Reviravolta eleitoral que deixou perplexo e atónito o futebol português: Mário Figueiredo, actual presidente da Liga Portuguesa de Futebol Profissional vai concorrer sem oposição a um novo mandato no mesmo organismo. O presidente vigente já anunciara a sua recandidatura, mas esperava batalhar pelo voto contra dois opositores - Rui Alves, ex-presidente do Nacional da Madeira (demitiu-se para avançar com o projecto da candidatura) e Fernando Seara. No entanto, ambas as candidaturas foram esta noite rejeitadas pela Mesa da Assembleia Geral da Liga, na pessoa de Carlos Deus Pereira.

Tanto Rui Alves como Fernando Seara foram excluídos da corrida pela presidência devido a incongruências processuais que mancharam de inviabilidade as suas candidaturas. No comunicado que esclarece a rejeição, explica-se que Seara apresentou duas candidaturas, ambas inválidas: numa retirou-se do cargo ('divórcio' com Rui Rangel, seu apoiante) e noutra não apresentou lista para a Comissão Arbitral. Quanto a Rui Alves, o demissionário presente do Nacional foi dado como inelegível já que aquando do fecho do prazo para a apresentação das candidaturas era ainda, oficialmente, presidente do clube insular. Como se não bastasse, Alves não fez conhecer qualquer lista, tanto para o Comissão Disciplinar como para a Comissão Arbitral.

Rui Alves apelida a situação de «golpada»

O comunicado do candidato criticou fortemente a decisão da Mesa da Assembleia Geral, afirmando que tal juízo carece de qualquer legitimidade: «Face à autêntica golpada que hoje se assistiu, com a exclusão, por parte do presidente da Assembleia Geral da Liga, da lista B, por alegada inelegibilidade do candidato à presidência da Liga Portuguesa de Futebol Profissional, o cabeça de lista, Rui António Macedo Alves, informa: 1)O candidato da lista B rejeita toda e qualquer legitimidade nesta decisão. 2) Irá ser pedida, com carácter de urgência, uma audiência, ao Procurador Geral no sentido de denunciar esta autêntica golpada. 3) Irá ser apresentada uma providência cautelar, no sentido de suspender o acto eleitoral até ser reposta a sua legalidade.»

O ex-presidente do Nacional da Madeira (o lugar vago foi ocupado por Margarida Camacho, Presidente do Conselho da SAD do clube alvinegro) concorria com o apoio de Paulo Carvalho (ex-presidente do Rio Ave) e de Paulo Teixeira (antigo vice-presidente do FC Porto), focando a sua investida na crítica ao binómio hegemónico de Porto e Benfica: «A liga precisa de um líder e não de um peão, muito menos com dois cardeais: um que já é Papa e outro que o poderá ser», afirmou no dia 5 de Junho, referindo-se a Pinto da Costa e Luis Filipe Vieira, corroborando as críticas de Bruno de Carvalho sobre uma «aliança» entre os dois clubes rivais, tendo o líder leonino chegado a observar que iria votar no candidato à Liga que tivesse o «maior autoclismo».

Seara: de favorito a rejeitado

Fernando Seara, antigo presidente da Câmara Municipal de Sintra, era, à partida, o candidato que parecia reunir maior consenso entre os clubes eleitores. Homem familiarizado com os bastidores do futebol português, habituado a lidar com as esferas de poder da modalidade e conhecedor dos meandros jurídicos que enquadram os moldes constitutivos dos orgãos tutelares, Seara afigurava-se como a figura pronta a garantir consensos. Ligado afectivamente ao Benfica, o ex-autarca era ventilado como o elo de ligação entre o poder encarnado e o poder portista, numa suposta 'parceria' teorizada, não só por Rui  Alves como por Bruno de Carvalho, com o intento de afastar o Sporting do núcleo de influência da Liga.

Depois de obter o apoio de Carlos Marta (chegou a ser dado como candidato) e de Júlio Mendes (presidente do Vitória de Guimarães, tido como o 'candidato lançado' pelo FC Porto), que desistiu da investida eleitoral para suportar o projecto de Seara, o putativo pretende ao cargo de presidente da Liga viu-se embrulhado num imbróglio processual devido à aparente subscrição de duas candidaturas, ambas com o seu nome enquanto candidato.

