Se no mandato desastroso de Mano Menezes alguém dissesse a um brasileiro que a canarinha iria bater a Espanha por 3-0 na final da Taça das Confederações e ficar em 4º lugar no Campeonato do Mundo poucos seriam aqueles que torceriam o nariz a ambas as possibilidades.

O 4º posto na competição caseira não seria mau resultado se as derrotas com Holanda e principalmente Alemanha, não tivessem sido tão vexatórias. Os 7-1 vão marcar para sempre o futebol brasileiro mas a revolução que muitos pedem, ninguém vai fazer. Ao contrário de Espanha, Alemanha ou França onde existem metodologias de trabalho definidas e uma prospecção e trabalho de preparação dos talentos, o Brasil “apenas” apresenta talento em bruto.

No futebol moderno são excepções os jogadores canarinhos que fazendo carreira no seu país conseguem atingir um patamar de excelência e ser protagonistas na selecção. No campeonato brasileiro o grau de exigência é demasiado baixo e o talento puro é quase suficiente para ter sucesso. Basta ver a quantidade enorme de brasileiros talentosos que aterram na Europa anualmente e poucos meses depois regressam sem glória ao país natal.

Para ter sucesso no futebol europeu é preciso trabalho árduo, organização e capacidade de moldar o talento às necessidades da equipa. Serve isto para explicar algumas coisas:

1º – O Brasil continua a ter talentos com fartura, mas se antigamente bastava juntá-los para vencer títulos hoje é preciso muito mais;

2º – Alemanha, Espanha ou Holanda apostaram na formação e na captação de talentos e apesar de não terem a relação quantidade/qualidade dos brasileiros têm um plano de jogo e desenvolvimento dos atletas que lhes permite ser competitivos em todos os escalões e chegar ao futebol profissional com um andamento que a desorganização e falta de estratégia brasileira não lhe permite ter.

Neste momento o Brasil precisava de uma mudança drástica que abrangesse uma aposta na formação e num estilo de futebol fiel à qualidade dos brasileiros. Para isso seria preciso reformar o futebol de formação, o calendário nacional e a metodologia de trabalho arcaica da maioria dos treinadores nacionais.

A escolha por Gilmar Rinaldi – empresário de jogadores –  para director federativo e Dunga – num regresso à selecção – para seleccionador foi um passo atrás nas necessidades do futebol canarinho.

A reformulação que a CBF necessita não pode passar por um elemento que antes de aceitar o convite representava jogadores de futebol e que não têm conhecimento e experiência alargada do negócio do futebol. Não aproveitar o know-how de Leonardo – ex jogador de sucesso, dirigente e treinador em clubes de topo como Milan, PSG ou Inter de Milão – pode ter sido um erro crasso para quem pretende mudar de rumo.

Nos relvados o Brasil sempre teve muito talento, nos bancos nem por isso. Não há vergonha nenhuma nisso e a CBF deveria ter aproveitado a oportunidade para reconhecê-lo e trazer um treinador estrangeiro de créditos firmados ao futebol brasileiro. Alguém imune aos clubismos e independente dos esquemas que minam o desporto no Brasil e que pudesse juntar sabedoria táctica e estrutural ao talento canarinho.

Dunga é apenas um regresso ao passado após um trabalho satisfatório na canarinha e uma passagem infeliz pelo Internacional de Porto Alegre. Longe de ser um treinador de topo, é um individuo cauteloso e resultadista. Nada de errado nas suas preferências futebolísticas mas actualmente não é disso que o Brasil precisa.

O Brasil precisa de uma reorganização geral e definir aquilo que pretende para o futuro

1º – É necessário definir qual o estilo de jogo que a selecção quer jogar: mais conservador com transições e bolas paradas – característica que marcou a 1ª era Dunga e que não fosse a desorganização defensiva marcaria o segundo mandato de Scolari; Antes da escolha do treinador isto já deveria estar definido;

2º – Vai ser dada primazia ao resultado acima de tudo ou será implementado um futebol atractivo que orgulhe e valorize o futebol e os atletas brasileiros?;

3º – Jornalistas brasileiros adoram salientar o bom trabalho dos jogadores que actuam no Brasil, talvez porque desconheçam a qualidade de elementos que brilham em ligas da Europa com menos mediatismo como Rodrigo (Ex: Benfica), Roberto Firmino (Hoffenheim) ou os “ucranianos” Taison, Douglas Costa, Luiz Adriano e Alex Teixeira – até ao momento qualquer um deles mostrou mais futebol para estar no Mundial 2014 do que Bernard ou Jô – valorizados por Scolari e imprensa em geral pelo trabalho feito no Atlético Mineiro. Há ainda o gritante caso de Willian: brilhava há anos nas competições europeias e na liga ucraniana mas só vestiu a canarinha quando chegou ao Chelsea.

3º- Qual o trabalho que se irá fazer nas divisões inferiores: se irá existir um plano estratégico para trabalhar os jogadores desde tenra idade ou vão continuar a ser as individualidades a fazer a diferença nos torneios jovens;

4º- Os interesses de empresários, patrocinadores e afins vão continuar a flutuar impunemente sobre a selecção? Com os mesmo líderes federativos é difícil acreditar que não;

A selecção é uma questão de momento e qualidade, a escolha para os cargos de treinador e director desportivo foge totalmente a estes predicados, veremos se a reformulação ocorre mesmo assim ou não sai do papel.

* Artigo gentilmente cedido pelo projecto «Palavras ao Poste», onde foi originalmente publicado.