Amanhã jogar-se-á a grande final da Liga dos Campeões, Lisboa será a cidade palco da batalha madrilena que promete deixar marcas na capital portuguesa. Frente a frente no relvado do Estádio da Luz, Real Madrid e Atlético de Madrid combaterão até à exaustão pelo prestígio do troféu, editando um duelo pleno de rivalidade, emoções fortes e imprevisibilidade total. De um lado, o favoritismo galático de Cristiano Ronaldo e da sua armada merengue, do outro o batalhão colchonero, liderado pelo instinto matador de Diego Costa, que tenta a todo o custo estar em plena forma para a partida. Lisboa foi invadida pelo turbilhão madrileno e de Lisboa sairá o vencedor da competição: qualquer que seja a facção vitoriosa, História far-se-á no futebol mundial: caso o Real triunfe, conquistará a décima prova, fasquia extraordinária que será recorde; caso vença o Atlético, a equipa colchonera erguerá a primeira Liga dos Campeões da vida do clube.

Medindo as forças individuais dos dois colectivos, a lógica confessa a superioridade teórica do Real Madrid: maior número de talentos singulares, maior virtuosismo técnico, maior quantidade de jogadores que podem, num virar de um ápice, resolver lances com golos tirados da cartola. Cristiano Ronaldo encabeça o poderio merengue, auxiliado pela pujança e velocidade de Gareth Bale, pelos dribles mágicos de Di María e pela inevitabilidade dos golos de Benzema. Apesar da avalancha ofensiva do Real Madrid, o Atleti não se deixará amedrontar, já que a fibra de que é feito é totalmente à prova de medo: a formação capitaneada por Gabi tornou-se campeã espanhola (batendo o próprio Real e o poderoso Barcelona) e enfrenta qualquer adversário sem temor nem intranquilidade. Foi assim contra Chelsea (nas meias-finais da competição) e será assim contra o rival da capital. Neste momento não restam dúvidas: a equipa de Diego Simeone vive, respira e transpira confiança, disciplina e união de grupo, qualidades que têm contribuído para um colectivo forte na hora das decisões mais fatídicas.

O perfil colectivo do Real Madrid

A equipa orientada por Ancelotti goza hoje de uma solidez defensiva superior àquela apresentada quando era liderada por José Mourinho. Mais solidária na altura de enrijecer a atitude e mais voluntariosa quando chega a necessidade de fechar os espaços com esforço e pressão colectiva. Com Pepe e Sergio Ramos no núcleo defensivo, o Real mantém a sua fúria defensiva, jogando na antecipação e elevando a dureza dos duelos a patamares consideráveis. No jogo pelo ar, ambos são ameaças sempre que sobem à área contrária (Ramos bisou de cabeça contra o Bayern, na meia-final), juntando-se a Cristiano Ronaldo na dança da área de rigor: o Atlético terá de se concentrar ao máximo nas marcações aquando de lances de bola parada, já que demasiada atenção sobre Ronaldo implicará, fatalmente, oportunidades flagrantes dos centrais merengues.

Na sua genética actual, o Real Madrid é uma equipa formatada para ser fatal nas transições rápidas, sustentadas pela incrível velocidade dos seus extremos. Di María, Ronaldo e Bale compõem o trio de comboios rápidos dos blancos, autênticos TGV's que descem pelo campo preenchendo os espaços nas costas dos adversários, invadindo as linhas e disponibilizando sempre uma linha de passe no corredor central para que a finalização seja o mais mortífera possível. Enfrentar o Real é um completo pesadelo táctico pois a celeridade com que a equipa transporta a bola, desde a primeira fase de construção até à zona de decisão ofensiva (último passe), obriga a que as linhas contrárias estejam profundamente recolhidas, de modo a não serem ultrapassadas pela invasão do contra-ataque. Assim, o Real impõe um domínio territorial apoiado na forçada passividade do adversário, que oferece metros do campo ao miolo merengue em troca de maior segurança defensiva.

