Um narrador que coleciona jogos marcantes, recorde de audiência e carinho popular. Pra quem não é chegado ao mundo tecnológico, estes atributos podem remeter a um profissional da área do esporte, como o histórico Galvão Bueno.

No entanto, na plataforma da Twitch, o brasileiro Bernardo “BiDa” Moura é reconhecido por mais de 300 mil pessoas inscritas em seu canal com suas transmissões profissionais de partidas de Counter Strike Global Offensive, um dos jogos mais destacados dos esportes eletrônicos, os famosos eSports.

Em entrevista exclusiva à VAVEL Brasil, BiDa falou sobre o início de sua trajetória, a diferença de narrar os games, a aceitação popular e o atual cenário das companhias e das streams brasileiras no CS:GO.

O início da trajetória nos "games" e como narrador e as diferenças da narração de esportes eletrônicos

 

Como começou sua relação com os eSports e com o Counter Strike propriamente dito? E qual foi sua primeira aparição profissional em cima do game? Já começou como narrador ou comentando algum jogo?

A minha relação com os eSports começou tarde. Eu já jogo o jogo (Counter Strike) há muitos anos, e outros jogos que também são fortes nos eSports, mas nunca tive essa vontade tão grande de competir, ou assistir às competições. Foi só na faculdade, que teve um campeonato chamado 'Jogos Sedentários', eram vários campeonatinhos que tinham truco, sinuca, FIFA, enfim... tinham vários jogos diferentes que a galera jogava, e um deles era o Counter Strike, foi a primeira vez que foi Counter Strike. E eu já tinha competido no CS junto com meus amigos, com a galera da minha cidade, mas era tipo campeonatinho do bairro, da cidade, então eu perdia e não ficava preocupado. Eu era bom e tinha meu grupo de amigos, mas não me importava muito em tentar entender isso mundialmente falando.

Quando eu joguei esse campeonato da faculdade e perdi feio, comecei a ficar um pouco mais frustrado. 'Como assim eu perdi né cara, eu sou bom nisso aqui, não deveria ter perdido', então eu comecei a estudar um pouco mais, isso foi em 2011/2012, foi quando eu voltei a jogar CS 1.6 pra jogar esse campeonato, perdi e fiquei muito 'mordido'. Depois disso, comecei a acessar mais, conheci as streams , conheci um pouco mais dos campeonatos pra realmente aprender o que fiz de errado, comecei a me dedicar um pouco mais, pra se tivesse outro campeonato eu ir melhor. Mas acabou que não teve nenhum outro campeonato e esse foi o rumo que a minha vida seguiu. 

Minha história começa como um cara que gosta muito do jogo e quer fazer o jogo funcionar. Em 2012 voltei a jogar o Counter Strike assiduamente e conheci o CS:GO (nova versão do game) no finalzinho do beta. Comecei a jogar e não gostei inicialmente do jogo, mas pouco tempo depois me apaixonei. Queria muito que o jogo crescesse, comecei a fazer o máximo pra poder divulgar mais. Minha ideia era mandar mensagens pras streams, pra jogarem CS:GO. Com o tempo eles (streamers) tiveram que migrar, porque o CS.16 foi acabando, e com o tempo fui me envolvendo com eles, sendo aluno da Games Academy (organização criada pelo streamer e proplayer FalleN) e tive uma ideia de começar a criar contéudo também pro cenário. A minha ideia era divulgar mais o CS para as pessoas ensinando elas ideias, macetes e truques bons.

Então foram passos: primeiro divulgando nas streams, depois chamando pros vídeos e depois comecei a ajudar nas transmissões. Naquela época o FalleN era o único narrador que tínhamos em atividade no Brasil e precisava de alguém pra ser comentarista, pra falar besteira enquanto ele bebia água praticamente. Então ele 'tava' bebendo uma águinha e eu 'tava' lá enchendo linguiça. Só 'tava' ajudando o FalleN, e aí eu imaginei que poderia fazer a narração pra ajudar ainda mais o FalleN e poder trazer ainda mais campeonatos pro público brasileiro. Comecei completamente cru, tranquei a faculdade pra fazer isso 'full time', mas não era profissão, não era um negócio que eu ganhava dinheiro. Só ganhei dinheiro com o jogo em 2016, que começou a vir televisão. 2016 que começou a virar uma profissão em si.

A primeira vez que narrei foi muito por acaso. Era um campeonato 'Major', o primeiro da história do CS:GO. Falei 'FalleN, a gente tem que transmitir esse campeonato'. Começava as 5 da manhã no Brasil. Eu dormi e me programei, acordei cedo e o FalleN acabou não dormindo. Ele narrou o primeiro jogo, o segundo, o terceiro... depois ele falou: 'Cara, não aguento mais. Assume o PC aí, narra no meu lugar enquanto vou descansar um pouquinho'. E foi ali que começou, meio no susto.

Gostaria que explicasse, para o público que está acostumado com narrações esportivas, a maior diferença de narrar os eSports.

As pessoas que assistem os esportes tradicionais estão acostumadas a acompanhar, já devem ter jogado algum dia na sua época, então é a mesma paixão, a mesma coisa. Só muda realmente muitas vezes a faixa etária, mas a paixão pelo esporte ainda continua igual. Talvez a forma de linguagem, a maneira de falar com o público. A pessoa que assiste uma transmissão de esporte tradicional deve estar acostumada a assistir em um rádio ou em uma televisão, enquanto os eSports tem muitas coisas de internet, às vezes tem o contato direto (com o público), você pode responder as mensagens do chat, interagir com a pessoa por um hashtag do Twitter, então é um pouco mais pessoal realmente, e obviamente mais casual do que uma narração profissional que tem que ser extremamente rígida. Também não é muita técnica minha narração, como falei nunca estudei isso, foi algo que aconteceu por acaso e tudo que sei de narração é baseado no que aprendi com muitos e muitos anos de prática nesse meio. 

