Fui levada às arquibancadas ainda nova, desfilando três anos de muita curiosidade. Em meus breves 16 anos de Maracanã – e eventualmente outras empreitadas –, aprendi que um estádio pode ser mais do que uma estrutura de concreto com um campo e duas traves. Na linguagem popular, casa é todo e qualquer lugar onde você tem sensação de pertencimento, um local acolhedor que normalmente remete a família.

Minha certidão de nascimento diz que nasci no dia 18 de julho de 1997. Para mim, essa data representa apenas uma pequena parcela do que é o início da vida. Posso afirmar que nasci no dia em que coloquei meus pés no Maracanã. A primeira lembrança que tenho é desse dia. Fui criada e me formei dentro do estádio. Sei que muitos me acompanham nessa e garanto àqueles que desconhecem a magia desse estádio. Como boa carioca apaixonada por futebol, não há outro lugar no mundo que eu gostaria de estar.

Se alguém me inspirou na caminhada pelos corredores e rampas daquele que já foi o “Maior do Mundo”, esse alguém foi minha avó. Foram anos e anos de muitas histórias, desde as mais tristes eliminações ao mais comemorado título. Estivemos juntas, nos abraçamos em gols e lamentamos derrotas amargas. Se as cadeiras do Maraca falassem, contariam momentos de tanto amor, mas sem saber separar a paixão pelo nosso time e uma pela outra.

Ela, que estava presente em grandes títulos do seu clube do coração, passando desde um golaço de falta que desafiava as leis da física em 2001, até um gol redentor de um magro de aço. Minha avó acompanhou desde o Mundial de 1981 à campanhas frustradas pela Libertadores; uma queda de parte da arquibancada em 1992 que quase matou a família do coração. Foram dias de ligações dizendo “Mari, vamos ao jogo?”, e eu, claro, nunca recusava uma ida ao templo.

Hoje não recebo mais essa ligação. E olha, como eu queria que o telefone tocasse mais uma vez com a voz dela perguntando se os ingressos já estavam comprados. Perdi minha tão amada avó, ou dona Zilda, em fevereiro, na época que ainda sonhávamos em conseguir ir a uma partida juntas pelo Campeonato Carioca. No dia 10, quando ela partiu, fui com a família pela manhã ao Maracanã e pedi aos céus, no sagrado gramado, que me dessem a chance de levá-la naquelas arquibancadas mais uma vez. Nunca chegamos a completar esse desejo novamente.

A última vez que voltei ao setor que sempre estávamos – a única desde que ela se foi – foi na final do futebol masculino nos Jogos Olímpicos Rio 2016. Não pude conter lágrimas que expressavam um vazio enorme, uma dor sem explicação. Minha casa, tão cheia de confiança e a alegria de tantos, se tornava pedaço de memórias tão cheias de saudade.

Já havia provado a mim mesma que o futebol cura feridas. Sete anos antes, estava eu na mesma posição e curando uma dor similar com o poder do futebol e de um clube. No Maracanã é diferente. É aquele lugar que você não consegue passar sem lembrar pelo menos três ou quatro histórias memoráveis. É o lugar que nunca cansa, que encanta cada torcedor que lembra de momentos únicos.

Lamento por quem acredita que o Maracanã é “casa de ninguém”. Lamento por aqueles que ainda acham que o Maraca é só mais um estádio jogado no meio do Rio de Janeiro. Essas pessoas nunca saberão o que é entrar naquele lugar tão bonito e sentir-se acolhido, sentir como se o mundo todo estivesse ali e nada mais é necessário. Sentir que seu time do coração é tudo que você precisa e, por 90 minutos, a vida do lado de fora se torna menos importante. Quem diz que o Maracanã não tem alma não sabe o que é ouvir o canto da sua torcida em um estádio lotado e saber que pertence a algum lugar.

Nos piores dias, encontrei nesse gramado a força para continuar. Conheci pessoas que jamais vou esquecer, assim como tantos momentos inexplicáveis, indescritíveis e inenarráveis que vivi. Vi minha casa se transformar e deixar de lado sua essência, mudar um pouco sua forma de se comunicar com seus tão fiéis moradores. Mas isso nunca mudou nossa relação. Torço para que o tempo passe rápido e eu possa viver todas as melhores sensações novamente. Não há nada no mundo mais bonito do que o olhar de um apaixonado por seu time ao entrar no estádio que ele escolheu como casa.

Meu Maraca, eu peço aos deuses do futebol que não ousem nos separar novamente. Vamos escrever nossa história juntos mais uma vez.