E isto, diga-se com justiça, são triunfos, taças, campeonatos e glória. Ponto. As vitórias de Rui Vitória ao leme do Benfica são momentos históricos para a massa adepta encarnada (conquista do tretra, onde teve 50% de responsabilidade) e, apesar de, pessoalmente, nunca ter olhado para o técnico ribatejano como um tacticista superior, sempre notei nele uma apetência singular para a gestão psicológica e anímica do grupo de trabalho - um trunfo indispensável nos dias que correm. Mas, como os tempos têm provado, as suas qualidades enquanto gestor emocional (a nível colectivo e, acredito, a nível individual) não são acompanhadas, com igual tarimba, pelas suas capacidades tácticas.

Esta última fase sumariza a minha opinião - actual - de Rui Vitória. E nem o facto de ter vencido duas Ligas ao serviço das Águias me faz mudar de ideias; mudarei, sim, quando olhar para o estilo, estrutura e filosofia de jogo do Benfica e percepcionar mecanismos colectivos que tornem mais eficiente, sistematizado e apoiado o futebol encarnado. Porque, após dois anos volvidos, é difícil negar que a equipa da Luz viveu essencialmente dos méritos de gestão do seu treinador (rotatividade, aposta em jovens para lugar vitais e discurso lúcido e agregador) e dos muitos craques oferecidos pela administração. 

Mas, perguntar-se-ia: e é pouco? Não será suficiente? Não, está longe de ser pouco (o mérito é devido e teve correspondência nos títulos) e será sempre suficiente, desde que os triunfos cheguem. Mas, o que trago neste artigo à colacção é a necessidade, dois anos de evolução já tragados, de dar um novo passo no progresso de um Benfica que continua a ter recursos mais que suficientes para elevar a fasquia qualitativa do seu futebol. Com a quantidade de jogadores talentosos que possuiu à sua disposição, Vitória continua estagnado em termos tácticos, empenando uma equipa que poderia ser mais sustentável, mais dominadora e mais resoluta. Falo, enfim, da urgência da constante persecucção da perfeição - sempre inatingível, mas merecedora dessa ilusão.

Este Benfica vence, mas ainda pode tornar-se atraente (no sentido colectivo)

O 4-4-2 herdado de Jesus manteve o seu reinado na Luz mas foi perdendo as dinâmicas complexas deixadas pelo experiente treinador (também ele um estratega  táctico volátil e incongruente). Hoje, o Benfica, apesar de dominador na cena nacional, está longe de apresentar uma fluência técnico-táctica que impressione. A pré-época - quase trágica -  apenas tem realçado essa pecha. A irracional verticalidade dos extremos, a falta de jogo interior, a ausência de apoios tácticos, a falta de de versatilidade no ataque, as inexistentes diagonais dos laterais e o espaçamento entre sectores são algumas das ineficientes directrizes que pautam o jogo encarnado. E, pelo que se tem visto, estão longe de deixarem de ser úteis na óptica de Vitória.

Rui Vitória é um treinador jovem e tem ainda imensa margem para evoluir, mas terá de se apressar para não ser apanhado em falso nos tempos que aí vêm. Para já, parece-me estagnado em termos tácticos, apoiando-se (ainda) num modelo de jogo individualista, desagregado e, por vezes, precário. A incapacidade de compreender a mais-valia de um sistema táctico mais unificador (onde o miolo ganha consideração e as faixas são usadas apenas como isco cinético) e a versatilidade que nele deve imperar (veja-se a fugaz utilização de um elemento combativo e todo-o-terreno como Jiménez), tornam o futebol do Benfica frágil, susceptível de quebrar à mínima dificuldade.

Após 4 anos de sucesso, estará o Benfica refastelado, à sombra dos triunfos?

O Benfica pode e deve melhorar. Até porque, tem-se denotado nas últimas semanas, Porto e Sporting vêm consolidando modelos de jogo mais afiados, mais elouquentes e mais sólidos. Serão esses modelos um garante de sucesso? Não. Mas caso consigam apresentar um futebol sistematizado, flexível e sustentado (ou seja, pouco atreito a desintegrações tácticas), os rivais das Águias poderão ser os competidores que durante muito tempo não conseguiram ser - sejamos sinceros, o futebol de Lopetegui ou de Espírito Santo esteve longe de ser temível, regular e confiante, ao passo que, no Sporting, a inconstância apresentada (recorde-se que os Leões estiveram a dominar a Liga 2015/2016 com 7 pontos de avanço) se deve mais à volatilidade da gestão do seu próprio treinador (suponho eu).

