O clássico entre Porto e Sporting da 32ª jornada do campeonato contou com 2 treinadores históricos do futebol luso. O estratega Jorge Jesus foi fiel aos seus princípios de jogo, deixando para trás algumas invenções que no passado resultaram em duras derrotas frente aos rivais. O técnico verde e branco apostou no 11 base mesmo tendo em conta que iria medir forças no Dragão, facto que foi decisivo para, com os processos de jogo organizados. aproveitar as debilidades do adversário azul e branco. Em ângulo inverso, Peseiro não quis apostar na fórmula que aplicou com sucesso nas 2 últimas rondas do campeonato, culminando numa invenção que permitiu ao leão explorar as lacunas de Chidozie e Ángel para construirem os golos da vitória. Em suma, neste duelo de xadrez foi Jesus a superar Peseiro, num embate em que o verde coloriu estrategicamente o azul do Dragão.

Mister Peseiro, mudou porquê?

Para José Peseiro, receber o Sporting e vencer poderia resultar numa tábua de salvamento para permanecer nos destinos do dragão na próxima época. Ao apostar em Casillas, Maxi, Indi, Chidozie, Ángel, Danilo, Sérgio Oliveira, Herrera, Brahimi, Corona e Aboubakar, o treinador tentou fazer uma réplica do jogo na Luz, em que o Porto venceu por 1-2, mas o pecado de José esteve na abordagem táctica do 4-4-2 de Jesus e de Vitória. No xadrez de Jesus o ímpeto ofensivo é muito mais avassalador do que a maioria das equipas que enfrentam o dragão, e Peseiro poderia e devia ter sido fiel à estratégia que, por exemplo, resultou na goleada diante o Nacional.

Peseiro pecou na estratégia que imprimiu // Foto: fcporto.pt
Peseiro pecou na estratégia que imprimiu // Foto: fcporto.pt

O 11 do clássico do passado sábado evidenciou um bloco defensivo pouco coeso, que começa logo com a exclusão de Rúben Neves para a entrada de Chidozie. Com isto, Danilo Pereira avançou para o meio campo, deixando Chidozie e Indi entregues às feras Slimani e Teo. Uma das chaves do sucesso portista nas 2 últimas jornadas residiu na consistência defensiva que Danilo ofereceu ao último reduto azul e branco. Fazendo um pararelismo com o jogo com o Nacinal, faltou claramente o muro Danilo ao lado de Indi e, claro, faltou a excelência de Rúben Neves na luta do miolo. Com Danilo a médio frente ao Sporting o desgaste foi muito maior, ou seja, havia sempre necessidade para recuar para apoiar os centrais e num mesmo lance regressar para os duelos no miolo com William e Adrien.

Caso Peseiro jogasse com Danilo a central e Rúben Neves a trinco, a saída de jogo do Sporting por parte de Adrien teria sido dificultada, pelo que o dragão ganharia maior equilíbrio para construir jogadas com critério. É no mínimo estranho Peseiro ter dado a titularidade a Chidozie tanto tempo depois, e logo agora que Danilo se vinha a tornar o melhor central dos invictos. O próprio Indi piorou exibicionalmente no clássico, o que, perante Bryan Ruiz, Slimani, Teo e João Mário, se revelou desastroso. Para piorar a situação, o 4-2-3-1 de Peseiro pecou ainda na escolha dos laterais e extremos. Não quer dizer que Maxi, Ángel, Brahimi e Corona sejam maus jogadores, mas estrategicamente tratou-se de uma escolha letal para as ambições do Porto.

Maxi demonstrou carências defensivas que foram cruciais // Foto: fcporto.pt
Maxi demonstrou carências defensivas que foram cruciais // Foto: fcporto.pt

Em primeiro lugar, tanto Ángel como Maxi são conhecidos por subirem muito bem no terreno, ajudando a dinamizar o ataque, mas o problema esteve na carência posicional de ambos para pararem os endiabrados Bryan Ruiz e João Mário. No jogo frente ao Nacional estas debilidades foram disfarçadas porque os insulares não criaram embaraços nas alas, sendo ainda de realçar que Varela alinhou, e é um extremo forte no auxílio ao lateral. No clássico, para além do adversário ser mais forte, Peseiro colocou nas alas 2 extremos que raramente participam nas tarefas defensivas, o que por vezes resultou numa via verde para os velozes leões. Estas descompensações permitiram ao 4-4-2 leonino perfumar toda a sua criatividade sem que Peseiro tivesse atacado o cérebro do sistema de Jesus: a saída de jogo por Adrien e as subidas de Marvin e Schelloto.

Em suma, Peseiro não leu o jogo como devia, tendo uma espécie de amnésia que o fez esquecer que em jogos grandes até se pode ter toda a qualidade do mundo, mas se a organização do último reduto for débil, o desfecho fica longe de ser ouro sobre azul. Perante extremos e médios do calibre do Sporting dar um espaço que seja pode ser letal, e foi mesmo isso que ditou o resultado final. O leão soube rugir na altura certa sem que as chamas do dragão fossem intensas para bloquear o 1-3 final.

