Começo por apresentar este clube como o melhor exemplo de gestão numa indústria onde o despesismo se tornou um hábito não só aceite como tido como obrigatório. Quantas vezes não ouvimos dizer, dos próprios dirigentes dos clubes, que é necessário investir forte para estar entre os melhores? O Eibar é uma chapada na cara de todos eles. Com dívida zero (o único do futebol profissional espanhol!), os bascos chegam ao máximo escalão do futebol espanhol, onde vão ombrear com colossos… em nome e em dívida.

O futebol espanhol acumula uma dívida na ordem dos 3.600 milhões de euros, para a qual o Eibar contribui com zero. Real Madrid e Barcelona, por exemplo, acumulam passivos de 900 milhões de euros… cada um. O Atlético de Madrid deve mais de 500 milhões de euros e o Valencia perto de 380 milhões. O caso em Espanha é tão grave que até as dívidas dos clubes do segundo escalão arrepiam. O Zaragoza tem um passivo de 150 milhões e o do Deportivo ronda os 100 milhões. Mallorca (85 milhões), Hércules (46) ou Sporting Gijón (32) também não são exemplos de gestão controlada. Foi contra estes adversários que o Eibar conseguiu a subida pela primeira vez na sua história, podendo ainda garantir a conquista do segundo escalão.

Fundado em 1940, adoptando as cores do FC Barcelona, a Sociedad Deportiva Eibar habituou-se a ser um clube modesto. A cidade de Eibar tem menos de 30 mil habitantes e o Estádio Municipal de Ipurua apenas capacidade para pouco mais de 5 mil espectadores (será o estádio mais pequeno do principal escalão do futebol espanhol). A modéstia do clube e os seus recursos limitados até lhe valeram uma fama de equipa ‘caceteira’ da qual tem sido difícil livrar-se. De facto, as pessoas de Eibar admitem que as suas equipas se habituaram a ser durinhas mas a explicação é justa: ao longo da sua história, o clube não teve grandes condições para pagar aos seus jogadores e estes acumulavam o futebol com outra profissão. Ora, não era fácil atrair os jogadores mais virtuosos para o clube mas aqueles que vestiam aquela camisola deixavam tudo em campo. Compensavam a falta de talento com uma entrega acima do habitual.

E apesar de ser um dos clubes com mais presenças na segunda divisão espanhola (é mesmo o clube com o recorde de presenças consecutivas), o Eibar nunca seguiu os caminhos megalómanos dos seus adversários. O défice zero deve-se a uma rígida política de gastar apenas o que se tem, o que garante algo cada vez mais raro no futebol actual: no primeiro dia de cada mês, todos os funcionários do clube (jogadores incluídos) têm o dinheiro na sua conta. Um luxo, acreditem.

Gaizka Garitano, antigo futebolista com passagem pelos grandes clubes bascos, é o treinador que operou o milagre da subida, consumado no passado fim-de-semana. E já tem bem incutida a mentalidade sustentável do clube. “Se uma família gasta mais do que tem cai na ruína, tiram-lhe a casa e podem ir para a prisão. Mas os clubes fazem-no e não acontece nada. A maioria gasta mais do que aquilo que tem, sem consequências”, referiu, em entrevista recente, o homem que com pouco fez muito. «É tudo uma questão de ética. Colocar a ética acima da ambição. É fácil dizê-lo mas quase ninguém o faz», acrescenta o lateral direito Eneko Bóveda.

Fim-de-semana de festa no Ipurua

Só para que se tenha uma noção do feito heróico do Eibar, o clube partiu para esta temporada com um orçamento de 400 mil euros. Só para que se tenha uma noção, Lionel Messi ganha 16 milhões de euros. É contra isso que competirá o Eibar na próxima temporada. Mas não os tenham como derrotados à partida. É que o seu orçamento já era o mais baixo do segundo escalão do futebol espanhol (perto do Mirandés) e isso não impediu a subida e, quiçá, a conquista do título. Na próxima temporada, tudo o que seja não ser despromovido será mais um pequeno milagre da equipa basca. É impossível ficar indiferente e não torcer por eles…

Os recursos limitados do Eibar levam a situações extremas. Um exemplo prático passa pelo pagamento do próprio bolso dos jogadores de parte da inscrição enquanto profissional. Afinal de contas, cada inscrição de um novo profissional em Espanha custa 23 mil euros. Escusado será dizer que o clube vive também muito à custa de jogadores emprestados, beneficiando de excelentes relações com o Celta de Vigo ou com a vizinha Real Sociedad. Por outro lado, cerca de 75% dos jogadores vinculados ao clube ganham o salário mínimo estipulado para um profissional de futebol no país vizinho. Apesar de pagar pouco, quem entra no Eibar sabe desde logo que vai receber a tempo e horas. E isso, nos dias de hoje, vale muito.

Mas desengane-se se já está a construir um cenário utópico de uma vitória da ética sobre o capital. É que, curiosidade das curiosidades, o Eibar arrisca-se a perder na secretaria aquilo que tão bravamente conseguiu em campo. O clube tem até Agosto para aumentar o seu capital até aos 2,1 milhões de euros (o mínimo exigido aos clubes profissionais espanhóis, que é cinco vezes mais que o capital actual do Eibar), caso contrário acabará no terceiro escalão do futebol espanhol. Injusto? Mas ainda alguém acredita na justiça do futebol para com aqueles que trabalham bem? O Eibar já fez saber que não violará a ética que até aqui o norteou, que não seguirá o caminho fácil que seguiram Sabadell (vendido a um japonês) ou Alcorcón (vendido a um belga). Tudo fará para conseguir o dinheiro trabalhando da mesma forma que fez até aqui. O clube pertence às gentes locais e são esses os seus accionistas. Um clube que é verdadeiramente do povo.

Jota Peleteiro marcou o golo que garantiu a subida

No fim-de-semana passado, o Eibar cobrou aos deuses a dívida que estes tinham para consigo. Em 2004-05, esteve pertíssimo de subir ao principal escalão do futebol espanhol mas na última jornada, Celta, Alavés e Cádiz ganharam a corrida. Na equipa basca jogava o conceituado avançado Joseba Llorente, resgatado à Real Sociedad. Nesse ano apontou 16 golos mas na temporada seguinte o clube não teve capacidade para recusar uma excelente oferta do Valladolid. O Eibar acabou sentindo a perda do seu craque e desceu de divisão na temporada seguinte, enquanto que o Valladolid subiu ao primeiro escalão. E sabem o que é mais grave? Ao Eibar nunca chegou o dinheiro de Llorente. É uma competição falsa e adulterada. Mas o Eibar conseguiu. Mesmo lutando contra clubes que não pagam aos seus jogadores e que ainda em Janeiro contrataram quatro ou cinco craques para assegurar a subida de divisão.

Eibar, de uma coisa não se livram: têm aqui um adepto incondicional, aconteça o que acontecer. Todos os que gostam de futebol desejam ver na próxima temporada o Ipurua cheio na recepção a Cristiano Ronaldo e a Lionel Messi. Eu dei o meu pequeno contributo para fazer de vocês um exemplo também em Portugal. É que também por cá fazem falta estas chapadas de ética. Lana ordaintzen! (o trabalho compensa!, em basco).

* Artigo gentilmente cedido pelo projecto «Palavras ao Poste», onde foi originalmente publicado.