. A grande percentagem dos golos dos yanks passa pela coordenação técnica do médio de 31 anos.

O às: Landon Donovan

Habituado aos palcos da Premier League, Donovan é, apesar dos seus 32 anos, um eterno às de trunfo no esquema estadunidense, muito por culpa da versatilidade com que pisa os terrenos que circundam a área contrária. Jogador apto a flanquear o jogo, Donovan oferece múltiplos recursos em termos atacantes: ágil na movimentação interior, inteligente e astuto na forma como aproveita os espaços, Donovan surge nos locais mais inexpectáveis, farejando o golo e finalizando grande parte das jogadas criadas por si e pelos colegas. Ora extremo ora médio ofensivo central, o jogador do LA Galaxy tem uma apetência ideal para entrar na área a marcar golos como se fosse um ponta-de-lança.

A não perder: Jozy Altidore

Certamente desejoso de mostrar-se na grande competição de selecções, Altidore goza de um potencial enorme que precisa urgentemente de uma atenção especial. O possante avançado do Sunderland, de 24 anos, é provavelmente um dos maiores talentos estadunidenses, mas a sua carreira europeia não tem enchido as medidas dos grandes clubes, tardando Altidore a sua própria afirmação, talvez por dificuldades na adaptação ao estilo de jogo das ligas por onde passou (Espanha, Turquia, Holanda...). A regularidade apresentada esta época (39 jogos) não se traduziu em golos (apenas 2). Talvez no Brasil Altidore consiga despontar, confirmando com boas exibições e golos o bom prenúncio que sempre acompanhou o seu início de carreira.