Herrera foi um autêntico vagabundo, baralhando as marcações leoninas // Foto: fcporto.pt
Herrera foi um autêntico vagabundo, baralhando as marcações leoninas // Foto: fcporto.pt

Apesar das lacunas, há um pormenor táctico que em algumas fases do jogo surpreendeu o Sporting: o posicionamento vagabundo de Herrera. O mexicano alternava a posição de médio com um falso avançado, fazendo tremer, por exemplo, o leão na 1ª parte quando Herrera, de um momento para o outro, mudava o 4-2-3-1 de Peseiro para um falso 4-4-2, em que o sul americano se encostava ao fixo Aboubakar. Esta estratégia resultou na 1ª etapa quando, num lance bem desenhado, Brahimi encontrou o selvagem Herrera, que na cara de Patrício viu o poste negar-lhe o golo. Esta movimentação do médio foi sem dúvida o ponto mais aliciante do xadrez de Peseiro, uma vez que Coates, William e Semedo demoraram até atinar com estas dinâmicas portistas.

As diferenças de maturidade tácticas entre dragões e leões são gritantes, e na 2ª parte nem mesmo Herrera impediu a velha raposa Jesus de retificar as marcações. Recordando as fábulas infantis no final da história, há sempre uma moral, e neste caso a história acabou em tragédia para Peseiro, pelo que existe uma lição simples a reter: por vezes mudar só por mudar atrapalha a dinâmica de trabalho que se constrói, ou seja, o leão foi astuto e limitou-se a caçar um dragão confuso de processos.

Jorge Jesus, a fidelidade táctica do verde esperança

Para o Sporting o clássico era determinante para manter a perseguição ao líder Benfica e, claro, nada melhor do que lançar os 11 leões mais rodados na 2ª volta da Liga NOS. Rui Patrício, Schelloto, Coates, Rúben Semedo, Marvin, William, Adrien, João Mário, Bryan Ruiz, Teo e Slimani, eis os 11 habituais peões no xadrez de Jesus. O técnico tinha no passado a mania ou a tara de mudar os processos em jogos grandes, estando ainda na memória o desastre de colocar David Luiz a lateral. Esta mania deu lugar ao pragmatismo e estrategicamente Jesus percebeu que, ao ser fiel aos seus princípios e ideias exploradas nos treinos, o jogo flui com maior equilíbrio e dinâmica.

Jorge Jesus soube ser fiel ao estilo de jogo que incutiu nos verde e brancos // Foto: Facebook do Sporting CP
Jorge  Jesus soube ser fiel ao estilo de jogo que incutiu nos leões // Foto: Facebook do Sporting CP

No clássico diante o Porto os leões só podiam ganhar, e o 4-4-2 do técnico perfumou o público com uma lição táctica que vale mais aplausos do que o túnel de João Mário antes do golo de Slimani. Para construir lances assim existem 2 factores fundamentais: em 1º lugar, espelhar em competição tudo o que desenvolve no treino, e em 2º lugar, explorar as lacunas do oponente a seu favor. No Dragão o xadrez verde e branco não surpreendeu porque foi visível para todos; mas uma coisa é observar o jogo, e outra é ter meios eficazes para o travar. O jogo leonino viveu muito do envolvimento dos laterais no ataque, da consistência dos médios na mudança do sector recuado para a frente e, claro, viveu também do talento e da astúcia dos 4 da frente.

Neste sistema de Jesus, Marvin e Schelloto estiveram incríveis, fazendo maratonas pelos flancos, o que derrubou o desorganizado bloco do dragão. Este envolvimento dos laterais era muitas vezes feito para o ataque, quando William e Adrien procuravam transportar a bola até aos dianteiros, o que em termos práticos resultou, por vezes, num ataque demolidor em que os 2 laterais, mais os 4 da frente, formavam um bloco temível de 6 jogadores nos últimos 30 metros. Este modelo só funciona porque Jesus trabalha muito a perda de bola, instruindo os seus jogadores a recuperarem posições rapidamente para evitarem serem surpreendidos em contra ofensivas que exponham os centrais.

O posicionamento de William foi um forte impulso para o ataque fulminante dos de Alvalade // Foto: Facebook do Sporting CP
O posicionamento de William foi um forte impulso para o ataque fulminante do Sporting // Foto: Facebook do Sporting CP

Na 1ª parte o único problema residiu na marcação a Herrera, que surgiu vagabundo em posições difíceis de prever. Na 2ª etapa, Rúben Semedo retificou posicionamentos e não deu uma nesga ao mexicano, sendo fácil concluir que ao intervalo Jesus apertou o cerco ao central para não deixar estrategicamente Herrera respirar.

Em suma, os mandamentos de Jesus são claríssimos: laterais móveis e fortes fisicamente, centrais altos e rápidos, médios inteligentes, extremos criativos e polivalentes e avançados dinâmicos e goleadores. Neste jogo em concreto, João Mário foi a chave para equilibrar a equipa porque, ao contrário do Porto, o Sporting sabia que para imprimir velocidade e criatividade tinha também de construir consistência nos restantes sectores.