A cena para mim é emblemática. Ocorreu durante as 24 horas de Le Mans de 2010. Naquele ano a Audi ganharia de forma até heroica, pois não tinha um carro a altura do Peugeot 908 que imprimia um ritmo infinitamente superior, mas que acabou sucumbindo fora a fragilidade dos seus motores. Dos quatro protótipos franceses inscritos, os quatro quebraram faltando poucas horas para o final da prova.

Quando o último Peugeot quebrou o chefe da Audi, Dr. Wolfgang Ullrich foi pessoalmente nos boxes da equipe francesa cumprimentar pilotos, mecânicos e dirigentes pela batalha durante a prova. Todos em prantos. De um lado a Audi por vencer, por outro a Peugeot por perder e talvez por reconhecer que foi uma corrida épica. A imagem acabou com aquele mito de que no automobilismo não existe emoção, tudo gira em torno do dinheiro e que o vencedor é definido antes mesmo da largada.

Mas de onde vem essa paixão? É na infância que definimos nossos gostos por comida, roupas, esportes e tudo o que vai reger nossa vida. Para mim o automobilismo sempre foi o principal esporte. Aquele que me fez varar a madrugada vendo uma corrida no outro lado do mundo, ou gastando valores muitas vezes proibitivos em uma miniatura.

Para muitos uma corrida de automóvel é composta basicamente de 2 carros e que um deles seja mais rápido que o outro. Bem este é o princípio básico de uma corrida, e foi com este conceito que as primeiras disputas se iniciaram no início do século passado.Mas não é apenas um monte de ferro, gasolina e alguém dirigindo que faz disso algo incrível. Para muitos o automobilismo não é considerado esporte por não se ver o piloto correndo atrás de uma bola, suando ou fazendo parte de um time. Ledo engano. Seja nos anos 1900 ou nos 2000 a emoção de uma corrida, por mais tecnológico que hoje se tornou o automobilismo está presente em cada curva.

Primeira memória. Porsche 956 de 1981. (Foto: Porsche AG)

Dentre as diversas categorias uma sempre me chamou a atenção. O endurance. Minha primeira memória automobilística é a de um Porsche 962 com as cores dos cigarros Rothmans. Ná época eu não sabia, mas aquele carro com jeito de nave espacial participava das 24 horas de Le Mas, prova que ao lado das 500 milhas de Indianápolis e do GP de Mônaco, foram a tríplice cora do automobilismo. Se vencer uma corrida não é uma tarefa fácil vencer uma com 24 horas de duração é algo realmente incrível.

Talvez o que mais me fascine neste enredo seja o termo 24 horas. Passava horas tentando imaginar um carro correndo por 24 horas. Chuva, sol, noite e dia. Eles estavam lá correndo sem parar. Ainda é algo surreal para mim, mesmo acompanhando a prova pela TV e dormindo, sei que quando acordasse os carros ainda estariam lá, com seus pilotos e mecânicos incansáveis na busca pela vitória.Além das dificuldades em pilotar um carro por 24 horas, mesmo revezando com outros pilotos, o charme de uma prova de longa duração é o seu período noturno. Pilotar muitas vezes passando dos 300 km/h tendo apenas os faróis do carro e placas indicativas (isso quando o piloto consegue ver), e desviando dos carros mais lentos. É o que mais me chama atenção nesta categoria.

Minhas experiências automobilísticas se resumem a longos períodos em simuladores de computador e se lá a prova noturna é a parte mais interessante, qual será a verdadeira situação no mundo real? Bem, não tenho a menor ideia. Se formos nos basear em um jogo de computador ou em uma viagem noturna com nossos carros “normais” a coisa deve ser bem mais interessante.Contrariando a lógica brasileira, aonde todo fã de automobilismo deve, precisa e é obrigado a gostar de Fórmula 1, o Endurance hoje é algo um tanto quanto desconhecido por nossas terras. Seja pela triste dependência dos nossos jornalistas pela F1, ou pela falta de vontade em descobrir outras categorias tão boas ou melhores do que a Fórmula Bernie.

Hoje o Endurance é superior a F1, em termos tecnológicos equipes como Porsche, Audi e Toyota possuem sistemas de recuperação de energia superiores ao popular KERS da F1. Estes LMP1 possuem uma versão revisada do KERS, tem tração nas quatro rodas, sistemas que aproveitam os gases do escapamento e que são convertidos em energia e até ar condicionado!A atual crise que vem assolando a F1 nos últimos anos com regras sem sentido, custos que não condizem com o atual nível tecnológico da categoria e corridas aonde o público não está acabam levando equipes, pilotos e patrocinadores a descobrir outros lados e opções.

Hoje o endurance tem condições de roubar o título de principal categoria automobilística do mundo, seja pelo nível tecnológico, organização e principalmente esportividade. Por incrível que pareça as ultrapassagens não são superficiais e não se faz necessário asas móveis, pneus que se deformam em 2 voltas para superar seu adversário.Ainda no Endurance as ultrapassagens existem de forma natural, na base do vácuo, do motor falando mais alto e principalmente da habilidade do piloto. E esta habilidade deve ser administrada com os dois outros pilotos que dividem o mesmo carro, para que sabiam jogar em equipe e não entregar o protótipo ou GT ao seu companheiro com pneus desgastados ou com menos combustível o que o planejado.

Outro encanto das provas de longa duração são os reparos. Esqueça trocar apenas bico e aerofólio traseiro. Como as provas tem 4, 6, 12 e 24 horas é normal que peças como pastilhas e discos de freio, câmbio ou qualquer coisa que sofra extress durante a prova seja trocado em questão de minutos. A primeira vez que vi um Audi R10 trocando um jogo de pastilhas de freio durante as 12 horas de Sebring nos EUA em 2008 fiquei abismado. Desde quando se trocam essas coisas dentro de uma corrida? E ainda tão rapidamente? Acostumado com corridas de F1 aonde uma folha encosta no carro e ele já se desmancha, tudo era e ainda é algo que atrai a atenção de quem assiste.

Existem sim categorias tão boas quanto, que se bem trabalhadas podem vir a roubar a cena que hoje é da F1. Series como a NASCAR, Indy, Moto GP, Fórmula E ou o Rally Cross, são opções superinteressantes com seus públicos fiéis. São emocionantes? Sem dúvida, mas nada vai tirar o gosto e o prazer de acompanhar uma corrida que começa no almoço e muitas vezes acaba no café da manhã do dia seguinte.