A pergunta é pertinente e a análise para se encontrar uma resposta não é tarefa simples: afinal, o que se passou à Alemanha que de rompante entrou neste Mundial, goleando Portugal e deixando os demais competidores de queixo caído? De facto, de então para cá temos visto uma selecção germânica mais apagada, menos potente e fulgurante, mais contida e calculista que irreverente. Prova disso é o aparente sumiço exibicional de jogadores talentosos como Ozil ou Gotze, algo rasurados na frieza pragmática de Low.

A pergunta não poderá ter respostas absolutas mas deve, sem surpresas, contemplar algumas explicações lógicas, sustentadas, quer pela estatística, quer pela avaliação qualitativa das actuações colectivas e individuais. Olhando para o quadro geral, agora que podemos analisar uma mão-cheia de jogos neste Mundial, podemos verificar que o padrão exibicional da Alemanha pouco mudou desde o início. Com o tal pragmatismo como pedra filosofal, a Mannschaft tem empregado um 4-2-3-1 pleno de potencialidades defensivas, onde os extremos nunca descuram o dever de auxiliar a defesa.

Feita para ser fiável, robusta e à prova de bala, esta selecção alemã pode ter os nomes sonantes no último terço do terreno mas a sua verdadeira essência táctica reside na zona defensiva, principalmente no âmago do processo defensivo, onde Lahm e Khedira (ou Schweinsteiger) formam um duplo pivot de tarefas de protecção à linha recuada, com quatro centrais sem espaço para laterais de raiz: Jerome Boateng e Howedes alinham nas faixas e, diga-se, com sucesso retumbante até agora.

É precisamente no quarteto da defesa que reside a estrela desta selecção: Matt Hummels, dois golos na prova e muitas intercepções a provarem que o central do Dortmund vale ouro. A boa parceria com Mertesacker redundou em dois golos sofridos apenas, na partida contra o Gana, onde, de resto, Hummels não alinhou devido a lesão. Com tracção atrás, o bólide germânico é muito mais seguro em termos defensivos que mortal no capítulo atacante, onde, tirando a goleada a um Portugal soçobrado, ficou aquém do ímpeto goleador (1-0 aos EUA, 0-0 à Argélia nos 90 minutos e 1-0 à França), vencendo com resultados magros.

Na prática, o 4-2-3-1 privilegia a solidez da zona média baixa, com a linha do duplo pivot a estabilizar e supervisionar o sector defensivo (sem bola) e a trocar a bola com segurança até encontrar uma linha de passe que possa iniciar a construção ofensiva. Kroos participa nessas acções tal qual um médio centro (e não um puro 10). Neste processo, é usual vermos Ozil baixar no terreno para pisar metros quadrados mais recuados, procurando receber a bola e depois lançar passes de carácter mais ofensivo. Na frente, Gotze (colado a uma linha mas pleno de liberdade de movimentos) e Muller pressionam a defesa oponente.

Nesta solidez defensiva, complementada com uma entreajuda táctica no meio-campo, a Alemanha torna-se num osso tremendamente duro de roer: pressão alta em todas as zonas do campo, agressividade, jogadores possantes e capazes de imperar nos duelos aéreos, boa circulação de bola plena de paciência e calma - torna-se difícil penetrar na muralha germânica. O capítulo ofensivo é, portanto, secundarizado na estratégia de Joachim Low: não que este o faça propositadamente, mas porque a estrutura da equipa assim o dita. O próprio Muller, falso avançado, pode funcionar várias vezes como um médio que se camufla entre os seus pares, retirando acutilância posicional ao ataque caso a dinâmica ofensiva não seja a mais apurada.

E, de facto, não tem sido a mais apurada: o fraco rendimento atacante de Gotze e de Ozil reflecte isso. Nada que preocupe Low, já que na hierarquia dos princípios de jogo da selecção alemã, ser ofensivamente avassalador não está, de facto, nas primeiras categorias. O jogo contra a França demonstrou isso: pragmatismo, preocupação defensiva em detrimento do futebol espectacular que a Alemanha chegou a prometer, logo na abertura da competição. Diante da Argélia, o golo também fugiu aos alemães, tendo chegado apenas no prolongamento. 

Os dados demonstram que esta Alemanha é fria apesar de possuir executantes técnicos plenos de virtuosismo. Uma defesa gélida e tranquila sopra ventos de segurança táctica, contagiando toda a formação. A Alemanha constrói-se de trás para a frente, ganhando na zona recuada os princípios de jogo que depois imprime no ataque, o que faz dela uma selecção segura, consolidada tacticamente, bem povoada no meio-campo, agressiva, forte no um-para-um, compensada e equilibrada. Com um rácio de posse de bola avassalador, sofre muitas vezes do facto de não arranjar soluções mais afiadas nos processos ofensivos: ao mimetizar um «tiki-taka» próprio, ganha na mobilidade mas perde no cômputo finalizador. 

Apesar disso, os ganhos têm justificado o menor rendimento atacante: resta saber se contra o Brasil a defesa alemã vai continuar impassível e gelada.