As investidas do Real não se cingem à magia dos seus extremos. O esquema potencia a subida dos laterais, Marcelo e Carvajal (Coentrão também encaixa perfeitamente nessa filosofia), que, munidos de assinalável velocidade, aumentam ainda mais a profundidade dos flancos, desenrolando jogadas de entendimento com os extremos, manobras interiores (Ronaldo é exímio em galgar metros rumo à quina da área, tentando depois o tiro cruzado) e sobreposições de elementos na área contrária: método utilizado sempre que as defesas oponentes cerram fileiras ao redor da área, deixando completamente de lado quaisquer tentativas de saída de bola e assumindo o risco do tiroteio constante. A elevada mobilidade maleável do ataque permite que as entradas (desequilibradoras) sejam feitas tanto pelos laterais, como, pelo meio, por jogadores como Modric (que executa movimentos pendulares de uma quina da área à outra) ou Isco, aspirante a incisivo número 10 da formação blanca. 

O perfil colectivo do Atlético Madrid

A equipa treinada pelo argentino Simeone, símbolo do clube, apresenta-se como um colectivo tremendamente unido, disciplinado dentro das quatro linhas e acérrimo na execução do plano ideológico do técnico: quando o Atlético joga, as suas jogadas e as suas movimentações no relvado reflectem, sem mácula, a filosofia de jogo teorizada por Simeone, sinal de que a mensagem tem passado limpidamente, mérito inegável do treinador colchonero. O ímpeto voluntarista é marca de água da formação - da defesa até ao ataque, a estrutura madrilena compensa-se incessantemente, operando numa roda-viva de revezamentos que não permite que a equipa entre em desequilíbrio. Sempre compactos, os jogadores do Atlético controlam bem os terrenos que pisam, dando a sensação (real) de que raramente perdem o tacto e a noção do perigo adversário. 

A dupla de centrais é, como não poderia deixar de ser, eficaz e tranquila. Miranda e Godín são defesas completos, capazes de impor o seu domínio aéreo e de estabilizar qualquer linha da retaguarda, graças à sua reflectida atitude dentro de campo, principalmente sob pressão. À semelhança da dupla de centrais rival, ambos são alvos a ter em conta na altura de subir às alturas...para marcar. Cuidado especial com Godín, que sabe como ferir (de cabeça) qualquer oponente que consigo dispute lances aéreos. Da sua cabeça nasceu o golo que, em Camp Nou, permitiu ao Atlético celebrar o campeonato. Os laterais, apesar de calculistas, oferecem consistência à explanação (em largura) do futebol do Atlético, mas é no centro do campo que está alojado o coração atleti - Gabi, Tiago, Raúl Garcia e Arda Turan (que sabe pisar terreno centrais) dão a energia que faz toda a equipa pulsar, providenciando, quer a combatividade (que depois se espalha pelos colegas) quer a inteligência táctica.

A versatilidade dos médios centrais permite que toda a formação se cole, não sobrando nesgas por preencher nem assimetrias que não possam ser engolidas pela perspicácia táctica, ora de Gabi (incansável) ora de Tiago. As rotinas defensivas que ligam o meio-campo e a defesa estão perfeitamente oleadas, facto que permite ao ataque ter alguma liberdade para se espraiar pelo último terça de relva, tentando marcar pontos nas costas dos opositores. Arda Turan conduz as jogadas, Diego Costa dá o corpo às balas e degrada as defesas contrárias, sempre espreitando o golo. Há pragmatismo no Atlético, um pragmatismo salpicado com pós de raça, abnegação e uma calma própria de um colectivo que aprendeu a confiar nas ideias que coloca em jogo.

Sistema de jogo merengue é quebra-cabeças

Ancelotti transformou o Real numa equipa de tracção a três médios, gerando jogo à rotação de um 4-3-3 com a adaptação de Di María a posições mais centrais do terreno, alterando definitivamente o modelo 4-2-3-1 que dava formas gerais à anterior disposição táctica. Ainda assim, as faixas continuam a ser o perigo máximo desta equipa, que constantemente invade as linhas com desmarcações a velocidades brutais, quer por Bale, Di Maria ou Ronaldo. Na verdade, o híbrido 4-3-3 tem laivos de um persistente 4-1-2-3, já que Modric raramente se deixa ficar ao lado de Alonso, subindo para orientar os passes na zona intermédia do oponente, empurrando tacticamente os restantes jogadores ainda mais para a frente. Di Maria descai constantemente para a faixa direita quando a equipa avança para a transição com espaço livre, dando largura ao jogo e forçando as linhas contrárias a desintegrarem-se no seu tecido. 

