Quarto maior campeão argentino e dono da quinta maior torcida do país. Apesar da história de glórias que formentou o Club Atlético San Lorenzo de Almagro como um dos gigantes do futebol portenho, faltava-lhe uma taça em especial: a Copa Libertadores da América. Junto a Boca Juniors, River Plate, Indepediente e Racing, o Ciclón era o único clube que ainda não a detinha em sua sala de troféu. Eis que em 2014, a espera acabou e, após muito sofrimento, sua torcida pode finalmente soltar o grito de "Campeón de América"!

Mas assim como sua trajetória na competição, a chegada do San Lorenzo à Copa Libertadores também foi marcante. Em 2013, conquistou o Campeonato Argentino após uma enorme renovação de seu elenco. Lutando contra o rebaixamento em temporadas anteriores, a aposta da diretoria foi de alto risco, mas rendeu resultados expressivos nos anos seguintes. O título veio após um empate contra o Vélez Sarsfield, garantindo-se na primeira colocação do Torneio Inicial, caindo no Pote 2 e sorteado para o Grupo B do maior torneio da América do Sul.

Favorito, San Lorenzo não mostrava sua força na Libertadores

Na última quarta-feira (17), o San Lorenzo estreou no Mundial de Clubes contra o Auckland City e sofreu muito para classificar-se à final. A imediata preocupação com o rendimento da equipe no Torneio Fifa remeteu as primeiras partidas pela Copa Libertadores. Retornando à competição como favorito, o campeão argentino não conseguia mostrar sua força e sentia dificuldades em um grupo teóricamente fácil. Continha o campeão chinelo, o segundo colocado equatoriano e o quarto colocado brasileiro.

Contra a Unión Española (CHI), que terminaria como líder do grupo, vitória por 1 a 0 fora de casa e empate por 1 a 1 na Argentina. Logo em seguida coube ao Independiente Del Valle (EQU) repetir a sequência de triunfo e igualdade contra o Ciclón: 2 a 2 e 1 a 0. Por último o Botafogo, que após vencer o primeiro jogo por 2 a 0 no Maracanã, iria decidir a vaga na última rodada dentro do Nuevo Gasometro, em um grupo que permanecia aberto. Na ocasião, o San Lorenzo detinha apenas cinco pontos e precisava vencer por um bom saldo de gols e ainda torcer por uma combinação de resultados para classicar às oitavas de final.

Goleada e combinação: o primeiro milagre do San Lorenzo na Libertadores

Última rodada. San Lorenzo e Independiente del Valle estavam eliminados momentâneamente com cinco pontos. Botafogo, segundo colocado, aparecia com sete. Já o Unión Española, com nove, estava antecipadamente classificado. No Nuevo Gasometro, clássico entre Brasil e Argentina. No Chile, um possível jogo de comadres entre o líder e o favorito à classificação.

Com a bola rolando, os resultados iam decorrendo conforme o esperado. Villalba abria o placar para o San Lorenzo, ao mesmo tempo em que o Independiente Del Valle marcava seu primeiro gol no Chile. Mesmo com a vitória, o clube argentino estaria eliminado devido ao saldo de gols. Após o intervalo, lançou-se definitivamente ao ataque e não demorou para marcar o segundo com Piatti. Dever de casa cumprido, mas os olhos estavam voltados para o outro jogo do grupo.

Golaços, viradas, cartões vermelhos e cenas lamentáveis. No Chile, o placar mostava - apenas - o triunfo por 5 a 4 para o Independiente Del Valle, que avançava como segundo colocado. O clima quente nada condizente com o 'jogo de comadres' esperado antes da bola rolar, matou o futebol ainda possível e deixou a decisão do grupo para o Nuevo Gasometro. Era necessário apenas um gol. E ele veio, aos 43 minutos, novamente com Piatti. A vitória por 3 a 0 era o necessário para a equipe argentina, que aguardava o fim do outro confronto. Aos 49', o último apito no grupo 2 decretava o milagre conquistado pela San Lorenzo. Classificado às oitavas, como 15º colocado na classificação geral.

Piatti marcou o gol da classificação do San Lorenzo (Foto: Getty Images)

Segundo milagre: a imutável vitória nas penalidades

Como dito antes, o San Lorenzo avançou às oitavas como 15º colocado e decidiria todas - ou quase todas - as partidas fora de casa até a final. Interessante, mas comentamos sobre isso mais tarde. Nas oitavas, o adversário era o Grêmio, em um segundo confronto direto contra o brasileiro. Dono da melhor defesa da Libertadores, os gaúchos faziam uma excelente partida no Nuevo Gasometro até, na única falha defensiva, ser castigado. Em um erro na saída de bola, Ángel Corrêa tabelou com Romagnoli e venceu Marcelo Grohe com um chute forte. Festa argentina e vantagem para a volta.