Com Conceição, o Porto efectuou uma pré-época pacata e humilde, mas o trabalho táctico já parece avançado. Largura a toda a prova, mais movimentação interior na linha intermediária do campo e duas montanhas na frente: árduos, esforçados, possantes e voluntariosos, Aboubakar e Soares formam uma dupla tremendamente combativa, capaz de dar largura, velocidade, dinâmica e profundidade ao ataque portista. Um rápido vislumbre pelos jogos de pré-época dos Dragões mostra um Porto mais furtivo, mais invasor, mais maleável mas também mais coeso. É certo que grande parte dos adversários foram presas algo imberbes, mas a verdade é que os automatismos parece estar a ser assimilados rapidamente.

Quanto ao Sporting, também se vão vislumbrados progressos tácticos (com as faixas a serem corredores mortíferos), mas o que mais chama a atenção são as céleres e efectivas adaptações de jogadores como Bruno Fernandes, Podence (a novas posições mais ofensivas) ou Marcos Acuña (penetra com facilidade na área do oponente). Mais frágil está o seu processo defensivo, onde as laterais continuam a ser uma dor de cabeça e a metamorfose para o 3-4-3 ainda uma ideia sem materialização. Transformar-se-á o Sporting a tempo de arrancar a época a todo o gás (a passagem à fase final da Liga dos Campeões é fundamental para os cofres leoninos) ou retornará ao 4-4-2 habitual desenhado por Jorge Jesus?

As (muitas) incertezas e as (poucas) adições

Voltando ao Benfica, a sua época 2017/2018 não se afigura pêra doce, dado os constrangimentos defensivos (perda, de uma assentada, de 3 jogadores titulares do sector) e aquilo que pressinto ser a competitividade - a três - mais arreigada dos últimos anos. Sem um bastião defensivo nas redes (Varela não é Ederson e César está longe do Júlio de outros tempos), sem um lateral ultra-dinâmico e ofensivo como Nélson Semedo (que adiciona capacidade de perfuração) e com um núcleo fragilizado (Luisão caminha para os 38, Jardel vem de uma época plena de lesões e Lisandro ainda tenta convencer), o Benfica precisará de se regenerar rapidamente para fazer face a um arranque de Liga espinhoso.

Para a história da pré-época ficam muitas dúvidas (Willock integrará o plantel? Varela será alternativa credível a Júlio César? Lisandro ou Dias alternativas a Jardel? Quem poderá render Pizzi?) mas também se vão formando certezas: Felipe Augusto não tem, a meu ver, qualidade para integrar o plantel das Águias, sendo um descalabro (a trinco) e uma opção medíocre a «box-to-box»; Carrillo também não possui qualidade para ser opção para Vitória, ainda para mais dada a concorrência para as alas; Hermes e Pedro Pereira são outros que fazem parte do lote dos dispensáveis. Pela positiva, pouco: Seferovic mostrou ter traquejo para entrar no onze, ao passo que Krovinovic ainda não teve tempo de se mostrar.

Rafa: o 'flop' mais dispendioso do milénio?

A pergunta poderá parecer inflamadora, mas repete-se na minha mente sempre que associo o valor gasto pelo Benfica no negócio às exibições do jovem ala. Até ver, Rafa apenas confirmou estar longe do nível demonstrado no SC Braga (já lá vai um ano de Benfica...) e tarda em assumir um estatuto de mais-valia. Alheado do jogo, hesitante e incerto nas decisões, a inconsequência de Rafa, aliada à sua gritante incapacidade de finalização, parecem indicar que talvez o jovem extremo não esteja preparado para actuar numa equipa que actua em constante ataque organizado - será Rafa um jogador de contra-ataque? Certo é que Cervi, Zivkovic e Salvio (cada um com as suas valências particulares) partem - no meu entender - à frente do português. 

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