Crónica VAVEL

Moldura humana extasiante, estádio repleto de excitação e expectativa - assim foram recebidas as equipas de Benfica e FC Porto na tarde de ontem. Na jornada 30, tanto Benfica como Porto encaravam o clássico como uma finalíssima que pudesse, ou decepar as esperanças portistas e consagrar as águias, ou virar o paradigma deste campeonato, levando o Dragão a ganhar «momentum» sobre os líderes encarnados. 

Noventa minutos de batalha visceral onde, tanto os guerreiros da Luz como os da Invicta, jogavam o seu destino na Liga NOS 2014/2015; mas, para frustração total dos neutrais e desânimo daqueles que esperavam um grande jogo repleto de emoção, lances de golo e virtuosismo técnico-táctico, o Benfica x Porto redundou num anti-clímax de um embate que, à partida, se pretendia de fatal soma-zero. As formações preocuparam-se em anular e não em aventurar.

Se o jogo era de crucial sorte para ambas as equipas, o seu desenvolvimento nas quatro linhas não traduziu tal arrojo típico dos bravos: o Benfica, que podia espetar a derradeira espada no peito do Dragão perante uma Luz faminta de festa, ficou-se pelo compreensível calculismo defensivo; o Porto, obrigado a lutar pela vida nesta Liga, precisava de arriscar o coiro mas quedou-se por semelhante passividade, agravada pelo exposto vazio que a ausência de garra demonstrou.

O Benfica poderia alegrar as massas encarnadas executando o Porto por entre o mar vermelho da Luz; o Porto, que para entrar na Luz de dentes cerrados teria de se munir de um espírito guerreiro inabalável, poderia abalar a confiança do líder, igualando-o no topo da tabela e lutando pelo título até ao último segundo. Mas o jogo revelou duas equipas temerosas que se anularam mutuamente e por aí se ficaram. O Benfica reeditou a exibição de Alvalade, o Porto foi a apatia em forma de colectivo.

Quem perdeu foi o espectáculo. Perante uma bela moldura humana e uma expectativa de emoção competitiva, Benfica e Porto mergulharam na antítese de um pragmatismo raso que, à medida que os minutos passavam, ameaçava poder azarar qualquer uma das equipas: o Benfica porque, sem atacar, expunha-se ao maior controlo portista, e, o Porto, porque ,sem arriscar, dificilmente iria perigar a calmaria vermelha. Um golo azul abanaria o Benfica, um golo vermelho mataria o Porto. 

Ambos recearam perder e o resultado lógico de tanto medo foi, naturalmente, o empate - acabou por servir na totalidade os interesses do Benfica, que, beneficiando de uma boa organização defensiva e de uma apatia portista gritante (os minutos passavam mas o Porto parecia em tranquilo afogo...), levou o nulo até final. Oportunidades claras de golo? Apenas duas. Rupturas técnico-tácticas? Nenhuma. Remates em direcção das balizas? Apenas quatro, dois para cada lado, inofensivos, diga-se.

Naquilo que se pretendia, a bem do espectáculo, da expectativa competitiva e da responsabilidade desportiva das duas equipas que dominam o futebol português, um jogo de soma-zero, «mata-mata» que abrisse o capítulo, ou da certeza final do título encarnado ou da ascensão do Porto à luta renhida, aconteceu um anti-clímax que deixa a clara sensação de que, face à qualidade destes jogos, talvez o bilhete devesse acompanhar o «downgrade» da exibições dos duelos de grande cartaz em Portugal