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Alemanha acima de tudo: a trajetória dos três títulos mundiais

De "azarona" à grande potência do futebol, Alemanha eliminou três dos maiores craques da história; assim como em 2014, aplicação tática, frieza e talentos individuais foram as chaves para a conquista das três estrelas

Alemanha acima de tudo: a trajetória dos três títulos mundiais
Beckenbauer é um dos símbolos de uma vencedora geração alemã (Foto: Popperfoto)
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Por Elyson Gums

A Alemanha chegar a uma nova final de Copa do Mundo não é novidade. Os germânicos despontaram como favoritos desde o início da competição e chegam para sua oitava final de Copas com um time repleto de craques em todos os setores. Além dos talentos individuais, a seleção alemã conta com uma base trabalhada desde o Mundial de 2006. O ídolo Jürgen Klinsmann anunciava sua saída do comando técnico da equipe, dando lugar ao seu então auxiliar técnico Joachim Löw. Era o início de um trabalho que consolidou o país como uma das mais poderosas seleções do Mundo. A Copa no Brasil pode ser a coroação.

Como já dito, tudo se inicia em 2006. Jogadores importantes de 2010 e 2014 faziam parte daquele elenco, que teve de se contentar com um terceiro lugar, em casa. Klose, Schweinsteiger, Mertesacker, Lahm e Podolski - eleito o melhor jovem da competição - faziam parte do time derrotado pela Itália nas semifinais. Amadurecidos, eles voltaram para o mundial seguinte ainda mais qualificados.

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Em 2010, novamente a terceira colocação, com um futebol ainda mais convincente. Dez jogadores deste mundial continuam sendo peças importantes, incluindo os cinco que já haviam sido convocados em 2006. Manuel Neuer, Sami Khedira, Mesut Özil, Thomas Müller e Toni Kroos foram a base daquela equipe e jogadores de suma importância na atual campanha alemã. Naquela Copa, estes jogadores protagonizaram uma goleada por 4 a 0 contra a Argentina, sua adversária na grande final deste domingo.

Lahm e Schweinsteiger: dois dos melhores jogadores do país, atuando juntos na Seleção desde 2006 (Foto: Getty Images)

Com o título novamente perto dos alemães, a motivação parece ter aumentado ainda mais. Apesar do carisma e das brincadeiras fora de campo, a Seleção Alemã de 2014 demonstra foco e concentração dentro das quatro linhas. Caso o título não venha nesta edição, se completará mais um ciclo de vinte anos sem a mais cobiçada glória do futebol. Os três títulos mundiais da Alemanha vieram em grandes intervalos de tempo: o primeiro em 1954 diante da Hungria de Puskás; o segundo em 1974 contra a Holanda de Cruyff; e o terceiro em 1990, frente à Argentina de Maradona.

Suiça, 1954: Zebra Alemanha deixa Hungria de Puskás para trás no “Milagre de Berna”

Pode impressionar aos torcedores mais jovens, mas a Hungria já teve um time altamente competitivo, franco favorito para a conquista de Copa do Mundo e campeão da Olimpíada de 52. Jogando futebol ofensivo e comandados pelo faro de gols de Ferenc Puskás, maior jogador da história do país, avançaram facilmente às finais da Copa de 54. Quando todos esperavam a consagração do maior jogador da história do futebol húngaro e da melhor seleção do mundo à época, a zebra alemã conquistou o Mundial e calou os especialistas esportivos.

A história destes dois esquadrões históricos se cruzou já na fase de grupos. A Alemanha Ocidental – o “lado talentoso” do futebol germânico – encarou a Turquia em seu primeiro jogo, e goleou pelo placar de 4 a 1. No jogo seguinte, o primeiro encontro contra a temida Hungria. O treinador Sepp Herberger teve uma estratégia ousada: escalou reservas para a partida, usando o pretexto de estudar o adversário. Sem cinco titulares na partida, derrota por 8 a 3. Na ocasião, o zagueiro Liebrich lesionou Puskás, deixando o principal astro de fora de boa parte da Copa do Mundo.

