Nasceu no dia 20 de Novembro de 1949 e viria, no Benfica, a nascer para o Futebol e para a glória - Manuel Tamagnini Gomes Baptista celebra hoje 65 anos e a data exige uma homenagem àquele que foi uma das mais inesquecíveis figuras da História do Benfica. Pelos golos em série, pela dedicação contínua e pela mística que consigo ainda carrega, 28 anos depois de ter arrumado as botas e terminado a sua carreira de futebolista.

Mais conhecido por Nené, Manuel Tamagnini criou com o Benfica um laço inquebrável de uma relação de 19 anos, desde os seus tempos de imberbe júnior, em 1967/1968, até à época em que o avançado decidiu colocar termo à longa carreira de futebolista, em 1986. Durante aproximadamente duas décadas, Nené construiu, de águia ao peito, uma estória de golos e conquistas, narrada pelo prestígio inerente aos goleadores e aos embaixadores do sentimentalismo clubístico.

Natural de Leça da Palmeira, Nené ainda jogou no Ferroviário de Namanga (em Moçambique, com 15 anos) antes de ingressar no Benfica, clube com o qual viria a ligar-se umbilicalmente. O jovem de 17 anos (idade com que assinou pelas águias) tornou-se num senhor jogador e nem o corte físico pouco possante impediu Nené de ombrear com os defesas mais duros e de gizar os golos mais oportunos. Um dos seus maiores trunfos? A velocidade.

Com 1,77 metros e uma lisura corporal pouco habitual nos guerreiros de área, Nené jogava e marcava porque, antes de colocar o músculo a trabalhar, deixava a sua inteligência, percepção espacial e leitura táctica entrarem em campo - refinado no toque de bola, perspicaz na antecipação e clamoroso na finalização, Nené evidenciou-se pelo perfume assassínio dos seus golos. Rapidamente ascendeu na hierarquia do Benfica e o primeiro técnico a dar-lhe a mão foi mesmo o vitorioso Otto Glória..Mais tarde, seria a sapiência de Mário Wilson a deslocá-lo, da ala para o coração da área.

Na temporada de 1970/1971 os golos começaram a surgir: Nené marcou 9 tentos e deixou antever a curva ascendente no rendimento. Na época seguinte o avançado marcou 13 golos e estreou os golos na Taça dos Campeões Europeus. A assiduidade no onze do Benfica aumentou, assim como os golos: em 1973/1974 marcou 16 golos e na temporada do 25 de Abril chegou aos 17 tentos, apontando 3 na Taça das Taças.

A maturidade e o desenvolvimento da percepção do jogo refinou a sua veia goleadora - em 1975/1976 Nené realizou uma temporada de sonho, marcando um total de 35 golos em 35 partidas, festejando 29 tentos em 29 aparições no campeonato nacional e 6 golos na Taça dos Campeões Europeus em seis presenças na competição europeia. As épocas vindouras deixaram bem patente a capacidade goleadora de Nené.

Na viragem da década, na temporada 1979/1980, o astuto avançado chegava à fasquia dos 36 golos (em 39 aparições), superando essa marca quantitativa na época de 1981/1982, altura em que chegou aos 37 golos assinados (marcados em 43 jogos). Quando pendurou as chuteiras, Nené conquistara por três vezes o prémio de melhor marcador de Portugal (1980/1981, 1982/1983 e 1983/1984) e erguera o campeonato nacional por dez vezes, a Taça de Portugal por oito ocasiões e a Supertaça Cândido Oliveira por duas vezes.

O goleador requintado, que se dizia nunca precisar de sujar os calções para ser eficaz, combativo e letal, deixou marcas inesquecíveis: alinhou por 577 vezes pelo Benfica (como sénior, em jogos oficiais) tendo marcado 361 golos com a camisola encarnada vestida - é o terceiro melhor marcador do Benfica, atrás do lendário Eusébio e do mortífero José Águas. Em relações aos calções, Nené respondeu com finesse: «Se os não sujava era porque achava que não precisava», afirmou lapidarmente, anos depois.

Nené é o jogador da História do Benfica com mais jogos de águia ao peito: «Sinto-me um privilegiado. Afinal foram tantos os jogadores a representar o Benfica e ser logo eu a ter a sorte de jogar mais vezes do que todos os outros», declarou, orgulhoso, anos depois, numa retrospectiva da carreira. O reconhecimento do talento não se cingiu ao Benfica, já que Nené foi internacional luso por 66 vezes, correspondendo com 22 golos com as Quinas ao peito - marcou presença na fase final do Europeu de 1984 e marcou o memorável golo que derrotou a Roménia e permitiu a Portugal alcançar as meias-finais.

«Já há tempo dei uma entrevista ao jornal A BOLA em que afirmei que maluco é que não sou. Se existem jogadores que metem o pé em certos lances onde por norma só vão buscar problemas para eles e para os clubes que lhes pagam, isso e lá com eles.

Eu não sou assim. […] o que sei, isso sim, é fugir na hora exacta, mas normalmente com a bola a ficar na minha posse, […], tentando não me molestar sem vantagem para ninguém. Mesmo assim ainda este ano fui o segundo melhor marcador do campeonato e, caso curioso que a maiori a dos sócios talvez não tivesse reparado, marquei nos sessenta e tal encontros que disputei durante a temporada, entre oficiais e particulares, a media de um golo por desafio, o que ficou longe de qualquer outro colega e, muito menos, da totalidade dos atacantes portugueses.

Quanto ao insultarem-me e dizerem-me que lhes faz confusão como consigo aguentar uma hora e meia sem nunca reagir menos delicadamente, posso garantir que aguentaria até um dia inteiro, pelo que escusam de continuar a adoptar tal sistema que me dispenso de criticar. Sou assim por temperamento pelo que jamais tomarei uma atitude menos correcta para com tais adeptos do meu clube. Aliás, tenho até para mim que aqueles que assim procedem não são os sócios com dez, quinze, vinte e mais anos de associados. São os que entraram na «família» há dois ou três anos e que, talvez por serem novos, reagem mais rapidamente para se tornarem notados e mostrarem aos mais velhos o seu muito benfiquismo...

Uma verdade poderei dizer: o meu sistema de jogar é este desde miúdo. Não me sinto arrependido de ter sido sempre um jogador correcto para os adversários e para o público. Creio com tal sistema haver sempre servido com dignidade o meu clube e, simultaneamente, o clube que me paga. Quanto às palavras que me dirigem continuarei talvez a ouvi-las mas, como as atitudes ficam com quem quem as pratica, nada é comigo...» - palavras sábias de um goleador nato que demonstrou em campo a inteligência, o carácter e o respeito com que sedimentou uma das mais belas memórias da vida de um dos maiores clubes do Mundo.