No último dia 26, a Suprema Corte norte-americana legalizou o casamento entre duas pessoas do mesmo sexo, uma vez que a constituição dos Estados Unidos a aprova. “A decisão comprova o que já era uma convicção para milhões de cidadãos: quando a lei trata todos de uma forma igual, todos são mais livres” disse o presidente norte-americano, Barack Obama, após o anúncio.

Já no mundo do futebol, em maio deste ano, a "Camisa 12", torcida organizada de um dos mais populares clubes de nosso país, o Corinthians, foi condenada pela Secretaria de Estado da Justiça e da Defesa da Cidadania de São Paulo a pagar uma multa de 20 mil reais, devido aos atos homofóbicos realizados em 2013 contra o então atacante corinthiano,Emerson Sheik, após este postar nas redes sociais uma foto na qual beijava um amigo. 

Mais recentemente, no último e decisivo jogo da fase de grupos da Libertadores entre São Paulo e Corinthians no Estádio do Morumbi, quando o mesmo Sheik foi expulso após falta no zagueiro Rafael Tolói, ouviu-se berros de "Beijoqueiro" vindo das arquibancadas são-paulinas. Na mesma partida, ouviu-se também um grito de "Bicha" toda a vez que o goleiro rival, Cássio, cobrava um tiro de meta. 

Ações como essas, somente evidenciam que, apesar dos avanços, nossa sociedade ainda vive com um pé atrás no passado. "Os estádios não são bolhas dentro de uma cidade, nada do que acontece lá dentro está desconectado da lógica que predomina e orienta as vidas das pessoas do lado de fora. O cidadão que senta lá e grita que tal jogador é viado, que grita que o adversário é viado, que odeia ser chamado de viado, provavelmente não é um cara que, logo que sair, vai defender os direitos LGTB e ponderar sobre a violência a que as minorias estão submetidas." Assim afirmam os fundadores de uma das mais importantes torcidas organizadas gays do Brasil, a Bambi Tricolor

Torcidas deste cunho tem como principal objetivo a conscientização dentro dos estádios, que ainda hoje continuam sendo majoritariamente ocupados pelo público masculino."Culturalmente, os estádios cultuam a virilidade e certos jargões depreciativos, quando incitam xingamentos, por exemplo. Sendo a performance o ponto principal, acredito que nos estádios o que está mais em evidência não é a orientação sexual, mas sua identidade de gênero, sendo homem, você deve ser uma pessoa masculina, se vestir enquanto tal, da mesma forma que se prescreve a aparência para as mulheres." afirma um dos líderes da torcida do Paysandu, a Papão Livre.

Desse modo, o público acaba inibindo as minorias que gostariam de frequentar esses espaços, devido não só ao medo, mas também à frequente discriminação sofrida. "O machismo ainda persiste, infelizmente. E no futebol há um ponto de vazão que deixa tudo muito claro, quando os torcedores se sentem à vontade para depreciar o adversário sem se tocar que usam de artifícios machistas e homofóbicos. Por exemplo, sabemos que é comum os árbitros de futebol comprometerem o resultado das partidas. Quando isso acontece, a torcida do time favorecido pode soltar um: "Tá reclamando? vai lá na delegacia da mulher"! Isso demonstra que o tom de rivalidade (normal de futebol) é reificado por imagens em que o masculino sempre é posto como o dominante, e o perdedor associado à figura feminina. Outro exemplo, certa vez vi um cofre em que eram dois porquinhos, insinuando o coito, sendo que os porquinhos estavam pintados com as cores de torcidas diferentes, o porquinho ativo e o porquinho passivo na relação, sendo eles de torcidas rivais. Obviamente não se trata de celebrar a relação, mas de dizer que o "ativo" estaria em posição superior e o "passivo" em uma relação inferior. Peter Fry (sociólogo) demonstrou muito bem o quanto no Brasil essa relação de ativo e passivo, que tem origem no homem penetrador e dominante e na mulher penetrada e dominada, também influenciou a ótica das relações homossexuais. O fato é que culturalmente são imagens que demonstram o quanto ainda estamos arraigados de uma cultura machista. Recentemente o Eurico Miranda declarou que tolera gays, mas não tolera viados no Vasco! Ora, ele quer dizer que você pode ser gay sim, mas não saia do armário, não dê pinta, seja masculino etc. E muitos gays cultuam o "ser masculino"! E fora que o futebol feminino ainda luta por reconhecimento. Estou ansioso para conferir o próximo jogo do FIFA, que pela primeira vez vai ter futebol feminino. Acho que são medidas válidas para desconstruir essa cultura machista." completa a torcida do Papão.

Por isso, a fim de que no futuro possamos ter estádios nos quais a tolerância seja maior, é necessário que torcidas que lutem por essa causa ganhem espaço e importância no cenário nacional. Como é o caso da Galo Queer, a pioneira nesse ramo aqui no Brasil. "Depois que comecei a estudar gênero e feminismo, se tornou insuportável ir ao estádio e ouvir a torcida inteira gritando coisas machistas e homofóbicas, achei importante então romper o silêncio acerca desse tema e criei a página da Galo Queer. Jamais achei que teria tanta aceitação, mas aparentemente a página deu vazão a uma demanda reprimida." admite Nathalia Duarte, fundadora da torcida do Atlético-MG e completou"Esperamos um dia poder ir ao estádio enquanto torcida queer, pois hoje infelizmente não é possível. Mas temos esperança de que isso vai mudar. Só o fato de termos rompido o tabu em torno das práticas discriminatórias dentro do futebol, já demos um importante passo para construir uma sociedade justa e igualitária."