Enredo de imbróglios e «traições»

Daí nasceu o diferendo entre Seara e o juiz Rui Rangel, que apoiara desde início a iniciativa do antigo autarca. «(...) realizámos uma conferência de imprensa conjunta há três dias, que foi resultado de várias conversas, para que apresentássemos um programa comum, assentes em pressupostos comuns e uma lista comum», explicou o juiz desembargador, que depois passou ao ataque a Seara: «O Dr. Fernando Seara andou a fazer dois caminhos. Eu entendo este presente acto como um acto de profunda traição a várias pessoas. Não foi só ao Rui Rangel, foi a cerca de 40 pessoas que trabalharam nesta solução e a vários clubes que subscreveram esta candidatura. Andar a fazer outra lista com outras pessoas foi um caso de profunda desonestidade intelectual e de falta de integridade», acusou Rui Rangel, no passado dia 6 de Junho.

Em declarações à agência Lusa, Rui Rangel deu a sua versão dos factos: «O que ocorreu foi que a lista encabeçada pelo Dr. Fernando Seara foi entregue na LPFP cerca das 14h00, aguardando a presença do candidato, para que assinasse a mesma. Qual não é o espanto que, às 17h00, surge na sede da LPFP a apresentar outra lista», esclareceu, indignado. De facto, a Liga Portuguesa de Futebol Profissional confirmou, no dia 7, a recepção de duas candidaturas em nome de Fernando Seara: «Em face da complexidade da análise dos processos de candidatura, resultante, designadamente, de terem sido apresentadas duas candidaturas encabeçadas pelo mesmo candidato ao cargo de Presidente da LPFP, a Mesa da Assembleia Geral comunica que a decisão sobre a verificação da regularidade das listas e a elegibilidade dos candidatos será proferida e tornada pública na Segunda-feira», pôde-se ler no comunicado do organismo. A decisão é a que agora se conhece.

Seara responde em comunicado

Na sequência das acusações feitas por Rui Rangel, Fernando Seara emitiu, no dia 7 de Junho, um comunicado, reiterando a singular subscrição de uma candidatura e não de duas, como afirmou o juiz desembargador. 

«Relativamente à minha candidatura a Presidente da Liga Portuguesa de Futebol Profissional (LPFP) e em razão de terem sido recebidas alegadamente duas candidaturas subscritas e apresentadas por mim, cumpre esclarecer o seguinte: Reitero aqui que apenas subscrevi e apresentei uma única candidatura. Tal facto foi totalmente comprovado pelos responsáveis da LPFP que registaram a minha candidatura, bem como pelos Órgãos de Comunicação Social.

Tendo sido confrontado nos Serviços Administrativos da LPFP com a existência de uma outra candidatura, apresentada por um terceiro, alegadamente em meu nome, imediatamente dei conhecimento formal à LPFP (ainda nos seus serviços, através de requerimento por mim próprio apresentado e dirigido ao Sr. Presidente da Mesa da Assembleia Geral) de que essa candidatura não tendo sido por mim apresentada, era falsa, dissipando assim quaisquer dúvidas a esse respeito. Dito isto, reitero:
1. A minha disponibilidade para servir o futebol profissional português decorreu de insistentes solicitações feitas por dirigentes e responsáveis desportivos que muito prezo e respeito;

2. O meu projeto radicou no princípio da convergência com os Associados da LPFP, os quais, não ignorando a minha filiação e militância clubística, me afirmaram reconhecer a idoneidade necessária para promover aquele princípio, de modo a enfrentar os grandes desafios com que a LPFP se confronta;

3. Como prometi na apresentação da minha candidatura, no dia 21 de Maio de 2014, a minha principal motivação é a de unir o futebol português. Prometi e consegui. A candidatura por mim subscrita e apresentada é o resultado dum amplo entendimento e consenso entre os clubes da Primeira e Segunda liga, que é a base para a união e credibilização do futebol português;

4. Neste espírito de união procurei agregar todos aqueles que manifestaram genuína intenção e vontade para se candidatarem à Liga de Clubes, na certeza que tal só seria possível partilhando e conciliando propósitos que são a base da concertação necessária para a viabilização e credibilização da LPFP. Esta é a minha e exclusiva única ambição;