Hidegkuti marca um dos oito gols da Hungria na Alemanha (Foto: STAFF/AFP/Getty Images)

Nas oitavas-de-final, vitória tranquila por 7 a 2 contra a Turquia, eliminando-os do torneio. Mesmo chegando como coadjuvante àquele mundial, o ataque alemão já começava a se destacar: foram quatorze gols em três partidas. Nos jogos seguintes, a boa média de gols se manteve: 2 a 0 contra a Iugoslávia nas quartas, e nas semi-finais uma goleada por 6 a 2 contra a Áustria. Pela primeira vez na história, a Alemanha chegava à final de uma Copa do Mundo.

A Hungria traçou um caminho mais complicado. Nas quartas, enfrentou o Brasil na partida mais violenta de todas as Copas até então. Foram três expulsões – todas as da competição, em um único jogo. Vitória húngara por 4 a 2. O adversário das semis foi o Uruguai, atual campeão. Outro 4 a 2 para os magiares, e confiança para a final.

Entretanto, as expectativas foram contrariadas e a Hungria foi derrotada pela descreditada Alemanha, em uma partida lembrada até hoje como o Milagre de Berna, já que fora disputada no Estádio Wankdorf, em Berna, capital suíça. Devido a importância desta vitória, em 2003 foi lançado o filme Das Wunder von Bern, do cineasta Sönke Wortmann. O filme conta em detalhes a história do evento, retratando uma terra ainda arrasada pelo pós-guerra.

Max Morlock faz o Segundo gol da Alemanha no Milagre de Berna (Foto: Allsport/Hulton)

No início de jogo, os húngaros não tomaram conhecimento do adversário: Puskás e Czibor abriram o marcador no início do jogo ainda antes dos dez minutos. No decorrer da partida, os estudos de Herberger na fase de grupos se mostraram valiosos. Rahn e Morlock empataram a partida. O melhor condicionamento físico alemão prevaleceu e a pressão dos cinco atacantes húngaros foi contida com dificuldade.

A seis minutos do final do jogo, Rahn anotou o terceiro gol alemão e sacramentou a queda dos craques húngaros. Eles continuaram a pressionar e quase empataram a partida: Hidegkuti chutou à queima-roupa, mas o goleiro Turak espalmou; depois Puskás marcou o terceiro gol em posição irregular. Pela primeira vez, a Alemanha era campeã mundial. Em cima do melhor time do mundo.

Os craques

Fritz Walter: Capitão, maestro e principal jogador do time são apenas algumas de suas atribuições. Walter ainda hoje é um dos maiores ídolos do Kaiserslautern, grande potência da Alemanha na época, e dá nome ao estádio da equipe. Aquela Copa foi o seu renascimento após a Segunda Guerra Mundial: teve de interromper a carreira para se alistar no exército alemão como paraquedista do Reich e retornou ao esporte já depois dos trinta anos de idade. Durante a final, houve certa preocupação com sua saúde: contraiu malária durante a guerra e sofria em situações de calor. O clima frio e chuvoso da final contra a Hungria foi comemorado pela torcida alemã.

Helmut Rahn: Começou a Copa do Mundo no banco de reservas e estrou nas quartas-de-final para se consagrar. Der Boss ficou conhecido por sua liderança dentro de campo e pelo canhão de perna esquerda, e levou o Rot-Weiss Essen (ALE) ao seu único título do campeonato alemão, na temporada 1954/1955. O filme Das Wunder von Bern foi dedicado a Rahn, que faleceu em 2003.

Alemanha, 1974: Johann Cruyff e o Carrossel Holandês aos pés de Gerd Müller e Franz Beckenbauer

Vinte anos depois, a Alemanha novamente voltou a vencer uma Copa do mundo – e foi o segundo título em cima dos favoritos. Contando com um dos elencos mais talentosos da Europa – e comandados pela lenda Johann Cruyff, o futebol-total de Rinus Michels parecia imbatível. Entretanto, do outro lado do campo, Sepp Meier, Franz Beckenbauer e Gerd Müller, três dos maiores ídolos da história da Seleção Alemã mostraram que, mais uma vez, a tranquilidade e seu poder de decisão eram suficiente para o triunfo.

