O campeonato pode ainda ir no «flop» mas as apostas de Benfica e FC Porto foram altas e neste momento as expectativas, assim como as exigências, são tremendamente elevadas, dir-se-á mesmo que os dois grandes rivais portugueses lançaram-se, antes das cartas baterem na mesa, numa aposta «all in» que agora, em véspera de Clássico, terá novos desenvolvimentos: quem acabará 2014 por cima? Quem ficará em melhor posição para ver o «river» e o derradeiro «turn»?

De que apostas falamos? Inequivocamente, do esforço financeiro feito por ambos os clubes num contexto de depressão financeira nunca antes vista no panorama futebolístico nacional: com a torneira do crédito a pingar cada vez menos e os patrocínios a fugirem da esfera desportiva, FC Porto e Benfica mantiveram a sua política burguesa de contratações: os Dragões gastaram cerca de meia centena de milhões de euros em nomes de primeira água do futebol, enquanto o Benfica perto andou dessa fasquia/aposta, se às contratações conhecidas juntarmos a recompra dos passes de Amorim, Jara, Gaitán, entre outros (outrora alienados ao fundo Benfica Star Funds).

O FC Porto, embrenhado em saldos negativos actuais, apostou tudo na intercepção do caminho encarnado para o bi-campeonato, contrariando a orientação estratégica da temporada passada, baseada principalmente em jogadores do campeonato português (Josué, Licá, Evandro, por exemplo). À tentativa portista, o Benfica, que vendeu meio onze titular, reforçou-se com milhões em abundância: Cristante e Samaris custaram mais de 12 milhões de euros, Talisca 4, Derley 3 e outros milhões gastos em Benito, César, Bebé, entre outros (alguns deles nem vestiram a camisola).

Mas as altas expectativas/exigências não se prendem somente com o contexto financeiro - também a nível desportivo, Porto e Benfica subiram a fasquia. Os Dragões porque, sedentos de voltar a festejar o título nacional, anseiam também quebrar a tentativa do Benfica em erguer-se enquanto força hegemónica dentro de portas. Por seu turno, as Águias encaram o bi-campeonato como um desejo supremo sem igual, que tanto tem iludido e alimentado as vontades da massa adepta encarnada.

Pilar fundamental da temporada de ambos os clubes, a conquista da Liga Portuguesa afigura-se assim como o marco fulcral do horizonte, qual barómetro que avaliará a performance de FC Porto e SL Benfica - o jogo de amanhã desvenda o primeiro terço do caminho e mostra como poderão os trilhos dos dois rivais prosseguir. Se o FC Porto vencer, a balança penderá para o crónico campeão (9 campeonatos neste milénio), que inverte a fraca tendência do arranque 2014/2015 e se opulentará com base na boa prestação europeia, onde o rival Benfica se embaraçou.

Se o Benfica contrariar a gigantesca tradição, deixará o rival Porto a seis pontos de distância em pleno Dragão frustrado, o que colocará a formação portista numa situação de claro défice interno - sobrará ainda, para o fim, uma deslocação difícil ao reduto da Luz. Caso ganhe, o Benfica amenizará o fracasso europeu (entre as hostes encarnadas) e sentirá, nos fãs, o respaldo que procura depois de se ter, pelas palavras do treinador, focado estritamente na Liga nacional, remetendo tudo o resto para um segundo plano pleno de desprezo competitivo.

Mas, se o Benfica cair no Dragão, a pressão exigente dos resultados irá crescer como uma onda que, desde o arranque da temporada, espreitava a melhor altura para acelerar - o fracasso na Europa veio aumentar ainda mais a força motriz dessa onda, que poderá acabar por desabar em cima de Jorge Jesus e de Luis Filipe Vieira caso os encarnados não conquistem a liga portuguesa: o estrito foco na Liga (que causou a débâcle internacional, a pior da era Jesus) adensou e andensará ainda mais a pressão do desejo do bi-campeonato. Todo a arquitectura do discurso de Jorge Jesus fez o favor de assim o incitar.

O Clássico Porto x Benfica tem assim o condão de revelar a tendência do futuro, funcionando como um oráculo do destino da ambas as formações - obviamente não imune à falha da previsão mas bastante preciso no que aos futuros contextos diz respeito: o Porto vem subindo de produção e poderá ganhar, no Dragão, o impulso necessário para atacar de vez um Benfica fragilizado pela derrota internacional e habituado a perder na casa portista; mas, esse mesmo Benfica chega na mó de cima ao Dragão, e este, sob pressão, poderá abanar e ficar ainda mais longe do topo da Liga...

Caso aconteça um empate na partida de amanhã, tudo ficará na mesma mas o sabor de adiamento irá ser amargo na boca dos portistas, que, no seu reduto, não terão sido capazes de resolver a contenda como usualmente tem mandado a tradição: receber o rival encarnado e batê-lo como de costume. O Benfica sorrirá com o empate, já que manterá a distância de três pontos no terreno mais infernal que existe, para a Águia, em toda a liga portuguesa. Por jogar em casa, por ter um plantel caríssimo e por estar atrás na corrida, o FC Porto sente a pressão da exigência - «all in» que não pode fracassar e que não pode permitir o sucesso do rival.

Mas o Benfica, que é certo, vai em primeiro, também não poderá dar-se ao luxo de pressentir com menor intensidade a pressão: caso seja derrotado, deixará de ser líder (ainda que empatado com o Porto) e cairá numa depressão resultante do derrotismo crónico de que é vítima em viagens ao Dragão, depressão piorada ainda pelo vazio europeu, que, em caso de falhanço final, voltará para atormentar a dupla Jesus/Vieira. Jorge Jesus jogou todas as fichas na Liga (várias declarações minimizaram a «Champions» e centraram totais atenções na Liga) - «all in» que custará muito caro caso o campeonato não se transforme num...bi-campeonato benfiquista.