Nos oitavos-de-final vimos golos, emoção, incerteza no marcador, alterações tácticas e heróis surpreendentes que furaram as cautelas adversárias. Ainda assim, a lógica dos favoritos imperou: o Brasil bateu o Chile, a fortíssima Colômbia não deu esperanças ao Uruguai, a Holanda eliminou o México, a França venceu a Nigéria, a Argentina ultrapassou a Suíça, a Alemanha enviou a Argélia para casa e a Bélgica, plena de novos valores, superiorizou-se aos EUA. Apenas a Costa Rica transbordou a teoria, batendo a Grécia, formação mais experiente nas andaças internacionais. 

Com a grande incidência de empates e consequente necessidade de prolongamentos, as selecções em competição provaram que estão niveladas, combatendo-se de forma renhida e sem receios tácticos demasiadamente restritivos. Nesse aspecto, talvez a Grécia seja a selecção tacticamente mais acanhada, fazendo uso de uma pressão baixa e um bloco constantemente baixo, expectante, ainda para mais com poucos jogadores velozes que pudessem dar «torque» às transições de contra-ataque. Cholevas e Lazarus não foram suficientes, ainda que tivessem sido dos melhores em campo.

De salientar a volatilidade táctica de algumas selecções, que alteraram os seus esquemas de jogo para melhor se adaptarem às condições das partidas, o que até tem redundado em maiores profundidades de jogo, maiores poderios ofensivos e melhor aproveitamento do caudal atacante: o caso da Holanda é o reflexo disso, graças à capacidade de Van Gaal em reconsiderar o estratagema inicial, deixando a teimosia de lado - a mudança operada na segunda parte, de um 5-3-2 mastigado para um 4-3-3 mais dinâmico, foi crucial para o apuramento holandês.

Brasil x Chile: garra chilena fez «canarinhos» piarem fino

O Chile, em 5-3-2, engasgou o motor brasileiro, tapando o meio-campo com eficácia. Desde o começo que se percebia que, apesar do controlo do jogo pertencer, activamente, ao Brasil, a estratégia chilena estava subjacente a tal domínio, concordando com ele mas aplicando-lhe pressão, garra a meio-campo, velocidade nas tentativas de contra-ataque e, claro, magia nos pés de Alexis Sánchez. Interpretado com competência, o modelo chileno de Sampaoli, por ser denso na zona central e beneficiar dos movimentos ascendentes e descendentes dos alas, apagou Hulk, Neymar e Oscar.

A dificuldade em ligar jogadas de ataque, do princípio ao fim, ficou patente na inocuidade dos pontas-de-lança, Fred e Jô. Quando o Brasil se abeirava para o ataque, carregando a bola nos pés de Fernandinho, Hulk ou Oscar, o Chile concentrava o seu bloco na zona central, obrigando os anfitriões a um jogo lateral que deixava o portador da bola longe de opções de passe credíveis. No ataque, a pressão feita à saída de bola «canarinha» foi exemplar e o golo de Sánchez prova isso: marcação 'ofensiva' a todos os jogadores da zona defensiva do Brasil, forçando o erro.

Mesmo com o apoio dos laterais ofensivos, Dani Alves e Marcelo, o Brasil chegou sempre à área chilena com previsibilidade elevada, não tirando partido das diagonais de Hulk e Neymar devido à barreira compacta do Chile, que obrigou esses jogadores a tentarem fugir da armadilha da lateralização estéril do seu jogo. Enfiados no miolo, nem Oscar nem Hulk nem Neymar conseguiram ser aquilo que usualmente são. Falhou também o jogo directo do Brasil, arma que poderia inflingir danos maiores à defensiva de baixa estatura dos vermelhos sul-americanos.

Colômbia x Uruguai: Muito James mas muito mais equipa

Alicerçada num 4-4-2 repleto de executantes adequados a esse figurino, a Colômbia surgiu neste Mundial como uma selecção voraz e tacticamente eficiente. Profunda nas faixas, com velocidade e pulmão de sobra, os colombianos imprimem uma rotação elevada nos seus processos de jogo: quando cavalgam para o ataque, os extremos são apoiados pelas subidas dos defesas laterais, corredores de fundo que oferecem múltiplas opções de passe, descompensando com isso as marcações e os blocos defensivos contrários.

Munidos de avançados versáteis e maleáveis, os «cafeteros» juntam a sua velocidade à técnica (com e sem bola) de Teófilo Gutierrez e Jackson Martínez. Capazes de baixarem no terreno e servirem de momentâneos pèndulos ofensivos, ambos contribuem para dinamizar os ataques colombianos - quando Armero ou Zuniga sobem, James Rodriguez invade a zona central (vindo da esquerda) e sobrepõe-se aos avançados, que têm atributos para cair nas faixas e tornar o jogo mais diagonal através de combinações com os extremos - um carrossel difícil de marcar.

