Quem diria que, na ressaca de um golo totalmente madrugador, o Benfica seria capaz de suster o ímpeto ofensivo do colosso Bayern Munique? Quem diria que, após o golo do chileno Arturo Vidal, os bávaros comandados por Pep Guardiola veriam, por três ocasiões, as redes de Manuel Neuer serem ameaçadas com pertinência pela turma de Rui Vitória? O golo caseiro, em vez de desmoronar o edifício encarnado, deu-lhe disciplina e o alerta serviu na perfeição: a equipa lusa manteve a calma, suou e chegou a sonhar.

Mas, não será o louvor desta derrota magra uma demonstração nacional de pouca ambição? Na minha modesta opinião, nem de perto. Antes de mais, bastará relembrar os resultados mais recentes das deslocações de formações portuguesas ao Allianz Arena para que o nosso espírito analítico seja acometido pela desgraça: o FC Porto ambicioso e destemido de 2014/2015 caiu na arena germânica por 6-1, ao passo que o Sporting acabou cilindrado por expansivos 7-1, no curso da época 2008/2009.

Depois, porque este Benfica está longe de ter a experiência colectiva (quer no departamento técnico quer na morfologia da equipa em si) de um conjunto habituado às duras batalhas da UEFA Liga dos Campeões, e ainda menos terá a capacidade financeira para contratar jogadores de calibre mundial, aptidão sobejamente característica deste Bayern (basta relembrar que Javí Martinez, entrado a meio da partida, custou 40 milhões de euros). Com jovens como Lindelof, Renato Sanches ou Ederson, este Benfica mostrou estofo aventureiro, disciplina mental e táctica.

Na verdade, este Benfica está a meio do duelo, perdendo por um golo apenas; no reduto do colosso bávaro, esta foi, historicamente, a derrota mais saborosa, pois permite às Águias sonhar com o apuramento, por muito improvável que ele seja. Sobrevivente de Munique, o Benfica de Rui Vitória poderá, estoicamente, tentar espantar a Europa na Luz. O mérito está, antes de mais, na abordagem séria do técnico encarnado, que se estreou esta temporada nas andanças milionárias e já sonha com as meias-finais da prova. 

Além do respeito (que não se afundou em medo), Rui Vitória conseguiu incutir no plantel do Benfica um espírito guerreiro que parece transcender as mais duras provações. Em Braga, o Benfica desmotivado e em risco, visitou a Pedreira e de lá sai vivo, para encetar um caminho de recuperação rumo ao comando actual da Liga. No vibrante reduto de Alvalade, à beira de se desligar do título nacional (uma derrota implicaria gravemente as hipóteses), este Benfica sofreu mas ultrapassou, na curva, o rival. Quem diria, depois de um começo tão irrisório?

Ainda assim, tudo poderá não passar de um sonho para a turma da Luz; nada está ganho, mas o universo benfiquista parece ter já percebido que aquele Rui Vitória do primeiro terço da Liga foi capaz de conquistar o coração da equipa e o carinho dos adeptos - tudo isso após poucos meses da ruptura sempre visceral com o adorado Jorge Jesus, três vezes campeão no reino encarnado. Na Luz, perante o Bayern, pouco há a perder. A ganhar, tudo: o prestígio máximo de uma hipotética vitória, e o regresso às meias-finais da prova, mais de duas décadas depois.