5. Tal postura deixei clara quando recebi o apoio à minha candidatura do Dr. Carlos Marta, do Dr. Rui Rangel e, ainda neste contexto, quando foi dado um passo importante e decisivo para a congregação dessa união, com o apoio do Eng. Júlio Mendes. Infelizmente, existiu uma personalidade que tentou colocar em causa este objectivo ao pôr os seus interesses pessoais à frente dos objectivos comuns;

6. E porque prezo a minha honra e dignidade não deixarei de exigir, nos meios próprios, a censura pública de todos os intervenientes pela violação grosseira da minha honorabilidade e bom nome, exigindo a reparação de todos os danos daí resultantes;

Termino como iniciei, afirmando que só subscrevi uma única candidatura. Mantenho a vontade firme de unir e credibilizar o futebol. Reafirmo esse como o meu único e exclusivo propósito: servir sempre todos os Clubes a bem do nosso Futebol Português.
»

Mário Figueiredo: de proscrito a (re)candidato único

Este é um desfecho que ninguém adivinharia, um futuro que não estaria nas projecções ou prenúncios do mais reputado analista: Mário Figueiredo, presidente da Liga de Clubes, passou de proscrito a candidato único nestas novas eleições, concorrendo para se reeleger contra tudo, contra todos e também contra todas as expectativas. Eleito no dia 12 de Janeiro de 2012, Mário Figueiredo (que prometeu o alargamento da Liga, de 16 para 18 clubes) cedo enfrentou a crítica conjunta de vários clubes, que se uniram num boicote ao seu mandato, atacando a gestão do organismo, o endividamento crescente, a falta de receitas, a ausência de transparência na gestão das contas da Liga e a carência de patrocinadores. Em Fevereiro, dezoito clubes aliaram forças para destituir Figueiredo, com SC Braga e FC Porto a liderarem a rebelião: Estoril, Académica, Paços de Ferreira, Vitória de Guimarães, Arouca, Belenenses, Rio Ave, Olhanense, Nacional, Vitória de Setúbal, Tondela, Beira-Mar, Desportivo de Chaves, União da Madeira, Penafiel e Portimonense, todos eles contra a vigência do actual presidente.

A contestação ao advogado portuense subiu de tom, chegando a tingir de rudez o Conselho de Presidentes ocorrido no início de Março. As pressões para travar o mandato de Figueiredo prosseguiram, com os clubes do apelidado «G-18» tentando forçar a saída do presidente através de pedidos de eleições antecipadas. Directo no enfoque àqueles que considera ser os problemas centrais do futebol português, Mário Figueiredo nunca se coíbiu de criticar o monopólio da Olivedesportos em matérias de direitos televisivos, tendo afirmado mesmo que o presente modelo de negócio retirou aos clubes cerca de 150 milhões de euros de receitas: «Há pouco mais de um ano apresentámos uma denúncia na Autoridade da Concorrência contra o facto de os clubes andarem a ser espoliados de uma quantia que é deles. Entre 2006 e 2011 saíram dos clubes 150 milhões de euros», afirmou em Novembro de 2013. O dirigente não abdicou da mesma contundência para atacar Joaquim Oliveira, fundador da Olivedesportos: «Estamos a acabar com um poder absoluto de alguém que domina o futebol contra o interesse dos clubes», apontando o dedo a «uma pessoa que manipula o futebol a seu belo prazer».

Empresa crucial na configuração global do futebol português, a Olivedesportos possuia, até ao rompimento do Benfica, o monopólio da gestão dos direitos televisivos dos clubes profissionais portugueses. O poder avultado da Olivedesportos ressente-se no controlo das receitas que os clubes auferem (provenientes da contratualização dos seus direitos televisivos), assim como na acentuada dependência financeira que estes geraram ao longo dos anos - sem outras fontes de rendimento substanciais, a empresa de Joaquim Oliveira (grupo Controlinveste) passou a deter um domínio total sobre as contas da grande maioria dos clubes, que actualmente sobrevivem das verbas disponibilizadas pela empresa - Figueiredo retratou a situação pelo seu prisma: «Os clubes não têm de andar a financiar actividades de outras pessoas que não são lucrativas. Quem está na situação de abuso paga mal e tarde aos clubes. Paga em letras e não em dinheiro e beneficia uns e prejudica outros», tendência que corrompe a verdade desportiva, na sua opinião.