Diante do Uruguai, a Colômbia fez o mesmo que fizera na fase de grupos: dominou, foi estável e letal. A selecção celeste não foi capaz de aguentar a dinâmica adversária nem reproduzir, no seu 4-4-2, as variações eficazes que valeram a vitória à Colômbia. Forlán, lento, não foi peça importante, quer na pressão quer na construção de jogadas, assim como as faixas do Uruguai e o seu pesado meio-campo. Pekerman seguiu em frente merecidamente.

Holanda x México: emendar a mão valeu a qualificação

Parece que rima e é verdade, apesar de não ser um facto cristalino: duas bolas paradas deram a vitória à selecção de Van Gaal; no entanto, a mudança táctica operada pelo seleccionador laranja parece ter dado maior largura e alcance numa altura em que tais características de jogo eram essenciais para atrapalhar a defesa mexicana. A Holanda apresentou-se num 5-3-2 com De Jong a completar a linha de cinco defesas, planeando articular-se num 4-3-3: a mudança efectiva apenas se materializou em força na segunda parte.

A ideia de Van Gaal é, neste formato, tornar dinâmica a posição central de De Jong (que teve de sair lesionado), descendo-o quando a equipa defende, dando permissão e espaço ao adversário, e subindo-o quando a posse requer uma transição sustentada. A subida faz com Sneijder também possa subir no terreno, completando um trio atacante com Robben e Van Persie. A filosofia será a de quebrar o oponente com transições velozes que aproveitem o espaço dado pelo adversário, mas o México pouco espaço concedeu.

Com cinco defesas também, a formação de Miguel Herrera foi competente o suficiente para preencher os espaços tácticos de modo a não perder superioridade, quer na defesa quer na luta do meio-campo. Com a ajuda de Layún e Paul Aguilar, o México formava uma linha média de cinco médios quando tinha de pressionar, sempre vigiada de perto pelos centrais de plantão. Liderados por Herrera no miolo, a boa ligação entre sectores foi dando a mó de cima aos mexicanos, que nunca estiveram desorientados no campo e mostraram sempre boa capacidade táctica para anular o conjunto laranja. 

Costa Rica x Grécia: cautelas e chances de golo

A Costa Rica apresentou-se no modelo habitual, um defensivo 5-4-1 apoiado na solidez da zona recuada e na capacidade de transição rápida de jogadores como Bryan Ruiz e Joel Campbell. Com capacidade para defender com sete elementos, juntando Tejeda e Celso Borges à linha de cinco defesas, a selecção orientada por Jorge Luis Pinto trancou as portas aos ataques gregos mas também se tornou algo ineficiente no ataque. Com um buraco de ideias a meio-campo, o jogo arrastou-se com a ajuda da estrutura táctica grega.

A Grécia de Fernando Santos poderia e devia ter sido mais ofensiva, arriscando mais, principalmente nas faixas, onde imprimiu velocidade apenas amiúde. Com uma estrutura de 4-5-1 à beira de uma mutação para o 4-3-3 (que nunca se chegou realmente a concretizar), os gregos tentaram ser seguros contando depois com o faro de golo de Samaras, perdido na frente e muitas vezes obrigado a descer para dar ênfase às jogadas de ataque. A entrada de Mitroglou pouco acrescentou a uma equipa recuada que apenas se expressava no ímpeto velocista de Cholevas e de Lazarus.

Estando em superioridade numérica, a Grécia subiu no terreno mas foi ineficaz. Gekas foi um corpo estranho na formação e Mitroglou nunca chegou a estar realmente em foco. As ocasiões de golo acumularam-se mas a fragilidade ofensiva da Grécia veio ao de cima, mostrando que a selecção helénica está longe de ser dominadora e vestir a pele de tirana dentro das quatro linhas. 

França x Nigéria: Pogba preenche o campo

Na França reside um dos meio-campos mais sólidos e potentes deste Mundial. O seu 4-3-3 consolida a zona central com um trio de jogadores polivalentes, versáteis, fortes e com raça: Paul Pogba lidera a minha média, juntamente com Cabaye e Blaise Matuidi. O jovem da Juventus é o camaleão da zona central, jogando duro como manda a escola defensiva e atacando com técnica, velocidade e visão de jogo apuradas, pronto para desequilibrar no último terço do terreno - um autêntico «box-to-box». Matuidi empresta a pujança física e Cabaye o compasso rítmico e a distribuição.

A este meio-campo junta-se o virtuosismo trovão de Valbuena na faixa direita, algo que pode ser ainda mais devastador quando se junta o pequeno extremo ao jovem Griezmann, na faixa contrária - Deschamps percebeu isso e emendou a mão, retirando o estático Giroud da frente de ataque, passando Benzema para ponta-de-lança e deixando o extremo da Real Sociedad no corredor esquerdo, o que fez com que a França ganhasse pendor ofensivo e maior largura táctica. 

