O Sporting anunciou ao final desta quinta-feira a venda de Eric Dier, internacional sub-21 inglês há dez anos a “viver” na Academia, ao Tottenham Hotspur a troco de 5 milhões de euros. O negócio, absolutamente ruinoso, tem no entanto alumas nuances que merecem uma análise mais profunda do que meros ataques ou elogios à direcção presidida por Bruno de Carvalho. Vamos por partes.

O NEGÓCIO | Antes de mais, a saída de Eric Dier de Alvalade representa um estrondoso golpe financeiro e desportivo no projecto liderado por Bruno de Carvalho. Mais um. O jogador inglês era um dos maiores talentos moldados na Academia leonina e uma das maiores esperanças em termos de valorização e retorno económico do Sporting. Foi o primeiro grande defesa-central a ser formado pelos leões nos últimos anos, que depois de anos a fio a viver com remendos e peças “achinezadas” na sua defensiva, encontrou no luso-inglês de 20 anos o primeiro grande central desde o mítico André Cruz. Um portento físico e de robustez, segurança e fiabilidade, candidato a líder de balneário e futuro captião.

Tal como os outros e mais recentes, sai de Alvalade pela porta pequena, mas desta vez sem ter tido sequer a oportunidade de vestir a braçadeira. No enquandramento do campeonato português, era também sem sombra de dúvidas um dos melhores defesas-centrais da nossa Liga, fazendo-se notar pelas características presentes em qualquer grande central a jogar no futebol europeu: exemplar na marcação, irrepreensível no jogo aéreo, inteligente no desarme, seguro no posicionamento e temível nos lances de bola parada e marcação de livres directos. O «Kaiser de Alvalade» tinha isto tudo e uma alegada cláusula de rescisão de 20 ou 30 (nunca se soube muito bem qual o valor, e agora percebe-se porquê) milhões de euros, mas acaba por sair do Sporting por uns “míseros” cinco milhões.

E aqui entra o prejuízo financeiro, enorme, catastrófico, infinitamente incalculável e extensível aos 15 ou 25 milhões de euros de diferença face à cláusula. Independentemente das circunstâncias , este será sempre um péssimo negócio para o Sporting. O jogador sai para Inglaterra por uma quantia absolutamente ridícula, sem qualquer contrapartida e salvaguarda para o clube leonino e, ao que se sabe, sem nenhuma cláusula de bloqueio a um eventual ingresso, no futuro, no FC Porto ou no Benfica. Um desastre.

CIRCUNSTÂNCIAS | Feita a avaliação ao valor do negócio, é preciso dissecar então os contornos e as circunstâncias da transferência. Perceber porque motivo ela aconteceu nestes moldes. Há sensivelmente um ano, um pouco mais que isso, a direcção demissionária do Sporting, seguindo uma linha de actuação que lhe foi sempre muito característica, anunciou uma série de decisões inacreditáveis que ficaram conhecidas como os “últimos actos de gestão” (ruinosa) de Godinho Lopes. Assim muito “às três pancadas”, o antigo elenco directivo dos leões comunicou ter “exercido direitos de preferência” para as renovações dos jogadores Betinho e Eric Dier. 

A opção sobre Eric Dier, tal como nos restantes jogadores da formação em que resolveu apostar quase à última da hora, depois de uma política desastrosa de endividamento em contratações que se revelaram um fracasso para o clube, aconteceu apenas depois da colocação dos jogadores na equipa principal, dificultando a margem do Sporting nas negociações e precipitando a saída de todos eles, com excepção para Fabrice Fokobo, que no entanto esteve também muito perto de escapar para outras paragens. Este erro crasso em termos de gestão desportiva, e que convém nunca ser esquecido, é na realidade o princípio da história da saída de Eric Dier de Alvalade. 

O jogador, tal como Bruma e Tiago Ilori, acabou por recusar as propostas de renovação de Bruno de Carvalho, defraudado pela diferença de valores face às expectativas anteriormente prometidas por Luiz Godinho Lopes, que, entre outros, pôs Miguel Lopes a auferir 85 mil euros por mês em Alvalade. Em 2013/14, pensou-se que a descida de Dier ao banco teria que ver com a sua participação no Campeonato do Mundo de sub-20 ou com uma pretensa vida boémia do defesa. Mas  teria de haver mais qualquer coisa para um treinador inteligente e matreiro como Leonardo Jardim, num Sporting sem grandes soluções de plantel, relegar o talentoso defesa-central para o banco de suplentes. Percebe-se agora porquê. O comunicado ontem apresentado pela SAD leonina explica isto e muito mais. Num mercado em que a saída de Marcos Rojo se afigurava (ou afigura) como previsível, seria completamente ilógico vender Eric Dier e ainda para mais por uma quantia tão absurda. E isto depois da postura dos leões face à venda de outros jogadores.

