A prática esportiva sempre pôde ser realizada pelos dois sexos. Mas nem sempre foi assim. Em certo período histórico, mulher e esporte não caminharam juntos. Na Grécia antiga, dizia-se que as mulheres ficariam com o corpo masculinizado e não conseguiriam realizar o esporte, devido a seu físico. Até o fim do século XIX, era notória a quantidade mínima no esporte. Hoje em dia, ainda se percebe a falta do sexo feminino em algumas modalidades.

Mas assim como o preconceito em relação às mulheres no esporte é antigo, também não é de agora a luta para a inclusão delas neste universo. Alice Melliat, francesa, foi uma das pioneiras na época. Em 1900, ela e mais dez mulheres foram para a França, mais especificamente em Paris, para participarem da Primeira Edição dos Jogos Olímpicos da Era Moderna.

De lá para cá, outras mulheres surgiram no esporte, em modalidades em que só havia homens. O surfe, hoje um esporte olímpico, é uma delas. A atleta Jacqueline Silva, 38 anos, de Florianópolis, que começou no esporte em 1989, começou ainda criança a domar as ondas. "As mulheres são tão boas quanto os homens no que elas fazem ou se propõem a fazer. A inclusão da mulher no surf é notória. Eu vejo isso com muita clareza, porque quando comecei, eu tinha que competir com os homens e quando eu surfava, era a única mulher na água, ao contrário de hoje", relata Jacqueline.

Jacqueline Siva competindo no Brasileiro de Surf profissional em 2015 em Ubatuba. Foto: Aleko Stergiou
Jacqueline Siva competindo no Brasileiro de Surf profissional em 2015 em Ubatuba. Foto: Aleko Stergiou

 

Segundo a psicóloga esportiva, Adriana Lacerda, que possuí uma vasta experiência na área, no mercado desde 1988, há quase 18 anos na carreira esportiva. Nos seus 41 anos, já trabalhou com o clube de regatas do Flamengo no futebol feminino, com equipe de Judô da seleção Brasileira até a Rio 2016 e com a equipe do nado sincronizado até 2016 também. “As Olimpíadas dos tempos modernos, existia ainda uma restrição das mulheres que podiam assistir a determinadas modalidades, praticar muito menos, então essas barreiras aos poucos foram sendo quebradas com mulheres que brigavam pelo seu espaço”.

A jogadora de vôlei Fabi, 38 anos, que fez história na seleção Brasileira e foi medalhista olímpica, hoje é líbero na equipe do Sesc Rio. “ A inclusão da mulher no esporte, é um trabalho árduo das mulheres, delas terem cada vez mais espaço, a gente já avançou alguns passos, mas é uma luta diária, através da união. O esporte tem mensagens importantes, principalmente quando se diz em inclusão, que é a união das mulheres cada vez galgarem seu espaço na sociedade seja no esporte, ou em outro lugar. Enfim, eu estou nessa luta firme também”, relata Fabi.

Maíra Coelho \ O DIA
Fabi, hoje líbero do SESC RIO . Maíra Coelho \ O DIA

 

Inclusão da mulher acompanhou o que era o retrato da sociedade naquela época de mulher, que era entendida como uma pessoa do lar, cuidadora dos filhos, da família, dona de casa. Então na medida que a mulher foi brigando pelos seus direitos, no sentido positivo, mas lutando por direitos iguais, foi adquirindo uma independência financeira, começando a ocupar cargos importantes, também ocupados por homens. E isso dando um reconhecimento, uma valorização.

Quando se fala em premiação no esporte, é visto ainda que há uma certa diferença de valores entre os prêmios de homens e mulheres. A surfista ainda afirma o ocorrido, “eu acho que hoje as premiações femininas melhoraram muito, embora ainda seja pouco, mas acho que esse valor é proporcional ao número de atletas homens e mulheres que existem hoje competindo. Além do mais o calendário de evento masculino tem etapas que só eles têm e o feminino não tem, devido ao grande risco. Então acho que o fato deles ganharem mais, conta isso também, o risco é maior. Já vivi muitas situações em que o mar estava muito alto, e colocaram homens para competirem em nossos lugares”.

