O tempo mudou. Não poderei levar meu filho ao estádio para subir as arquibancadas, cantar a plenos pulmões e se maravilhar com faixas e bandeiras e descobrir a essência, a paixão e o amor pelo futebol. Não, não poderei mostrá-lo isso como meu pai me mostrou.

Pelas influências que receberá, meu filho vai vivenciar a essência, a paixão e o amor pelo melhor esporte do mundo, é claro. Ele será um apaixonado como eu, como você, como meu pai. Mas, tão claro quanto tudo isso é que seu primeiro contato não será com um estádio, mas sim com uma arena, um teatro. Ao contrário do meu filho, outras crianças, muitas outras, não assistirão a essência, mas sim um entretenimento, um verdadeiro entretenimento em um teatro.

Claro, a evolução tem que acontecer. É melhor um banheiro limpo, um local organizado, cadeiras numeradas e comodidade. Mas será mesmo que para isso é necessário matar a tradição? É necessário o fim da geral e das arquibancadas? É necessário o aumento absurdo dos preços dos ingressos, que afastam os torcedores dos estádios que agora são teatros?

É óbvio que não. É possível que as realidades coexistam como na Alemanha, onde os torcedores do Borussia Dortmund - finalista da Uefa Champions League - por exemplo, podem ficar de pé na muralha amarela, na tribuna sul do Westfalenstadion, cantando, pulando, gritando e agitando bandeiras com outros 25 mil apaixonados, e também podem ficar sentados nas cadeiras numeradas. Obviamente não comparo as diferenças econômicas e culturais dos países, mas é possível, totalmente possível, que a modernização aconteça sem agredir a essência e a tradição.

É triste, muito triste, ver que as corruptas Fifa e CBF estão acabando não só com a essência do futebol brasileiro, mas também com a essência do torcedor brasileiro. Além dos teatros, as "entidades" querem empurrar goela do povo abaixo, as caxirolas, uma mudança de torcedores para expectadores e até troca de nomes de estádios, como o querido Mané Garrincha. Lamentável e, como já explicado, totalmente evitável.

Ainda mais triste é ver que, como se não bastassem a morte da tradição, os elefantes brancos que surgirão em várias sedes, corrupções e imposições, o país não está melhorando. Nem a estúpida desculpa de avançar pela Copa foi usada. Nossa saúde pública, nossa política, nossa segurança, nossas cidades, nossas estradas, tudo, tudo continua de mal a pior.

Será um desafio, um verdadeiro desafio, e dos grandes, explicar tudo isso ao meu filho e depois fazê-lo sorrir com o futebol, estádios, realidade social e problemas que irão acompanhá-lo sempre, durante todos os dias de sua vida.