A Alemanha ainda permanecia dividida entre os lados Ocidental – este continuando a ser a grande força esportiva – e Oriental, e as duas chegaram a se enfrentar no Grupo A. Ambas passaram de fase, a Oriental em primeiro lugar no grupo e a Ocidental em segundo. Na segunda fase da Copa, disputada por dois grupos de quatro países, a Alemanha Oriental enfrentou um grupo dificílimo e não conseguiu se classificar: foi derrotada por Holanda e Brasil e apenas empatou com a Argentina. Com o futebol mais vistoso e eficiente, a Holanda passou sem dificuldades para as finais.

A Alemanha Ocidental teve um caminho muito mais simples a percorrer. Classificou-se em primeiro no Grupo 2 da segunda fase, vencendo seus três jogos. 2 a 0 em cima da Iugoslávia, 4 a 2 sobre a Suécia e um sofrido 1 a 0 diante da Polônia. Naquela fase, ficou evidente a tranquilidade e frieza alemã, que iniciou o jogo contra a Suécia atrás no placar e conseguiu construir a goleada.

O Olympiastadion, em Munique, foi o palco da grande final: os donos da casa enfrentariam a invicta Holanda. Logo no primeiro minuto de jogo, o estádio lotado presenciou um pênalti para a Laranja, convertido por Neskens. Calmos, os alemães empataram, também de pênalti, aos 25 minutos. Breitner bateu forte e o goleiro holandês sequer se mexeu.

Aos quarenta e três minutos, Gerd Müller colocou a Alemanha na frente e fechou o marcador, tornando-se o maior artilheiro das Copas. A defesa falhou, foi incapaz de acompanhar o matador alemão. Na volta do intervalo, nem mesmo a imprevisibilidade da Laranja Mecânica parecia ser uma arma efetiva diante da precisão com que trabalhava a zaga alemã. Vogts foi um dos grandes destaques defensivos daquela partida, ao anular o mito Cruyff. A Holanda ainda tentou empatar a partida durante todo o restante do jogo, mas perdeu suas principais oportunidades e viu a Alemanha se tornar bicampeã mundial.

O goleiro Sepp Maier, do Bayern de Munique (ALE) fechou o gol e foi peça importante. Os mais renomados jogadores daquela geração, Franz Beckenbauer e Gerd Müller, também jogadores do Bayern, fizeram uma Copa primorosa e imortalizaram seus nomes. O primeiro, atuando como líbero, foi um dos responsáveis por segurar Cruyff e foi o capitão da Alemanha bicampeã. O segundo, um dos maiores artilheiros da história da Nationalelf, com 68 gols em 62 jogos. Der Bomber era o maior artilheiro da história das Copas até 2006, com 14 gols, quando foi ultrapassado por Ronaldo Fenômeno.

Beckenbauer não esconde o orgulho ao erguer a taça ( STF/AFP/Getty Images)

Os craques:

Franz Beckenbauer: Maior jogador do futebol alemão e campeão mundial atuando como jogador e como técnico. Versátil e seguro na marcação, Der Kaiser liderou o Bayern de Munique na década de 60 e 70 e pelo clube bávaro acumulou três Copas dos Campeões da UEFA consecutivas, quatro Copas da Alemanha e quatro campeonatos nacionais. Amigo de infância de Sepp Maier, o goleiro titular em 74, foi Beckenbauer quem lhe indicou a posição de goleiro. Foi o vencedor de duas Bolas de Ouro da France Football, em 1972 e 1974. Atualmente é presidente honorário do Bayern de Munique, clube que o imortalizou.

Gerd Müller: “Tudo o que o Bayern se tornou se deve aos gols de Gerd Müller”, disse Franz Beckenbauer. Os números são surreais: 398 gols em 453 partidas pelo Bayern de Munique, e 68 gols em 62 partidas jogando por seu país. Foi o artilheiro da Copa de 70 com dez gols naquele mundial, além de ser o maior artilheiro de uma única edição da Bundesliga, com 40 gols na edição de 72. Em 2014 Gerd Müller fica na torcida por seu sobrinho, Thomas Müller.

