O ano de 2014 aproxima-se do fim e o futebol português mantém-se distanciado dos patamares de qualidade competitiva saudável - assim temos vivido o futebol profissional em Portugal: rumo ao futuro com os mesmos vícios de sempre, o mesmo que que dizer que o tempo passa e, por entre a velharia ideológica que rege a modalidade, o passado acaba sempre por ditar o caminho. Clubes falidos, políticas financeiras insustentáveis, passivos monstruosos, falta de qualidade dos plantéis, competitividade nula, estádios vazios, preços elevados e dirigismo inqualificável.

* O primeiro problema é galopante e o erro sempre recorrente: crédito fácil enrolou os clubes numa bola de neve colina abaixo, e, com as sistémicas constrições financeiras do mercado, a grande maioria vê-se a braços, ano após ano, com os juros que afogam as parcas receitas, estas praticamente invisíveis. Não há como esconder: o negócio do futebol tem sido, para a totalidade dos clubes lusos, um exercício de puro despesismo que apenas nos tem ensinado a perder dinheiro e a gerar perdas - isto é um facto incontornável. Que tal somarmos os passivos dos clubes? Isso basta para matar qualquer dúvida de um qualquer lírico da bola.

Mesmo as vendas astronómicas de grandes craques são, somente, oásis pontuais que não podem servir de modelo para um planeamento financeiro que sustenha a corrente actividade global dos clubes: quanto baixou o passivo do FC Porto, que vendeu a preceito craques ao longo da última década? Ao invés, aumentou. Quanto abateu o passivo do Benfica, mesmo com as vendas de Jesus? Sobe, e, na última década, subiu de modo histórico. Do Sporting, todos sabemos a vida: tenta emagrecer à força e vai perdendo capital para forças exteriores que ainda pouco se deram a conhecer. Afinal, está ou não este modelo de negócio falido?

Claramente está, falido e ultrapassado - um rápido vislumbre pela saúde económica das ligas europeias retrata instantaneamente essa pobreza real, mascarada pela falaciosa política de crédito que engana, tanto o adepto comum, como a própria competitividade. Comprar talento estrangeiro para depois o vender inflacionado é uma estratégia errónea que depende de imensos factores favoráveis e, na maioria dos casos, apenas traz prejuízos (de curto, médio e até longo prazo) aos clubes que por essa matriz se regem. Quantos flops são precisos para encontrar um talento transaccionável que cresca de forma produtiva e renda ao clube mais que aquilo que com ele se gastou, passe, salários e comissões incluídas?

* O segundo problema prende-se com a falta de qualidade da competição portuguesa, em geral. Os jogos portugueses são feitos num ritmo baixo, com paragens que marcam o compasso da partida, impedindo a fluência das jogadas e dos duelos, onde a falta é rainha e onde a mentalidade medrosa pauta a filosofia táctica de grande parte das equipas. As equipas - salvo raras excepções - repletas de apostas estrangeiras de qualidade duvidosa, jogam na retranca, rezando pelo ponto e abdicando da coragem, o que torna os jogos entediantes, morosos e totalmente desinteressantes. Não concorda? Basta olhar para as bancadas...

Raros são os estádios que enchem e a maioria das partidas é banhada por auditórios quase vazios, despidos de público, o que demonstra, com crueldade, o desinteresse que o povo português tem pela modalidade, num país polarizado pelos três grandes, os únicos a moverem massas de gente pelo país, capazes de mobilizar adeptos com força suficiente para cobrir a tristeza do abandono a que muitos estádios (e equipas...) estão devotados. Tudo o resto, por muita boa vontade analítica que se queira ter, é mera paisagem em termos de volume de espectadores, neste Portugal empobrecido mas com bilhetes acima das possibilidades dos adeptos do futebol. 

É certo que vão existindo, avulsamente, excepções, a tudo. Mas são isso mesmo: pontos flutuantes num panorama consolidado, vão e vêm e nunca se estabilizam, nunca passando de pequenas excepções que vigoram de modo efémero e depois desvanecem, para dar lugar à norma. Mas, esta falta de qualidade competitiva, nasce do atroz desfasamento entre uma brutal minoria (três ou quatro clubes) e a assustadora maioria dos clubes portugueses, alicerçada na disparidade entre a capacidade finaceira dos grandes e a dos restantes. Com o alargamento para 18 clubes, a Primeira Liga conseguiu a proeza de se tornar ainda menos competitiva e mais desinteressante, com o peso adicional de apenas descerem 2 clubes.

A falta de competitividade da Primeira Liga é, no fundo da questão, a tradução transparente de um futebol português decadente, sem meios para se sustentar, sem receitas por não saber seduzir negócios adjacentes, sem público por não ter a beleza que compõe plateias, sem projecção internacional por dar de si uma imagem global débil, assimétrica, esvaziada. Um espectáculo pouco eloquente que mimetiza o estado do país, até nas soluções encontradas para abanar a crise e buscar novas vias de desenvolvimento - em vez de novas abordagens, o futebol luso recorre aos erros que o fizeram assim, pobre e pequeno. Climas de guerrilha presidencial, falta de debate institucional, ausência de estratégias conjuntas e navegação a olho - basta olhar para o estado da Liga de Clubes.

No fim de contas, não será de espantar que os clubes portugueses só a breve trecho consigam mostrar valências na Europa. E que, para tal acontecer, necessitem de se endividar para ostentar no seu plantel jogadores caríssimos que tanto comprometem as contas do clube como gracejam talento pelos relvados lusos, connosco habituados a rejubilar apenas com as fintas dos luxuosos estrangeiros. Não admira que o Benfica opulento de Jorge Jesus, que tanto calibre reivindica ter, apenas tenha passado a fase de grupos da Liga dos Campeões uma vez em cinco tentativas. Hoje líder isolado da Liga, esse mesmo Benfica não teve a competência para ombrear com 3 clubes europeus não-campeões: Zenit, Monaco e Bayer. 

Bastará olhar a Primeira Liga portuguesa para perceber que de portuguesa ela vai tendo pouco. Retirando alguns bravos clubes que dão prioridade ao talento interno, os clubes que lutam pelo topo da tabela apetrecham-se invariavelmente com jogadores estrangeiros e os medíocres clubes seguem-lhes as pisadas. Em vez de potenciar o talento português (ou emigrante, desde que criado e maturado por cá) e de olhar para essa matéria-prima como busílis da industria do futebol, os clubes continuam a desperdiçar a riqueza de poder dispôr de jovens sedentos de aprender as lides da bola, com os quais se pode ensinar e nos quais se pode centrar o modelo de negócio da modalidade profissional.