França: Deschamps quer afastar os problemas que prejudicaram a equipe em 2010

Na Copa do Mundo do Brasil, a seleção francesa tem a chance de voltar a se orgulhar de sua seleção após passar anos de decepção, enfrentando crises de jogadores e técnicos

França: Deschamps quer afastar os problemas que prejudicaram a equipe em 2010
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Por Renato Gomes

Após realizar uma péssima campanha na última Copa do Mundo, a seleção da França virá ao Brasil com um ambiente mais tranquilo. Depois de passar por uma grave crise que resultou na queda ainda na primeira fase da Copa da África do Sul sob o comando de Reymond Domenech e ter o nome do seu sucessor, Laurent Blanc, ligado à polêmicas com corte de jogadores de nome e racismo, além do fraco desempenho na Eurocopa de 2012, Didier Deschamps chega até o Brasil com a sua seleção sendo descreditada como favorita, mas com o elenco livre das polêmicas que prejudicaram a seleção dentro de campo em outros tempos e com potêncial de realizar uma campanha digna de um país que já foi campeão do mundo.

Altos e baixos após 98

Os Bleus passaram por bons e maus momentos após o título da Copa de 1998. Com a geração liderada por Zidane em campo, a França venceu dois títulos da Copa das Confederações, em 2001 e em 2003, e conquistou a Eurocopa de 2000, mas fez uma péssima campanha na Copa de 2002, quando foi eliminada ainda na primeira fase com uma derrota para Senegal. Em 2006, já sob o comando de Raymond Domenech, a seleção contou com a volta de vários jogadores que tinham se aposentado para chegar até a decisão. Após eliminar Espanha, Brasil e Portugal, a Itália foi o adversário na decisão e a derrota veio nos pênaltis, com a partida sendo marcada pela cabeçada de Zidane em Materazzi.

Na Eurocopa de 2008, os franceses sofreram mais um golpe. Após terem se classificado para o campeonato apenas dois pontos atrás da modesta Escócia, os Bleus tiveram um péssimo início na fase de grupos da Euro, quando cairam no grupo da morte e foram eliminados. Com um 0 a 0 contra a Romênia, uma derrota de 4 a 1 sofrida para a Holanda e outra de 2 a 0 sofrida para a Itália, Raymond Domenech teve a sua posição de treinador ameaçada e Didier Deschamps era o primeiro nome cotado para assumir a vaga, mas, após uma reunião realizada no dia 3 de julho, Domenech foi mantido no cargo.

Neste encontro, o presidente da Federação Francesa de Futebol na época, Jean-Pierre Escalette, que era um grande defensor de Domenech, declarou que queria ver mudanças radicais no jeito do time jogar, exigindo uma equipe mais triunfante, capaz de se impor rapidamente num nível internacional muito alto. Mas, o que o presidente viu na verdade foi um treinador se perder mais e mais e viu uma seleção que carrega uma estrela acima do escudo na camisa se afundar numa crise.

Um dos momentos que resumem o início do que se tornou a Copa de 2010 para os franceses, principalmente em relação ao treinador, foi em uma entrevista para a televisão francesa, quando Domenech foi questionado sobre a eliminação dos Bleus na Euro de 2008. Ao invés de discutir os motivos da eliminação, o treinador surpreendeu a todos e, em rede nacional, pediu a sua namorada e apresentadora Estelle Denis em casamento. Após o pedido, já falando sobre a seleção, Domenech atribuiu o fracasso da França ao azar, à péssima arbitragem e ao clima desfavorável e ainda disse que o seu único erro foi ter declarado que a seleção era capaz de vencer o torneio, quando ele devia ter dito que o real foco era a Copa do Mundo de 2010. Sobre o pedido, apesar de Denis ainda não ter respondido sim ou não, os dois continuam juntos.

Outro episódio que marcou negativamente a carreira de Raymond Domenech foi na escolha de seus 23 jogadores para a Copa da Alemanha. Apaixonado por astrologia, Domenech resolveu deixar o meia Robert Pirès de fora da lista por ser do signo de escorpião e o motivo é que, segundo ele, pessoas deste signos sempre terminam matando uns aos outros.