A Nigéria, montada num 4-4-2, tentou parar os franceses e foi conseguindo, fruto da boa exibição de Eneyama e da falta de acutilância do ataque bleu. A perda de Onazi, que fazia parelha central com o experiente Obi Mikel, veio diminuir a competência da linha média, que nao beneficiou do talento de Musa, apagado. 

Alemanha x Argélia: equilíbrio supreendente

Entre o 4-2-3-1 e o 4-3-3, Joachim Low montou a Mannschaft de modo a potenciar os talentos de Kroos, Gotze, Muller e Ozil, algo que começou logo contra Portugal. Com grande magia vinda das alas, onde Gotze e Ozil espalham fintas, passes perigosos e movimentações interiores que baralham as defesas, a Alemanha aposta tudo na solidez do meio-campo para que assim possa dar espaço suficiente às incursões do seu bloco atacante, que tem como falsa referência Muller. Com Khedira no banco, Low voltou a apostar em Lahm na zona defensiva do miolo, adicionando Schweinsteiger.

Sabendo da utilização de centrais no lugar de defesas laterais por parte da turma alemã, o seleccionador Vahid Halilhodzic tentou explorar essa debilidade maximizando as acções de jogadores como Feghouli e Soudani, capazes de dar impulso ao ataque argelino, no entanto, o talismã Yacine Brahimi, driblador e tecnicista, ficou fora da titularidade. Com cinco defesas e a ajuda de Lacen, no meio-campo, a Argélia segurou o jogo germânico e tentou depois bascular as jogadas até encontrar espaços nas faixas.

Slimani foi corpo estranho nas tentativas de saída rápida, pedindo-se talvez um avançado com mais capacidade de aceleração, como Brahimi. A entrada de Schurrle resolveu a partida, tendo o extremo pisado terrenos afectos a Muller, finalizando um cruzamento com arte e engenho - os recursos desta Alemanha são muitos e não se esgotam nos nomes mais sonantes.

Argentina x Suíça: Sabella sem mãos para Enzos

Ainda não vislumbrámos um jogo da Argentina sem que esta nos tenha deixado decepcionados, certo? Certo. Contra a Suíca a formação alviceleste voltou a mastigar o jogo, a não ser exuberante nas suas jogadas ofensivas nem a conseguir destabilizar o adversário com as suas trocas posicionais e desmarcações relâmpago: num 4-3-3 perro que começa torto no meio-campo, Sabella não consegue engrenar tacticamente e ainda não percebeu porquê, depois de quatro jogos disputados.

Com tantos recursos atacantes, como Messi, Di Maria, Aguero, Higuain ou Lavezzi, o problema reside num meio-campo defensivo e com pouca apetência para subir no terreno com a bola contrada, à procura de canalizar passes de circulação, mantendo o oponente atrás da bola e esperando por rupturas que apenas podem ser facilitadas por organizadores de jogo que propiciem as entradas de Messi e Di Maria. Com Enzo no banco e Gago e Mascherano no relvado, Sabella teima em colocar a Argentina a jogar coxa

A Suíça de Hitzfeld alinhou num lúcido 4-2-3-1 com muita qualidade no miolo, Behrami e Inler, e Mehmedi e o endiabrado Shaquiri nas alas, tentando explorar as subidas dos laterais argentinos. A comandar o último passe esteve Xhaka, tentando municiar o avançado Drmic. Apesar do bom equilíbrio táctico, foi a magia de Messi que resolveu a partida, numa jogada individual pelo meio: ao concentrar marcações e atenções em si, o pequeno génio serviu Di Maria na direita, solto de marcação.

Bélgica x EUA: belgas foram mais equipa

Num duelo que se esperava equilibrado, os adeptos do futebol saíram do estádio com a barriga cheia de bola: oportunidades de golo, perigo a rondar ambas as balizas, grandes defesas, suspense e drama até ao fim do prolongamento. Tim Howard deu espectáculo, defendendo quase todos os remates belgas e assumindo-se como protagonista da avalanche de oportunidades da selecção treinada por Marc Wilmots. Num 4-2-3-1, a Bélgica foi mais equipa, controlando o jogo com a mestria de Witsel e Fellaini a meio-campo - Bradley pouco espaço teve para se soltar em campo.

Sem condução central nem ligação efectiva entre sectores, devido à anulação do organizador Bradley, os EUA perderam vitalidade táctica, acentuada com a saída (por lesão) do perigoso e rápido Johnson, peça altamente dinamizadora do ataque norte-americano. Sem conseguir canalizar jogo pelos flancos (quer por Zusi quer por Bedoya) a selecção treinada por Klinsmann estancou. De Bruyne foi capaz de arranjar espaço no vértice mais atacante do triângulo do meio-campo, e só a falta de pontaria (e Howard!) adiou o golo - Origiu falhou em demasia.

A entrada de Lukaku veio dar estampa física e sangue novo ao ataque belga: o jovem avançado dinamizou o jogo de área e foi decisivo para o desfecho da partida, numa altura em que o cansaço e o discernimento táctico não são os melhores, depois de mais de 90 minutos de jogos.