A psicóloga esportiva, ainda afirma “Hoje existe um movimento muito grande de mulheres atletas a procura dessa valorização, de uma remuneração justa, no futebol isso é muito latente, se não me engano a liga inglesa, as atletas brigavam por salários iguais aos homens e elas conseguiram, o que ainda não acontece aqui no Brasil”. Com essa diferença de remuneração, muitas atletas buscam por outros meios de ganharem um dinheiro extra. Muitas até fazem atividades muito diferentes do esporte.

Esse ano tivemos as olímpiadas\Paralimpíadas de Inverno, na Coreia, em Pyeongchang. Tivemos duas grandes mulheres brasileiras competindo, são elas: Isadora Willians e Aline Rocha. Inclusive a atleta paralímpica Aline, foi a única brasileira mulher a estar nos jogos paralimpicos de inverno. Enquanto Isadora, fez um feito histórico em suas performances no gelo. As duas são guerreiras e sabem o que fazem em suas respectivas modalidades, Isadora na patinação artística Olímpica e Aline no Esqui Cross country paraolímpico.

Aline Rocha, 27 anos, de São Caetano do Sul, começou no esporte em 2010 com 19 anos, 4 anos após seu acidente que a deixou sem os movimentos das pernas. Aline participou da Rio 2016, mas não conseguiu medalha. A atleta também colocou sua opinião sobre a inclusão da mulher, “A participação das mulheres está crescendo, elas estão se superando e correndo atrás dos seus sonhos. É importantíssimo mostrarmos para o mundo que somos capazes de quebrar as barreiras e nos superarmos. Assim provaremos que podemos ir mais além” relata Aline.

Aline Rocha competindo. Foto: André Cintra
Aline Rocha competindo. Foto: André Cintra

 

Por ser mulher, brasileira e deficiente muitos desconfiam, quando se trata de uma competição mundial. Mas nada impede Aline de competir, ela não se deixa abater pelos olhares críticos. Sendo a única brasileira nos jogos paralimpicos de inverno, a atleta se sente desafiada a dar seu melhor. “Ser a primeira mulher brasileira nas paralimpíadas de inverno, foi uma experiência incrível. Foi apenas 1 ano de treino. O que mais me deixa feliz é mostrar para as outras mulheres que não existe nada impossível, podemos fazer o que quisermos”. Entretanto, Aline fez ótimas competições, boas marcas, sendo que não conseguiu subir ao pódio.

Já no caso da americana, com naturalidade brasileira, Isadora Willians, 22 anos, de Geórgia nos Eua. Realizou um feito histórico nas Olimpíadas de inverno. “Participar de uma olimpíada é o que todo atleta de elite deseja, pra mim foi maravilhoso, participar da minha segunda olimpíada, poder levar as cores da minha bandeira e representar o esporte, que encanou”. Isadora foi a primeira brasileira a chegar em uma final de patinação artística. Sendo que imprevistos acontecem, no dia da final, houve um atraso na competição, e isso acabou desconcentrando Isadora, que acabou caindo em sua apresentação. Não subiu ao pódio. Onde o ouro e a prata ficaram para atletas russas, a revelação de apenas 15 anos Alina Zagitova (prata) e Evgenia Medvedeva de 18 anos (ouro). Mas essa competição, segunda de Isadora, serviu como aprendizado, pois o que ela fez, nenhum outro sul americano já fez e ficou na história.

Isadora Williams competindo na Olimpíada. Foto: Christian Dawes/COB
Isadora Williams competindo na Olimpíada. Foto: Christian Dawes/COB

 

“Eu fiz minha melhor apresentação em Pyeongchang e não foi fácil fazer parte do primeiro grupo, os juízes dão notas rigorosas justamente para sermos as primeiras. Eu fui a última a me apresentar, a longa espera me causou ansiedade e já entrei para competir nervosa. Mas vou guardar para sempre na memória o sucesso da minha apresentação e de que levei o Brasil para as finais “relata Isadora.

Aproveitando que ela fez um feito histórico, Isadora também fala sobre a inclusão da mulher no esporte “eu acho que nós mulheres estamos conquistando muitas vitorias no esporte e fora dele. Estamos vencendo preconceitos e barreiras. Não somos consideradas o sexo frágil. Invadimos os campos de futebol, as quadras, piscinas e todo complexo esportivo que antes na maioria das vezes somente homens podiam utilizar. Um grande avanço para nós mulheres”.

Também relata sua admiração pela atleta paralímpica Aline Rocha, “A Aline é um orgulho nacional. Ela transformou uma tragédia em uma linda história de superação e vitória. E entrou para história também, sendo a primeira mulher a disputar uma edição dos jogos Paralímpicos de inverno”.