Na Arena do Grêmio, os papéis se inverteram. A melhor defesa tinha a responsabilidade de ir para o ataque se quisesse seguir além na Copa. Como já esperado, a retranca e catimba argentina esfriavam o jogo a cada momento de pressão. A estratégia dava certo até, em um único descuido, o castigo da ida se repetir na volta. Coube a Dudu, de cabeça, aparecendo de surpresa na pequena área, anotar o tento gremista e igualar a contagem. O 1 a 1 no somatório levava aos pênaltis, e assim foi até o apito final.

O que parecia ser de total pressão para o San Lorenzo, acabou servindo de motivação. Os jogadores argentinos comemoravam as penalidades, enquanto os gremistas mostravam-se nervosos. Tal diferença foi fundamental durante as cobranças. No duelo entre Marcelo Grohe e Sebástian Torrico, brilhou a estrela do goleiro argentino que defendeu os disparos de Barcos e Maxi Rodríguez. Em contrapartida, Blandi e Buffarini contaram com a sorte - ou intervenção divina - ao verem seus chutes batendo na trave antes de entrar. San Lorenzo classificado.

Campeão Argentino x Campeão Brasileiro: rumo à semifinal

Botafogo, check. Grêmio, check. Agora era a vez do Cruzeiro. O terceiro confronto direto contra brasileiros que o San Lorenzo disputava nesta edição de Copa Libertadores da América. Duelo entre o campeão argentino contra o campeão brasileiro da temporada anterior. O clássico entre os principais vencedores das duas maiores pontências da América do Sul tinha um tom de afirmação: ambos estavam evoluindo com o decorrer dos confrontos, mas ainda não apresentavam todo seu potencial. Era o melhor ataque do Brasil contra a melhor defesa da Argentina.

No Nuevo Gasometro, o San Lorenzo pressionava enquanto era empurrado por sua torcida, mas seus ataques paravam na defesa celeste ou no goleiro Fábio. Se pelo chão estava difícil, coube ao clube argentino praticar a ironia de abrir o placar usando a principal jogada de seu adversário: a bola parada. Romagnoli cobrou falta na cabeça de Gentiletti que, mesmo desajeitado, conseguiu tocar para o fundo das redes. Feitiço contra o feiticeiro e o Ciclón novamente ia ao Brasil com a vantagem nas mãos.

No Mineirão, o mesmo panorâma do confronto contra o Grêmio: retranca e catimba. Nervoso, o Cruzeiro tentava pressionar, mas falhava nas suas próprias pernas. O golpe fatal com Piatti, que aproveitou a má marcação celeste para abrir o placar, em um contra-ataque fulminante. A missão mineira, que já era difícil, foi tornando-se cada vez mas impossível com o passar dos tempos. A bola de Marcelo Moreno, no último lance da primeira etapa, mostrou o que seria aquela quarta final: bola batendo nas duas traves, rolando por cima da linha e não entrando. Após o intervalo, Bruno Rodrigo ainda empataria o jogo, mas não foi o suficiente para eliminar a equipe argentina.

Goleada a nível do mar, classificação nas alturas

Campeão nacional, o Bolívar era o adversário do San Lorenzo nas semifinais da Copa Libertadores. Assim como a grande maioria das equipes dos país, seu ponto mais forte estava nos confrontos acima do nível do mar, nas alturas bolivianas e sua presença entre as quatro melhores equipes da América do Sul - a melhor classificação do clube na história da competição - deveu-se bastante a isso. Nas fases anteriores, eliminou León e Lanús, todos em confrontos decididos em casa.

Sabendo disso, o San Lorenzo seguia o roteiro de todos que vão enfrentar equipes que jogam acima do nível do mar: vencer bem em casa e segurar o placar fora. Mas, nem mesmo o cuervo mais otimista esperava uma partida de ida tão fácil. Os argentinos aplicariam a maior goleada desta edição da Copa Libertadores: 5 a 0, fora o baile. A bola parada novamente e foi mortal, e com gols de Matos, Más (2), Mercier e Buffarini, os argentinos colocavam um pé na decisão.

A desnecessária partida de volta serviu apenas para cumprir tabela. Desanimado, o Bolívar sabia que a missão era praticamente impossível e pouco fez para correr atrás do resultado. O único gol do confronto saiu aos 46 minutos do segundo tempo, marcado por Yecerrotte. Chegava ao fim a trajetória mais longa de um boliviano na Copa Libertadores, mas por outro lado, o San Lorenzo estava na final pela primeira vez em sua história.

¡Señoras y señores, San Lorenzo campeón de América!

Recordando o que tinha dito ainda na fase de grupos, o San Lorenzo terminou em 15º na classificação geral da Copa Libertadores da América e tinha chances mínimas de decidir a final em casa. Mínimas, não nulas. Apenas decidiria se enfrentasse o 16º colocado, no caso, o Nacional (PAR). No caso, o adversário em questão nesta decisão. Donos das duas piores campanhas entre os classificados para a segunda fase da competição, San Lorenzo e Nacional decidiriam quem ficaria com a taça mais desejada da América, em um título que seria inédito para ambas as equipes.

