Da história nada se apaga. 26 de agosto de 1914. Do sonho dos italianos começava ser escrita a história de um gigante. Pequenos italianos, jovens de corpo e alma, mas com planos de gente grande. Tinham o sonho de fundar um grande clube para os italianos. Eram meados do fim da província da cidade de São Paulo, que tomava a fisionomia de cidade grande e seria o berço de uma linda história. Os responsáveis? Luigi Cervo, Luigi Marzo, Vincenzo Ragognetti e Ezequiel Simone.

Tarde da noite, depois de uma alvoroçada e barulhenta discussão,um ato de coragem de Vincenzo Ragognetti rebentou os primeiros passos do que se tornaria a realidade do sonho. As palavras? Bem...

"Aqui viemos, meu grupo e eu, para fundar uma sociedade de futebol. Futebol entendem? Vocês só falam em clube de danças, de representação de peças teatrais pelos seus "filo dramáticos", e nem ligam para o futebol. Ou vocês acatam a idéia de tratar TAMBÉM de futebol, ou eu e meu grupo abandonamos o recinto!", bradou o jovem.

Uma voz se ascendeu do outro lado do salão. Luigi Cervo, com seu jeito impetuoso, se mostrou a favor do companheiro: "Ou vinga a idéia de Ragognetti ou eu e o grupo dos Matarazzo vamos embora!".

Eram moços ansiados pela vontade de ser e ter algo grande. Mal sabiam que seriam responsáveis por uma das maiores histórias do futebol. E então houve silêncio no salão. Depois de uma série de discursos com teores nervosos, vozes gaguejando e se enrolando nas própias palavras, a ideia dos garotos foi aprovada.

Após uma busca incessante, encontraram um terreno baldio na Vila Mariana. Grama? Inexistente. As traves? Menos ainda. O que servia de marcação eram as roupas, fixadas com tijolos em cima delas para que não fossem levadas com o vento. O que tinha de sobra para eles era apenas um punhado de poeira a cada passada e a cada chute. E claro, a ânsia de um sonho sendo realizado. Mas só o começo.

Quinze de um lado, dezoito de outro e lá foram eles, todos correndo atrás da bola, comprada com uma arrecadação entre o grupo de Ragognetti, da rua Santa Efigenia, e o grupo do Cervo, empregados do Matarazzo.

A junção de vozes ansiadas era constante. Vincenzo, com pose de centroavante e capitão do time, era o que mais gritava e menos jogava. No fim, Jorge Giannetti (fundador do clube e Sócio nº 1 do Palmeiras, até a sua morte) na ala direita, pegou a bola, parou o jogo, e com a sua serenidade irreal, bravejou: "Ou você para de berrar e joga futebol, ou eu me retiro com bola e tudo!". E a peleja, sem controle de tempo algum, perdurou até o meio-dia.

Desta simbólica e inerente partida, sem muitas regras, técnicas ou qualidades, surgiu o sonho mais belo que um quarteto de moços poderiam ter. Do sonho dos italianos, nasceu. Nunca desistiu, mesmo com tanta perseguição. Cobriu-se de verde e branco. Como Palestra Itália eternizou-se. Hoje é Palmeiras. O sonho de quatro jovens em 1914 tornou-se a realidade de inúmeros outros. Jovens, velhos, homens, mulheres. De todos os tipos, de todas as cores, mas do mesmo amor. Do mesmo verde, do mesmo branco. Do mesmo Palmeiras, do sonho dos italianos.

"26 de agosto de 1914... Éramos moços, quase adolescentes, e gostávamos de sonhar um grande clube para os italianos... São Paulo abandonava as vestimentas de província e tomava a fisionomia de grande cidade... No campo baldio de Vila Mariana, içamos, com fé e entusiasmo, o pavilhão do Palestra Italia, esta Sociedade, que hoje é uma das maiores do mundo... Ave, Palestra Italia! Salve, Sociedade Esportiva Palmeiras!".

De Vincenzo Ragognetti para todos os corações palestrinos, palmeirenses, palmeiristas. Para todos nós.