O jogo era de incógnitas, assim como a formação que o visionário Pep Guardiola escolheria para enfrentar o melhor time do mundo em 2015 - que tem a sua marca, apesar de estar cada vez mais ganhando a assinatura do outrora contestado Luis Enrique. No final das contas, isso não importou; a movimentação e as mudanças provisórias no posicionamento dos jogadores foi tão grande que era difícil cravar, nos famosos números, a disposição tática de cada equipe - principalmente dos alemães.

Para conter um dos ataques mais completos da história, a intenção do Bayern foi arriscada e algo nunca visto no Camp Nou. O propósito era ter superioridade no meio, com Lahm e Xabi Alonso formando um duplo pivote enquanto Bernat (esq.) e Thiago (dir.) alternavam entre alas, contendo as desicidas de Alves e Alba - este com menor frequência - e interiores, quando se alinhavam à Schweinsteiger, que fechava o quinteto central atrás de Müller e Lewandowski. Como feito diante do Dortmund, Pep escalou Rafinha como zagueiro pela esquerda, ao lado de Boateng e Benatia.

As corridas sem bola de Rakitic e consequentes recuos de Messi, porém, fizeram com que o brasileiro parecesse um perdido e também vulnerável: a pressão alta foi a mesma de sempre e muitas vezes o trio MSN ficava no 3v3 com a defesa adversária. Tridente que, ao contrário do habitual, não recebeu um ‘tratamento especial’, marcação dupla etc. Ao invés disso, homem a homem, o famoso mano a mano. Pep é provavelmente o único técnico do mundo com tal coragem.

Nos primeiros 20 minutos, vimos uma marcação no melhor estilo Bielsa, talvez o maior professor da escola moderna do futebol total (Sampaoli, Pochettino, Berizzo, etc.). Abandonando o encaixe individual por zona, “cada um colou em um” e a pressão era altíssima, tendo a linha de defesa praticamente no círculo central e deixando espaço para a ligação direta para os atacantes dos anfitriões.

Messi e Suárez, principalmente, estavam gostando da ideia e Neuer foi gigante para evitar um gol precoce; Rafinha também, na finalização de Neymar. A saída curta dos espanhois foi anulada com relativos sucesso, mas o jogo vertical de Luis Enrique rendia frutos com razoável facilidade.

Guardiola se deu conta do erro e voltou, parcialmente, ao ‘normal’. Linha de 4 atrás, Rafinha naturalmente na lateral direita e Bernat no lado oposto, atrás de um diamante central com Schweinsteiger na função de parar o motor do adversário, Sergio Busquets. O espanhol, porém, mais uma vez se provou resistente à pressão e controlou a partida do jeito que estamos acostumados a ver.

Müller e Lewandowski, conhecidos por seus feitos dentro da área, muitas vezes se distanciaram dela: para conter as investidas ofensivas de Alba e Dani Alves, foram direcionados aos flancos e deixaram o centro livre. Formações mais estruturadas, jogo mais calmo e estudado por ambas as partes. Menos riscos, mais jogadas trabalhadas. O Barcelona, entretanto, no seu imutável 433, continuou sendo mais perigoso.

Nos primeiros minutos do segundo tempo o Bayern apresentou seu melhor futebol na noite. Com maior participação de Thiago (que até então estava sendo completamente anulado por Iniesta e até mesmo Neymar, que teve boa participação defensiva), a articulação por todas as zonas do campo foi melhor e chances extremamente claras só não foram criadas pela ótima performance de Piqué, Mascherano e Alba, principalmente. Alves também fez desarmes no seu campo, mas foi com a bola que brilhou em uma atuação que pode ter garantido a renovação de seu contrato.

Junto com o incansável Rakitic, passou a dominar completamente o lado direito e, com movimentações intercaladas entre halfspace* e lateral, ocuparam boa parte da marcação dos bávaros e, como consequência, Messi foi ‘liberado’ e fez seu trabalho magistralmente. O mapa posicional do confronto é a prova disso, com o foco defensivo do rival em tal parte do gramado. Eram 6 (7, para fazer jus à excentricidade e a influência de Manuel Neuer - foram 31 passes durante os 90 minutos, mais que Lewandowski [19], Müller [26] e Suárez [2]) peças do lado esquerdo em comparação a 4 na direita.

Em 5 minutos, com exibição tática, técnica e até mesmo psicológica (com o baque do primeiro gol, o segundo contou com um oponente desestabilizado e foi o ‘golpe final’), os donos da casa mostraram o porquê de todo o hype e o temor para com eles novamente. Os comandados de Pep ainda tiveram força - e necessidade - para atacar descontroladamente, o que Busquets e companhia trataram com maestria e possibilitaram o nocaute com a síntese desse sensacional conjunto: Suárez brigou (e ganhou), Lionel preparou e Neymar definiu. Reviravoltas históricas são parte do futebol, mas tudo leva a crer que os culés agora só aguardam a definição da outra semifinal. E, com Messi mais completo do que nunca, estão a caminho da tríplice coroa.

*Halfspace: os dois espaços entre o centro do campo e as laterais. Oferece campo de visão privilegiado e uma marcação frágil para quem se posiciona neles. O termo vem do alemão Halbraum (tradução livre: metade do espaço/semi espaço) e vem sendo utilizado por treinadores importantes e em cursos da Federação Alemã.

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