O balanceamento ofensivo do Real é enorme, dada a facilidade com os seus elementos têm em galgar metros e em aglomerar jogadores na frente de ataque, esmagando o reduto contrário. As faixas esticam-se, o corredor central é povoado com Modric (que carrega a bola nos pés com destreza), enquanto os laterais apoiam a decisão do passe perigoso ou a manutenção da posse, permitindo ao conjunto dominar a bola num perímetro bem alargado (a toda a largura, efectivamente) da zona defensiva do adversário. A formação consegue colocar até sete elementos nas imediações da área opositora, tecendo assim um autêntico colete-de-forças que não permite à presa preocupar-se com algo que não seja a reacção defensiva. Ocupando toda a largura do último terço, o Real força o adversário a espalhar-se também, e, mesmo que se concentre posicionalmente, expectando, acabará sempre por descuidar nesgas de terreno dada a amplitude do colete-de-forças blanco e graças igualmente à boa movimentação dos avançados (Ronaldo nunca pisa o mesmo metro quadrado duas vezes seguidas).

Sistema colchonero à prova de tudo

A formação de Simeone tem provado que é...à prova de tudo. Ou, pelo menos, de quase tudo. Conquistada que foi a Liga BBVA (nem Real Madrid nem Barcelona não foram capazes de bater os rojiblancos na liga espanhola) e carimbado o voo para a final de Lisboa (onde um milionário Chelsea de Mourinho não foi capaz de bater, nos dois jogos, o Atlético), o Atleti encara a final da Liga dos Campeões com a certeza de que possui a estrutura necessária (mental, técnica e táctica) para ombrear com os melhores do mundo. Tiago e Gabi personificam o duplo pivot defensivo, peça charneira que faz com que a equipa se mova acima e abaixo com harmonia, entre ataques e acções defensivas. A competência defensiva de ambos dá solidez à zona recuada. Nas faixas, tanto Koke como Arda Turan sabem caminhar em solo central, auxiliando os colegas na cobertura.

O 4-4-2 de Simeone providencia segurança global mas também mostra como atacar com envolvência: os médios alas flectem para dentro, tentando girar as marcações, obrigando a alternâncias e a movimentações que possam, eventualmente, deixar colegas sozinhos, sem marcação devida. Nesse aspecto, é também requerida a colaboração dos avançados e dos laterais. Arda Turan, que tem apetência para demorar a entrega da bola enquanto pensa no próximo passe a desenhar, espera muitas vezes pelas entradas dos colegas, fugindo ele mesmo para locais onde, depois de atraídos os adversários, possa servir um companheiro solto. É de referir igualmente o trabalho defensivo da dupla de avançados (Costa e Villa), que se desloca por grande parte do terreno, pressionando e segurando a bola quando necessário.

Hoje, tudo se decidirá, não só nos detalhes, como também no fio de jogo de cada equipa, na entreajuda disponibilizada e na eficiência dos processos defensivos e ofensivos. Quem conseguir balançar da melhor forma entre a competência no sector recuado e a eficácia atacante, ficará certamente mais perto de erguer o troféu. Cristiano Ronaldo será o perigo público número um para os colchoneros, já que a sua meia distância é letal. O português pode marcar a 25/20 metros do alvo como pode furar de mil e uma maneiras pela área contrária, rematando cruzado ou finalizando à ponta-de-lança. Caso vença, Cristiano conquistará a sua segunda Champions. Mas a turma de Simeone não será mera espectadora: a raça atleti pretende fazer História e, como underdogs, terão todas as chances de surpreender a seu favor.