Desde sempre a alegada colocação de Dier no mercado fez pouco sentido, mas o tal direito de preferência exercido por Godinho em cima do joelho, assinando mais uma das suas instruções que hipotecaram parte do futuro do Sporting, explica tudo. Uma “renovação” de três anos arrancada a ferros, com o jogador a manter praticamente o mesmo salário que auferia, e com a anuência do Sporting face a uma cláusula de imposição de venda por qualquer proposta a partir de cinco milhões de euros. Esta cláusula, de que Bruno de Carvalho era obviamente conhecedor, e que inclusivamente saiu para a imprensa no ano anterior, era por isso obstáculo intransponível a qualquer possibilidade de negociação. E que apesar da duração do contrato do jogador (até 2016), colocava a “faca e o queijo na mão de Eric Dier e de um futuro comprador”, ordenando a uma venda imediata. É por isso que este caso é diferente de Bruma e Ilori, onde Bruno de Carvalho foi talvez exageradamente intransigente e teve uma quota de responsabilidade (ainda que reduzida), nas saídas destes dois atletas.

RESPONSABILIDADES | Como é habitual nestas ocasiões, nos momentos de tomada de decisão, sobretudo quando se trata de medidas impopulares, que vão deliberadamente contra os desejos e expectativas dos adeptos, a formação de correntes e movimentações de aproveitamento contra-poder são céleres e ávidas de reacção. No Sporting a situação é ainda mais exponencial por se tratar de um clube que se procura reorganizar depois de um período de enorme convulsão. E que deixou para trás, de forma inglória e humilhante, uma direcção que saiu do seu mandato com uma imagem totalmente destruída. Também pela forma como ocorreu esta saída, permanecem sentimentos de vingança e desforra que teimam em manter o Sporting dividido em facções. 

Muitos destes movimentos encontram-se camuflados em plataformas na internet e contam com a preciosa ajuda de difusores e “rapazes” ligados a blogs e espaços de opinião. E que aproveitam toda e qualquer oportunidade para lançar as suas farpas e essencialmente gerar a dúvida, a incerteza e a descrença do universo sportinguista face à actual direcção. Como esta luta pessoalmente não me diz absolutamente nada, sinto-me à vontade para falar. É insistentemente veiculado o argumento (se é que se pode chamar a isto um argumento), nestas correntes, de que as saídas de Bruma, Ilori e agora Eric Dier são da total responsabilidade de Bruno Carvalho, imputando Godinho Lopes de qualquer contributo para este desfecho, e que os adeptos do Sporting só aceitam estas vendas porque estão de tal maneira cegos e obcecados com o seu Presidente que não vêem mais nada à frente.

Pois bem, não serão tão cegos os que aceitam a venda de Dier quanto os que fecham os olhos às circunstâncias e aos intervenientes que a criaram? Os que ontem puseram em causa a explicação da SAD do Sporting, apelidando-a de “mais uma teoria”, não só se esqueceram do tal princípio da história como das notícias que já o ano passado a confirmavam. No que toca à imprensa e a estes espaços de análise, ou antes opinião, só apetece dizer: quando não se consegue ser isento e imparcial nas análises, em razão de favores e ligações a grupos de interesse, perde-se toda a credibilidade.  

COMPRAS E VENDAS | Outra questão trazida à baila com a saída de Eric Dier foi a política de compras/vendas da actual direcção, alegadamente desastrosa no global. No que diz respeito às contratações, é criticada aopção por mercados e jogadores de qualidade duvidosa. Podemos concordar se nos lembrarmos de Weldinho, Gerson Magrão e talvez Heldon, podemos discordar se nos lembrarmos de Maurício, Jefferson, Fredy Montero e Islam Slimani, por exemplo. E se recuarmos ao tempo de José Eduardo Bettencourt, com o raio de prospecção reduzido a zero, e ao de Godinho Lopes, com o scouting fazer-se pagar a peso de ouro por jogadores que nada renderam, poderemos discordar de forma ainda mais veemente. Nas vendas, facilmente nos lembramos de negócios altamente discutíveis como os tais de Bruma, Ilori e Eric Dier. Mas todos potenciados pela herança do passado. No resto, encontramos as vendas de Stijn Schaars e Santiago Arias (1.517.000 mil euros pelos dois) como o único negócio verdadeiramente incompreensível da era Bruno de Carvalho. 

Desde que está à frente do Sporting, há pouco mais de um ano, o líder dos leões soma 27.217.000 milhões de euros em vendas e empréstimos. Um valor reduzido quando comparado com os rivais, mas manifestamente elevado se se tiver em conta os exercícios dos anos transactos das direcções que o antecederam. Quase todas estas vendas ocorridas em condições contratuais precárias, e em quase todas elas assegurando participações e percentagens de passes em futuras vendas. A excepção? Eric Dier. Porque iria Bruno de Carvalho abdicar de livre vontade desta salvaguarda na venda do jogador inglês? Alguém acredita nisso?