A queda na África do Sul e a saída de Domenech

A forma que a França se classificou para a Copa do Mundo de 2010 já foi muito polêmica e contestada. Depois de terminar a fase de qualificação para o Mundial em segundo lugar no seu grupo, em que a primeira classificada foi a Sérvia com um ponto a mais, os Bleus seguiram para a disputa na repescagem europeia e foram sorteados para enfrentar a seleção da Irlanda.

No primeiro jogo, disputado no dia 14 de novembro de 2009, a França venceu por 1 a 0, com gol de Nicolas Anelka, peça que seria fundamental no estouro da crise durante a Copa. Na partida de volta, disputada diante de pouco mais de 74 mil pessoas no Stade de France, a Irlanda abriu o placar logo no primeiro tempo, aos 33 minutos de jogo. Precisando de pelo menos um gol, a partida seguiu para a prorrogação e, aos 12 minutos do primeiro tempo, Thierry Henry usou a mão para dominar uma bola e cruzou para William Gallas marcar o gol que garantiu a França na Copa.

Com a classificação garantida, a França só deu um passo mais a fundo para piorar o vexame da eliminação na África. Logo na primeira partida da Copa, no empate em 0 a 0 contra o Uruguai, surgiram os primeiros relatos da mídia de problemas entre o elenco. Segundo a imprensa, Anelka e Ribéry teriam uma relação ruim com Gourcuff e combinaram de não passar a bola para ele na partida.

Na segunda partida, contra o México, Anelka voltou a ser o centro das atenções e, de acordo com a mídia francesa, ofendeu com palavrões o seu treinador no intervalo da partida.

Devido a atitude, Anelka foi mandado para a casa pela Federação Francesa depois de uma reunião em que jogador se recusou a pedir desculpas quando perguntado sobre o acontecimento pelo presidente da FFF, o treinador Domenech e o capitão Patrice Evra. Um dia depois da partida contra o México, Evra discutiu com o preparador Robert Duverne, sendo depois repreendido por Domenech.

As brigas resultaram na revolta dos jogadores que, por meio de Domenech, criticaram a atitude da FFF e se recusaram a treinar como uma forma de protesto pela exclusão de Nicolas Anelka. O jogador se recusou a pedir desculpas quando foi perguntado sobre o acontecimento pelo presidente da FFF Jean-Pierre Escalettes e, no dia seguinte, o elenco frances se recusou a treinar como uma forma de prostesto pela a exclusão de Nicolas Anelka do grupo.

Anelka, Evra, Ribéry, Toulalan e Abidal foram considerados os principais responsáveis pelos acontecimentos na Copa do Mundo. Todos foram punidos, com exceção de Abidal, e Anelka sofreu a punição mais dura, sendo suspenso por 18 jogos. O atacante tratou a punição como irrelevante e imediatamente declarou que estava se aposentando da seleção da França.

No dia 22 de junho, a França foi derrotada por 2 a 1 pela África do Sul e foi eliminada da competição ainda na fase de grupos. Por conta dos confrontos entre treinador e jogadores, o diretor da delegação, Jean-Louis Valentin, pediu demissão do cargo ainda durante a Copa e, no dia 28 de junho, o presidente da federação Jean-Pierre Escalettes também entregou o seu cargo.

Laurent Blanc assume o comando da França

Com a péssima campanha na Copa de 2010, Raymond Domenech deixou o comando dos Bleus e quem assumiu seu lugar foi Laurent Blanc, campeão com a seleção em 1998, com a missão de levar o time até a Eurocopa de 2012. No dia 23 de julho de 2010, depois de uma reunião que envolveu o conselho da Federação Francesa, todos os 23 jogadores que disputaram a Copa foram suspensos do amistoso contra a Noruega por pedido do novo treinador.

Após garantir classificação para a Eurocopa de 2012, passando por momentos mais tranquilos e chegando até a manter uma sequência de 23 jogos sem derrotas, a França voltou a enfrentar uma crise. Por pouco a seleção francesa não foi eliminada da primeira fase, já que foi derrotada pela Suécia por 2 a 0 e ficou na segunda colocação do grupo D, um ponto atrás da própria Suécia.