O palco da partida de ida era o tradicional Defensores Del Chaco, reduto de três conquistas da Copa Libertadores. A festa paraguaia reuniu até mesmo torcedores do Olimpia e do Cerro Porteño, rivais que se uniram ao Nacional nesta decisão. Porém, mesmo com toda a comoção no país e com um estádio pulsando pelo tricolor paraguaio, foi o San Lorenzo quem ditou o ritmo e teve as melhores oportunidades. Na segunda etapa, Matos aproveitou o cruzamento de Villalba para abrir o placar. Se tratando de decisão, uma vitória por 1 a 0 colocaria o clube argentino com uma mão na taça, mas nuca está morto aquele que peleja. Aos 47 minutos, no último lance da partida, Santa Cruz empatou de carrinho e decretou números finais. Como o critério de desempate do gol marcado fora de casa não valer para a final, o confronto estava completamente indefinido para o jogo de volta.

O espetacular recebimento da torcida do San Lorenzo durante a entrada das equipes no último confronto da competição não deixava dúvida: era final de Libertadores. Assim como pulsou o Defensores Del Chaco na ida, o Nuevo Gasometro não deixava a desejar e criava uma atmosfera arrepiante. O San Lorenzo estava desfalcado de Ignacio Piatti, seu jogador de melhor rendimento durante o torneio, negociado com o Montreal Impact e impossibilitado de atuar no confronto final. No outro lado, o Nacional vinha para apagar a péssima partida de ida, e dentro de campo mostrou o por quê de chegar até aqui. Logo com seis minutos, acertou uma bola na trave esquerda de Torrico, além de dominar os primeiros 20 minutos de jogo.

Com os ânimos normalizados, o San Lorenzo seguiu sob comando de Leandro Romagnoli para controlar as ações o jogo. Foi a vez do Ciclón pressionar e aos 36 minutos o resultado veio da melhor maneira possível. Um lance infantil, não-digno para uma final de Libertadores e devidamente punido pelos deuses do futebol. Após bola espirrada na grande área, Cauteruccio tentou emendar uma bicicleta, enquanto Coronel o marcava, com os braços completamente abertos. Mão na bola, pênalti corretamente marcada. Ortigoza na cobrança e gol do San Lorenzo.

As lágrimas que escorriam pela arquibancada do Nuevo Gasometro de cada torcedor apaixonado foram poucas comparadas ao que viria após o apito final. O Nacional tentava responder, mas não chegava com firmeza ao gol, enquanto o San Lorenzo esperava o tempo passar e adminstrava o jogo. Aos 94 minutos, Sandro Meira Ricci soou o último apito da Copa Libertadores da América 2014. O título iria para Boedo, pela primeira vez na história.

Desmanche pós-Libertadores e reconstrução pré-Mundial

Após a Libertadores, o San Lorenzo enfrentou um princípio de desmanche. No ataque, perdeu seus dois melhores jogadores: Ángel Correa e Ignacio Piatti, negociados com Atlético de Madrid e Montreal Impact, respectivamente. Na defesa, Santiago Gentilleti, deixou o clube rumo à Lazio e até mesmo o ídolo Leandro Romagnoli teve sua negociação com o Bahia praticamente certa, mas não foi concretizada pouco tempo antes da assinatura do contrato.

Como contratações, chegaram o experiente zagueiro Yepes, que disputou a Copa do Mundo no Brasil este ano, e Barrientos, tratado como substituto imediato de Piatti, vindo junto ao Catania. Comparações entre o elenco da Libertadores com o do Mundial existem e são notáveis. A perda de qualidade na defesa e no ataque é sentida a cada jogo, mas nada que modifique a maneira de Edgardo Bauza escalar sua equipe.

San Lorenzo da Libertadores da América: Torrico; Buffarini, Cetto, Gentiletti, Más; Mercier, Ortigoza, Romagnoli (Villalba); Ángel Correa, Ignacio Piatti, Mauro Mattos.

San Lorenzo do Mundial de Clubes: Torrico; Buffarini, Yepes, Kanneman, Más; Mercier, Ortigoza, Romagnoli; Barrientos, Villalba (Verón), Cauteruccio.

Por fim, o ano de 2014 foi marcante em vários aspectos para a torcida do San Lorenzo. Tão sonhada durante anos, a Copa Libertadores da América finalmente está na galeria de títulos do clube. Indiscutivelmente um gigante do futebol argentino, o clube vai ao Mundial de Clubes buscar o último milagre da temporada. Contra o Real Madrid, de Cristiano Ronaldo. Por Deus, pelo Papa e pelo San Lorenzo.

"Y dale San Loré, queremos la Copa! La hinchada está loca, Ciclón! Quiere verte campeón..."