Crónica VAVEL

Todo o futebol português esboçou estupefacção quando a SAD do FC Porto anunciou a contratação do treinador basco Julen Lopetegui: afinal, com uma carreira curta e inexpressiva em termos de clubes, o que levou Pinto da Costa e a direcção portista a embarcar num novo projecto que teria como líder técnico o antigo guarda-redes e ex-seleccionador das camadas jovens de Espanha?

Muitos continuam a demonstrar a sua incredulidade perante a vinda de Julen Lopetegui para o FC Porto, mas, a bem da verdade, a chegada do técnico não implicou apenas uma mudança técnica na estrutura do futebol do Porto; a escolha, por muito surpreendente que tenha parecido (e ainda pareça, dado o jejum que se adivinha em 2014/2015), baseia-se noutras razões que não a simples mudança de rumo a nível técnico - porque, afinal, que créditos firmados tem Lopetegui?

O basco apenas mostrou valia ao comando das selecções jovens de Espanha, estando ainda por corroborar o seu alto valor à frente de um clube obrigado a ganhar. Mas, olhando atentamente para a nova abordagem do Porto no mercado e as ramificações da sua actuação estrutural (a nível de planeamento da época, transferências, novos relacionamentos no mercado), reparamos, não apenas numa tentativa de «mudança cultural» (apregoada pela direcção) mas, mais importante ainda, numa nova filosofia estratégia a nível global.

Com a crescente censura aos fundos de investimento, a perda de poder de compra dos clubes dos países periféricos e a necessidade de uma reaproximação do Porto aos círculos mais afamados da feira que é o mercado internacional de transferências, a SAD portista optou por abrir de novo as portas ao super-agente Jorge Mendes, que, com a vinda de Lopetegui (processo mediado e negociado pelo empresário português), viu abrirem-se novas possibilidades estratégicas no âmbito da política de contratações.

Lopetegui foi, assim, a ponte necessária entre uma nova cooperação, escolhida pela SAD do FC Porto para enfrentar o poderio do Benfica e impedir a senda vitoriosa das águias no cômputo interno. A chegada de Lopetegui permitiu a conexão estratégia entre o clube nortenho e clubes próximos da esfera de influência de Jorge Mendes, como o Real Madrid, Atlético Madrid e até o Barcelona. Os casos de Casemiro, Tello, Óliver Torres, Adrián e Brahimi (agenciado por Mendes directamente) são disso exemplos.

O estreitamento de relações institucionais com tais clubes (relembrem-se as negociações com o Barcelona para a contratação definitiva de Tello ou a venda milionário de Danilo aos «merengues») reflecte a tomada de rumo que foi encetada com a vinda de Julen Lopetegui. Mais do que uma escolha para o cargo de treinador, Lopetegui foi uma aposta da SAD enquanto ponte que ligou a Invicta a novos mercados de elite, onde o Porto pudesse estruturar um novo corpo competitivo. 

A mudança de paradigma nas transferências foi visível: de Josué, Licá, Evandro ou Carlos Eduardo, o Porto passou para nomes promissores e famosos como Óliver Torres, Adrián López, Yacine Brahimi, Bruno Martins Indi, Cristian Tello, Casemiro ou Vincent Aboubakar. Mais tarimba, mais prestígio, mais sonância. Logo, a vinda de Lopetegui não se prende simplesmente com a vertente técnica - prende-se, a nível global, com a estratégia de actuação no mercado e a escolha de um modelo competitivo baseado na parceria com o influente mercado espanhol (principalmente) e com agentes afectos a essa engrenagem.

O caminho escolhido apenas deu frutos na Liga dos Campeões (o Porto chegou os quartos-de-final), tendo falhado (até ver) nas competições internas. Mas, caso a abordagem falhe o sucesso (como parece ser definitivamente o caso, com o jejum que se aproxima), o Porto terá que se perguntar a si duas questões primordiais: será, neste projecto, Lopetegui mais que um treinador? Ou deverá ser julgado/cair considerado apenas enquanto tal? 

Despedir Lopetegui está nas mãos da SAD portista, mas tal decisão implicará romper com o projecto de gestão desportiva encetado no início da presente temporada. Longe de se tratar de uma decisão meramente técnica, o despedimento do basco (tem 3 anos de contrato) continua, ainda assim, a ser uma opção exequível. Mas, para que isso aconteça, o Porto terá já de reavaliar o seu futuro próximo e voltar a desenhar uma estratégia desportiva que possa competir com um Benfica confiante e bicampeão. Despedir Lopetegui, apesar de acção simples, acarreta reflexões maiores que o esperado.