A primeira confusão que veio a publico foi a discussão entre Blanc e o meia Hatem Ben Arfa. Quando a França perdeu da Suécia, o treinador chamou a atenção de Ben Arfa pelo jogador estar usando seu celular e ficar mais preocupado com o aparelho do que com a derrota. O meia respondeu criticando a forma com que Blanc fazia a seleção jogar e as substituições que o treinador efetuava, além de ter desafiado seu comandante a manda-lo para casa se não tinha fé nele.

Mesmo passando de fase, a França não avançou na competição e foi eliminada pela depois campeã Espanha por 2 a 0, com mais problemas extracampo prejudicando a seleção. Blanc confirmou para a TF1, emissora de televisão da França, que o meia Samir Nasri discutiu com jornalistas após o jogo contra os espanhois, chegando a trocar palavras de baixo calão contra a imprensa. A relação de Nasri com a mídia já não era boa, tanto que, na partida da primeira fase contra a Inglaterra, o jogador colocou o dedo em frente a boca fazendo gesto de silêncio para a imprensa ao comemorar seu gol, mostrando que estava infeliz com o tratamento que recebia. Pelos atos de indisciplina, o meia foi suspenso por três jogos da seleção francesa.

Após a eliminação sofrida pela Espanha na Eurocopa, Blanc não teve seu contrato renovado com a seleção e Didier Deschamps, também campeão em 98 e treinador do Olympique de Marseille na ocasião, assumiu o comando da França. Com Deschamps no comando, a situação dos Bleus parece ter acalmado e o treinador foi em busca de maior harmonia e paz.

O futuro dos Bleus é promissor

Apesar de ter passado por mais uma eliminatória ruim e ter caído na repescagem antes de chegar até a Copa do Mundo, enfrentando e quase sendo eliminados pela Ucrânia, Deschamps e a França parecem estar readquirindo a confiança do torcedor francês, principalmente depois da goleada de 4 a 0 sobre a Noruega. O treinador optou por afastar qualquer risco que faça com que os tempos de crise retornem e a maior mostra disso foi quando Samir Nasri foi cortado dos 23 selecionados que virão até o Brasil. O comandante frances divulgou os nomes na TV francesa e deu a justificativa de que “um treinador pensa no coletivo” e que “viver em conjunto durante este período demanda qualidades humanas” para definir o corte do atleta.

“Não posso falar em vencer a Copa do Mundo, existem times que estão bem a frente de nós, incluindo a seleção que venceu a última Copa do Mundo e as duas Eurocopas (Espanha). Existem seis ou sete seleções. Ganhar a Copa para nós seria como um milagre”. Estas foram as palavras de Deschamps durante uma entrevista sobre as chances da França no Brasil. Mais realista que Domenech, por exemplo, e após anos sofrendo decepções, Didier e seus jogadores tem tudo para fazer uma campanha que resgate a paixão do torcedor francês novamente e que faça encher os olhos de qualquer apaixonado por futebol. A vontade do torcedor de esquecer este período negativo na história da seleção é tanta que até a fornecedora de material da França entrou na brincadeira, e fez uma campanha com o objetivo de destruir o ônibus da seleção de 2010. O slogan da ação foi: “O ponto final de um dos episódios mais obscuros da história do futebol”. Confira o vídeo da destruíção do ônibus:

As chances da França realmente são baixas em 2014, mas o talento de revelar jogadores de qualidade foi algo que não se perdeu durante esse tempo e o futuro pode guardar coisas boas. Se Ribéry disse que a Copa no Brasil é a sua última, esta ainda será a primeira de Raphaël Varane, Paul Pogba, Antoine Griezmann e de vários outros bons nomes que estão surgindo na equipe principal. E se a França conquistou o título de 1998 em casa, a próxima Eurocopa, sediada no país, pode ser a chance para firmar de vez o ressurgimento dos Bleus com mais uma conquista na sua terra.