O MITO DAS RENOVAÇÕES | Problemáticas, quase sempre. Um caso bicudo para a actual direcção do Sporting. Eric Dier o exemplo mais recente da dificuldade dos leões em prender as suas pérolas. Diz-se que esta direcção não consegue segurar as maiores promessas da Academia, tal como aconteceu como Bruma, Ilori, Dier, e uns quantos juniores que, incentivados pelos mesmos de sempre, fugiram para o norte do país. Será verdade? Pois bem, desde que tomou posse, Bruno de Carvalho já fechou a renovação de mais de quarenta jogadores, cerca de 23 dos dois principais plantéis do clube. Diz-se também que as únicas renovações bem sucedidas dizem respeitos a jogadores menores e com pouco futuro em Alvalade. Factualmente, isso não acontece. 

Destes 23 jogadores, destacam-se nomes como William Carvalho, João Mário, Ricardo Esgaio e Carlos Mané, todos na primeira fila das maiores promessas de futuro do Sporting. Deste grupo, importa referir a dificuldade das negociações com os três últimos, cujos processos se arrastavam há largos meses, anos até. Sobre a importância da renovação de William nem vale a pena falar. Depois, na segunda fila, encontramos nomes como Iúri Medeiros, Tobias Figueiredo e Gelson Martins. Os dois últimos também com longos e penosos meses de negociações, congelados num perigoso impasse, mas concluídos com sucesso pela actual direcção. Três protagonistas das novas gerações da Academia, e que desta forma contrariam a tese de que todas as promessas abalaram de Alvalade.

Recentemente, Bruno de Carvalho fechou também a renovação de Fokobo, outra difícil herança da anterior direcção, mas que desta feita teve final feliz. Bruma, Ilori e Dier são por isso três excepções que não apagam a regra, há que admiti-lo de forma clara, mas que representam um aviso para os próximos anos de Bruno de Carvalho à frente do Sporting. Quando (se), no futuro, estiver na mesma situação por que agora passa com jogadores cujas anteriores situações contratuais tenham sido da sua responsabilidade (e não de Godinho Lopes), será capaz de cancelar as saídas que agora não foi capaz de evitar?

OBJECTIVOS EM RISCO | A saída de Dier só não é mais dramática porque Marcos Rojo, por agora, permanece em Alvalade. Já tinha aqui defendido que o Sporting partia para a nova temporada com a melhor dupla de centrais do campeonato, depois das vendas de Garay e Mangala por Benfica e FC Porto. Agora já não parte. Mas a permanência do esteio da defesa leonina confere-lhe uma segurança que ainda assim garante alguns pontos de vantagem sobre os rivais.

A começar pelo entrosamento com Maurício, afinal de contas a dupla titular da equipa do ano passado. Sobre as novas aquisições pouco há a dizer, o seu potencial é perfeitamente desconhecido, mas a sensação é de que o Sporting está significativamente mais fraco num sector fundamental para uma equipa que se afirma candidata ao título. A última imagem é a que fica, e por agora Bruno de Carvalho, quer se queira quer não, fica colado a mais uma saída com fortes prejuízos para a equipa leonina. E a mais uma venda a preço de saldo que só vem descredibilizar as elevadas cláusulas de rescisão da equipa que depois não se concretizam, e toda a margem negocial dos seus dirigentes. E isto depois do discurso ambicioso lançado nesta pré-época. Só mantendo o resto do núcleo duro (Patrício, Rojo, William e Slimani) o Sporting pode almejar lutar pelo título. E mesmo assim é duvidoso que chegue.

Os adeptos vão legitimamente continuando a sonhar com uma grande contratação que carregue a equipa às costas em 2014/15, o tal criativo (extremo) que tanta falta faz a Marco Silva. E quanto mais o tempo passa, maiores são os riscos que Bruno de Carvalho vai correndo à frente dos leões.

TESTE À LIDERANÇA | Em conclusão, a saída de Eric Dier é mais um teste à liderança de Bruno de Carvalho. Depois de ter passado com distinção os episódios de Bruma e Ilori, fruto da inteligência das suas escolhas e decisões, a venda por tostões do jogador inglês, inclusivamente depois das suas declarações há dois dias trás dizendo que não tinha propostas por nenhum jogador leonino, põem em causa a sua credibilidade e a confiança dos adeptos na sua gestão. E propiciam a propação das tais correntes anti-poder com fortes influências na sociedade portuguesa e que esperam por uma oportunidade para voltar a tomar conta do Sporting.Até agora, a sua liderança jamais conseguiu ser posta em causa por quem quer que seja. Até por antigos dirigentes gabarolas como Carlos Barbosa, que foi facilmente silenciado pelo Presidente leonino. 

Desta vez, mais que qualquer ataque aos rivais ou insulto fácil, exige-se coerência e acção. Coerência no sentido de que futuras vendas dos principais jogadores só podem acontecer a partir de valores muito próximos ou coincidentes com as cláusulas de rescisão; acção no sentido de que a equipa precisa de reforços efectivos e inquestionáveis que aumentem substancialmente a qualidade do onze titular. De outra forma dificilmente conseguirá cumprir dois dos seus maiores desafios até ao fim do mandato: ganhar o tão ansiado título nacional, por um lado, e calar definitivamente os resquícios de oposição que vão perigosamente subsistindo em Alvalade.

 

* Este artigo foi gentilmente cedido pelo projecto «Palavras ao Poste», onde foi originalmente escrito e publicado.