Muito se tem dissertado sobre o trabalho de Julen Lopetegui, estreante nas lides técnicas em clubes (apenas treinara a jovens selecções da Espanha), assim como se analisou, de fio a pavio, o trabalho de Paulo Fonseca na temporada 2013/2014. Todas as análises são coincidentes num aspecto: faz tempo que o FC Porto não apresenta níveis de excelência, quer na organização do seu jogo quer na capacidade de reter, controlar e dominar o oponente onde mais dói - no centro do terreno.

Bicampeonato de Pereira foi fim da excelência

Após o bicampeonato de Vítor Pereira, o FC Porto entrou numa espiral de perda de qualidade a meio-campo e nem sequer poderemos falar de uma abrupta perda de qualidade individual como causa directa do problema, aliás, inegável. Sem João Moutinho, que saiu no Verão de 2013 para o Mónaco, e sem o El Comandante Lucho González, que abandonou o clube em Janeiro de 2014, o Porto caiu numa estagnação exibicional que se tem revelado crónica.

Orfão de dois grandes maestros do futebol na zona nuclear do meio-campo, o Porto decaiu em qualidade de posse e de sapiência na altura de ritmar, balançar e comandar a fluência do seu próprio jogo. O Porto de Paulo Fonseca (que herdou um Porto já sem Moutinho) mostrou imediatamente essa lacuna, e, a partir de 2014, tais insuficiências foram ainda mais notadas, com a saída de Lucho, pensador da máquina portista.

Josué, Defour e Herrera falharam em 2013/2014

A faixa central do relvado ficou entregue ao polvo Fernando, que, deslocado da sua posição preferencial (Fonseca tentou instituir um triângulo invertido e inventar companheiro de perfil para o brasileiro) baixou de rendimento, numa altura em que o coração azul-e-branco se desintegrava face à ascensão do Benfica, que viria a tornar-se campeão. Com flutuações titulares de Josué e Herrera, o Dragão ficavam sem volante, e, por consequência, sem direcção.

Descaracterizado, o meio-campo portista pouco rendeu na temporada passada, preso que ficava às suas próprias amarras: construído na pré-época sob falso chão (Lucho saiu a meio, Josué não se impôs, Herrera ainda inadaptado e Defour dado como insuficiente), o meio-campo do Dragão passou a cometer erros de palmatória, deixando-se à sorte da pressão adversária, com poucos mecanismos de posse segura, voláteis processos de ataque e fraca articulação entre a defesa e a primeira fase de construção de jogo.

Em lenta sofreguidão, o Porto arrastou-se até ao final da temporada, sucumbindo aos golpes do Benfica (no campeonato, na Taça de Portugal e na Taça da Liga) e refém duma orfandade que gritava pelos seus criativos de volta: João Moutinho, motriz de trabalho todo-o-terreno, e Lucho, requintado intelectual que, além de ocupar os espaços como poucos, desenhava jogadas de ataque com liminar perigosidade. As oferendas sucediam-se, prendas aos oponentes e perdas de bola em zonas proíbidas - assim foi o Porto mirrando.

Reforços de qualidade mas sem o cérebro dos construtores

A nova temporada trouxe novos intérpretes: Yacine Brahimi para abanar os jogos, Óliver Torres para refinar o passe e o controlo de bola, Casemiro para substituir Fernando e Evandro para orquestrar a última fase de construção. Para os casos pendentes de Herrera e Quintero renovou-se a esperança de uma melhor adaptação - o mexicano subiu de nível mas o colombiano, devotado ao banco, tardou e tarda em explodir. Lopetegui pegou num Porto renovado mas por sedimentar dentro de campo.

Apesar dos reforços, este Porto mostrou-nos, já, que ainda não encontrou, tacticamente, os seus pilares nucleares. Sem pensadores natos, capazes de oscultar o jogo e providenciar-lhe os ritmos que este exige, nas horas adequadas, o Dragão ainda tropeça na sua ideia de jogo: posse de bola permanente, troca de passes desde a zona da defesa até à baliza adversária, subidas sustentadas pelo controlo dos espaços e jogo interior capaz de perfurar barreiras densas. Ainda é cedo para julgar Lopetegui mas não é tarde para verificar o óbvio: falta a este Porto um maestro.

Óliver Torres não é, ainda, esse maestro: o seu estilo de jogo, ainda juvenil e gracioso, é naturalmente imberbe e a sua abordagem aos desafios ainda carece de experiência e tarimba. Conduz optimamente a bola, dribla e pensa, mas a um nível ainda incerto e por vezes comprometedor (relembrar o jogo de Shakhtar). Brahimi, todo virtuoso e acutilante, não é um organizador de jogo, mas sim um trequartista feito de rupturas e dribles excepcionais. A sua habilidade permite rasgar defesas mas o seu índice de trabalho não se coaduna, actualmente, com o papel de medio de transição em posse, com obrigações de construir e orientar.

Restam Herrera, Evandro e Quintero. O mexicano, após um excelente Mundial 2014, voltou ao Porto com melhorias globais na bagagem da experiência. Mais móvel, mais pendular, mais perigoso quando perto da área contrária, Herrera mostrou credenciais para ser um 8 confiável, mas a sua inteligência dentro de campo ainda não o coroou como médio organizador de jogo: progride a olhos vistos e provavelmente chegará a sê-lo, ainda no FC Porto, mas ainda lhe faltam quilómetros. O caminho faz-se caminhando.

Evandro e Quintero são crónicos esquecidos. O brasileiro não entra propriamente nas contas de Lopetegui (como Carlos Eduardo não entrou no passado nas contas de Fonseca) e o colombiano, apesar do talento, é ainda uma opção que poucas vezes passa do banco de suplentes. A época tem sido positiva a nível europeu (apesar das tremuras contra o adversário mais rijo do grupo, o Shakhtar) mas a Liga não corre de feição aos portistas, que ainda apalpam terreno...no centro do terreno, buscando ouro que faça esquecer os intérpretes de luxo, Lucho e Moutinho.