Itália, 1990: Após ser vice duas vezes consecutivas, Alemanha finalmente se sagra tricampeã

A Copa de 90 ficou marcada para os brasileiros pela água batizada de Branco. Para a Alemanha, entretanto, foi um período de duas vitórias: a consagração da talentosa seleção que ficou com o vice-campeonato nas Copas de 82 e 86; e o início de uma nova era para todo o país: o muro de Berlim fora derrubado e o país foi reunificado, em 1989. Franz Beckenbauer entrou para o seleto grupo de jogadores que conquistaram a Copa como jogador e treinador, o fantasma do vice finalmente foi esquecido, a Alemanha celebrava um dos esquadrões mais talentosos de sua história e a última partida da Alemanha Ocidental terminou em vitória em cima da Argentina de Maradona.

A base da seleção de 90 foi formada por atletas remanescentes dos dois vice-campeonatos anteriores. Jogadores que já se conheciam e estavam adaptados ao estilo de jogo proposto por Beckenbauer, o que se refletiu em boas atuações da defesa e ataque. Na fase de grupo, foram vitórias confortáveis sobre a Iugoslávia, por 4 a 1, e sobre os Emirados Árabes Unidos, por 5 a 1. Contra a Colômbia, apenas um empate em 1 a 1, o que garantiu a Alemanha nas oitavas. Os principais atletas daquele mundial já começavam a se destacar numa equipe repleta de grandes talentos individuais: Matthäus, Hässler e Möller no meio; e Klinsmann e Völler no ataque.

Nas oitavas-de-final, o adversário foi a Holanda. Vitória por 2 a 1, em um jogo polêmico marcado pela cusparada de Rijkaard em Völler e a expulsão de ambos. Nas quartas-de-final, um gol solitário do capitão Matthäus aos 25 minutos do primeiro tempo deu a vitória contra a Tchecoslováquia. O jogo das semifinais foi marcado pelo equilíbrio: a Alemanha encarou a Inglaterra, e o jogo foi para os pênaltis após um placar de 1 a 1 no tempo regulamentar e prorrogação. A frieza alemã, já vista nas duas conquistas mundiais anteriores, novamente garantiu o sucesso e os comandados de Beckenbauer chegaram à sua terceira final consecutiva.

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O adversário foi a Argentina, no estádio Olímpico de Roma, o mesmo adversário da final de 1986. Entretanto, desta vez, sem o protagonismo de Maradona, a alviceleste saiu de campo derrotada. No primeiro tempo, cerca de 70 mil torcedores assistiram a uma partida sem grandes chances de gol. Na volta do intervalo a Alemanha se mostrou mais determinada e dominou os hermanos.

Maradona foi completamente neutralizado. Os atacantes germânicos bombardearam a meta de Goycochea sem descanso, e a Argentina, apelando para as faltas, viu dois jogadores serem expulsos. Apesar do domínio, o gol da vitória veio de um pênalti – muito contestado pelos argentinos, já aos 40 minutos: Brehme, lateral-esquerdo dono da posição por dez anos, de 84 à 94, bateu forte e selou o tricampeonato. O grito guardado por tanto tempo finalmente ecoou pela Alemanha: enfim, tricampeã.

Lothar Matthaeus e Pierre Littbarski comemoram o título (Foto: STAFF/AFP/Getty Images)

Os craques:

Lotthar Matthäus: O jogador que mais jogou Copas do Mundo (25 partidas), recordista de aparições no selecionado nacional, um dos únicos atletas a participar de cinco Copas do Mundo. Lembrado por seus recordes e temperamento explosivo, o capitão do tricampeonato marcou 4 gols em 7 jogos e foi eleito craque do torneio. Na temporada 90/91, atuando pela Internazionale (ITA), foi eleito o melhor jogador do planeta.

Jürgen Klinsmann e Rudi Völler: A dupla comandou o ataque mais eficiente desta Copa do Mundo, sempre lembrada pelo talento individual. Ambos brilharam no futebol italiano, Klinsmann atuando ao lado de Matthäus e Brehme na Internazionale, e Rudi Völler na Roma. Klinsmann teve mais sorte: conquistou uma Copa Itália e uma Copa da Uefa. Em 92, ambos se transferiram para o futebol francês, Klinsmann para o Monaco e Völler para o Olympique de Marseille. Desta vez o segundo teve mais êxito e conquistou a Champions League em 1993. Como treinadores, ambos podem se orgulhar: Völler levou a Alemanha à final de 2002. Em 2004 deixou o comando da Seleção e quem o substituiu foi justamente Klinsmann. Jürgen é o treinador dos Estados Unidos desde 2011.