Para os altos desempenhos de Aline, ela conta com a ajuda do técnico Fernando Orso, 33 anos. “Como técnico e treinador, tenho a responsabilidade de estudar e conhecer os aspectos mais relevantes que envolvem a modalidade na qual trabalho. Atuar com duas modalidades esportivas em nível de alto rendimento, sendo uma de verão (corrida em cadeira de rodas) e outra de inverno (Esqui Cross Country) o desafio é ainda maior, por ser duas modalidades distintas”. Fernando iniciou no esporte Paralímpicos de 2005, já trabalhou em outras modalidades de lá para cá também.

“Fazer parte da equipe técnica de uma seleção é no primeiro momento uma enorme satisfação, porém as responsabilidades desse cargo são bem elevadas. Além do trabalho direto com a atleta que precisa estar evoluindo sempre e alcançando o máximo da sua performance, é necessário pensar a modalidade como um todo, estudando alternativas para que além dos atletas que trabalho, outros venham a atingir a atingir o nível de excelência” relata Fernando.

Para falar sobre a inclusão das mulheres, não necessariamente só mulheres que podem relatar e sim homens. O atleta olímpico Michel Macedo, 19 anos, que é também americano, mas com naturalidade brasileira, que estava nas olimpíadas de inverno na Coreia, deixou seu registro sobre a inclusão. “Eu acho que a parte fundamental do esporte é ter mulher e homem. Para mim tem que ter ambos competindo, pois se não tiver, não é esporte”.

 

Michel Macedo sofreu uma queda no treinamento desta terça-feira em PyeongChang (COB \Divulgação)
Michel Macedo sofreu uma queda no treinamento desta terça-feira em PyeongChang (COB \Divulgação)

 

A psicóloga Adriana Lacerda, ainda relembra o caso da atleta Rafaela Silva “ Temos o exemplo da Rafaela Silva do Judô, tive a oportunidade de trabalhar com ela no Judô por ser psicóloga da seleção do Judô, acompanhei ela em Londres e na olimpíada aqui no Rio. Ela resume bem aquele estereótipo de mulher negra vindo de comunidade, lutando em um esporte que é eminentemente masculino na cabeça das pessoas. O judô ainda tem muito preconceito, algumas pessoas ainda têm preconceito por achar que é um esporte masculinizado assim como o futebol. Foi uma menina que através do esporte conseguiu uma inclusão social. Ser respeitada pelo o que ela é, e não só por ser atleta”.

Hoje em dia, em qualquer modalidade esportiva, as competições lotam, em jogos femininos. Isso faz com que enalteça as mulheres, mostra que elas estão enchendo estádios, arenas, e isso se torna muito importante na carreira de cada uma. A levantadora do time de Vôlei do Minas, Karine Guerra, 39 anos, fala sobre a sensação de ter um ginásio lotado em uma final do vôlei feminino “ Eu acho que a inclusão da mulher no esporte, é parte de um grande processo que a gente vem vivenciando nos últimos anos, que é a inclusão da mulher na vida social, não só no esporte, mas em todas as áreas na sociedade. Eu fico muito feliz em fazer parte disso, por que todas nós devemos lutar pelo nosso espaço, é o que a mulher tem tentado fazer. Sou grata por todos aqueles que acreditam no nosso trabalho, o ginásio hoje (31/03/2018) estava lotado, justamente para ver as mulheres jogarem”.

Karine Guerra - Crédito: Divulgação Minas Tênis Clube
Karine Guerra - Crédito: Divulgação Minas Tênis Clube

 

Dando continuidade ao Vôlei feminino, a jogadora Arianne Tolentino, do Mackenzie, fala sobre a inclusão, “Sou totalmente a favor a qualquer inclusão. Estamos trilhando um caminho melhor de mais respeito e reconhecimento. Mas ainda falta, é árduo e levará tempo. Mas acredito muito que ainda teremos e chegaremos lá”.

Arianne Tolentino - Foto: WCB News
Arianne Tolentino - Foto: WCB News

 

Cada ano que passa, é notória as mulheres no esporte. Resumindo: lugar de mulher é onde ela quiser, seja no escritório ou no esporte. Basta. Igualdade de gênero, é a palavra da moda, o que é cafona, é o preconceito ou a não inserção.