Aceitação, preconceitos e democratização dos 'games'

 

Você pegou justamente a crescente gigantesca do cenário dos eSports e da aceitação popular com a categoria. Pra você, o que ainda resta pra que se iguale ao amor nacional por um esporte, como o futebol, por exemplo, e quais os preconceitos sofridos pelos membros da categoria por ser algo eletrônico e moderno?

Acho que o futebol é um esporte, um amor nacional, por vários motivos. Primeiro porque é uma coisa muito simples, todo mundo têm acesso a jogar. Você faz uma bola com meias, bota um chinelo em cada lado ali e já tem um gol, uma trave, já pode se divertir. Então o futebol é muito fácil de se fazer de alguma maneira e obviamente a gente teve sucesso no passado com grandes equipes, isso tudo faz com que o futebol cresça bastante.

Acho que o esporte eletrônico tem essas barreiras de você primeiro aceitar que uma pessoa sentada na frente do computador pode ser um atleta, isso pode ser complicado pra muita gente. Quando você pensa em atleta, você pensa no cara correndo, o cara pulando barreira, o cara suando, mas muitas vezes não pensa o que o cara precisa ter. O psicológico, o treinamento que ele teve, horas e horas de dedicação pra fazer o trabalho dele melhor, então é difícil de quebrar esse paradigma. Não é só o cara que fica suando o dia inteiro que precisa ser considerado um atleta. 

Para você ter um amor nacional como um esporte tradicional é difícil demais porque a barreira de você ter que comprar as coisas complica bastante. O Garena Free Fire, por exemplo, é um dos jogos que vai ter mais facilidade com isso, de ser realmente um amor nacional, porque é algo muito fácil para todas as comunidades. Todo mundo tem um celular hoje em dia, e qualquer celular praticamente tá rodando Free Fire. Enquanto no CS:GO você precisa ter um computador, um mouse, um teclado, um monitor, fone de ouvido... então jogos de computador nunca vão ser tão fáceis de acessar quanto os jogos mobiles. Acho que vamos ter os jogos mobiles mais facilmente entrando nessa categoria do que os jogos de computador.

Companhias brasileiras no Counter Strike

 

Falando até particularmente como fã do cenário, você foi a voz marcante de uma conquista de Major (a "Copa do Mundo" do Counter Strike) da SK Gaming, companhia que apostou em brasileiros por um período. Atualmente, com a transição pra MIBR e agora a saída de alguns players, os “brazucas” não vem conquistando tanto no CS:GO. Na sua opinião, o que falta pra que os times que predominam brasileiros engatem totalmente e igualem uma hegemonia como a da SK Gaming?

A Fúria está chegando na possibilidade de um topo mundial, mas pra igualar uma hegemonia como a da SK Gaming realmente é algo muito difícil. Quantas equipes no Mundo conseguiram dominar o cenário como fez a SK? A gente teve a NIP no início, a gente teve a Astralis recentemente, a Fanatics por um tempo, mas não é todo momento que a gente vai ter uma equipe dominando o Mundo. Muita gente me perguntava: 'Você acha que algum dia a gente vai ter de novo um time brasileiro no top1 mundial?', eu falei 'cara, possivelmente não, porque é difícil demais'. Todo mundo tem que estar dando seu melhor todos os dias, então eu não acho que seja algo obrigatório a gente ter um time brasileiro, uma hora ou outra, dominando o Mundo. Mas obviamente os times estão se esforçando pra chegar lá e a Fúria é o clube mais perto nesse momento pra poder chegar ao topo. 2020 foi um ano complicadíssimo pra todo mundo, por causa das restrições de viagem, deu uma freada brusca, mas acho que os brasileiros continuam com essa chance de chegar ao topo do Mundo sem dúvidas.

Novos streamers/narradores de Counter Strike

 

Você coleciona números impressionantes na Twitch e sem dúvidas é uma das maiores vozes das transmissões nacionais e internacionais do Counter Strike. Agora, outros nomes surgem, como o do Gaules, por exemplo, que se popularizou dentro das transmissões do game, mesmo não tendo um estilo muito narrador. Como você enxerga esse cenário?

A pegada do Gaules, a maneira como ele transmite as partidas, com menos narração e muito mais torcida, uma conversa onde duas pessoas estão no bar assistindo juntas, que é uma pegada bem diferente, me surpreendeu por ser tão popular. A galera gosta demais, o Gaules é um cara inteligente demais, também consegue fazer vários paralelos com toda a experiência que ele já teve dentro do cenário do CS. Acho muito legal que ele tenha conseguido reinventar. Eu fico triste quando a gente não tem uma possibilidade de ter uma transmissão/narração tradicional porque é o que eu to acostumado e o que eu prefiro também, então quando não tem nenhum tipo eu fico muito chateado, mas quando tem pelo menos alguma coisinha, quando são duas streams diferentes eu já fico um pouco mais tranquilo.

Os trechos acima foram selecionados de algumas partes das respostas dadas pelo entrevistado. Confira as respostas completas no vídeo abaixo:

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