A rescisão do atacante Fred com o Atlético-MG foi publicada no Boletim Informativo Diário (BID), da CBF, no dia 16 de janeiro. Tão logo, o nome do atleta foi registrado no mesmo sistema como jogador do Cruzeiro. Os processos que selaram a mudança do jogador de um rival para o outro, no entanto, aconteceram em dezembro de 2017, quando se tornou pública uma multa prevista caso isso ocorresse.

No contrato do jogador com o Galo, foi acrescentado pela diretoria alvinegra que, em caso de rescisão e acerto posterior com o Cruzeiro (até 31 de dezembro de 2018), o atacante teria que indenizar o Atlético com um valor de R$ 10 milhões. Ainda, que o pagamento deveria ser feito até um dia útil após o nome do jogador ser inscrito no BID como jogador da Raposa, ou seja, 17 de janeiro.

Como o valor ainda não foi pago, a diretoria do Atlético entrou com uma ação contra o atacante junto à CBF nessa sexta (26) ao recorrer à Câmara Nacional de Resolução de Disputas (CNRD). Com a questão nas mãos da entidade nacional, foi cogitada a possibilidade da CBF, numa solução mais extrema, proibir que o atleta atue pelo Cruzeiro até que a multa seja paga.

Pensando nisso, a VAVEL Brasil conversou com profissionais ligados ao direito desportivo para saber: a CBF pode proibir o atacante de jogar pelo Cruzeiro enquanto a multa não for paga?

Fred pode não atuar pelo Cruzeiro?

De acordo com o procurador Farlei Vieira, do Tribunal de Justiça Desportiva (TJD) de Minas Gerais, o Atlético de fato está exercendo um direito que o assiste, uma vez que existe um contrato no qual ficou acordada uma cláusula referente à multa. Para o procurador, é possível que o Galo protocole um pedido de suspensão de contrato do atleta com a Raposa, mas é quase improvável que ocorra

“Essa é uma possibilidade [Fred não atuar pelo Cruzeiro]. O Atlético-MG pode entrar com um pedido de suspensão do contrato de trabalho atual do Fred e ele ficaria impedido de atuar pelo Cruzeiro. Mas, existe um princípio na lei trabalhista que proíbe qualquer empresa, qualquer empregador, de inibir o atleta ou qualquer outro empregado a trabalhar, a dar continuidade ao trabalho, e esse princípio, talvez, estaria respaldando o Cruzeiro. Esse impedimento é muito difícil de acontecer", colocou Farlei à VAVEL Brasil.

Fred já fez três jogos com a camisa do Cruzeiro (Foto: Washington Alves/Light Press/Cruzeiro)

Respaldo legal do Cruzeiro

A reportagem consultou o advogado trabalhista Giovanni Câmara para explicar o respaldo legal que o Cruzeiro teria caso a solução da polêmica de Fred seja mais extrema. Por mais que o futebol seja regido por uma legislação desportiva, nada é soberano à Constituição Federal, que, segundo Giovanni, ampararia a Raposa.

“Segundo a Constituição Federal e as regras previstas na Consolidação das Leis de Trabalho (CLT), nenhum trabalhador pode ser impedido de exercer seu trabalho, seja ele qual for. Nesse caso, a Lei Pelé prevê algumas hipóteses, como uma indenização em caso de rescisão contratual e os atletas profissionais têm um regime especial de trabalho previstos na Lei Pelé. Isso deve se resolver através de indenização e não na proibição do atleta de exercer sua atividade principal, que é o trabalho”, abordou Giovanni.

Chance de Fred ser proibido de atuar pelo Cruzeiro devido à multa ainda não paga é praticamente nula (Foto: Washington Alves/Light Press/Cruzeiro)

“A CBF não tem direito de impedir que o jogador exerça sua profissão porque, nesse caso, estamos falando só de uma multa. Então, segundo a CLT, ele tem completo direito de exercer sua profissão e a eventual proibição nesse sentido afrontaria a Constituição da República”, completou o advogado trabalhista. Esse amparo do Cruzeiro está presente no artigo 5º, inciso XIII da Constituição Federal, que declara como "livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer"

Cruzeiro é solidário à multa

Como a cláusula acrescentada ao contrato de Fred com o Galo foi feita pela diretoria alvinegra em seu relacionamento jurídico com o atleta, a cobrança foi feita diretamente ao jogador. Para o Atlético, portanto, não importa de onde virá o dinheiro, e sim que receba esse valor do atacante. No próprio comunicado da diretoria atleticana, ficou expresso que o clube "ingressou com ação de execução na CBF contra o Sr. Frederico Chaves Guedes (Fred)".

O atleta, porém, não arcará com o valor. Assim que assinou com o Cruzeiro, exatamente um dia após rescindir com o Galo, o jogador e seus representantes comunicaram a existência da multa ao clube celeste, que foi solidário em contrato ao seu pagamento. Esse ponto foi abordado pelo agente de Fred, Francis Melo, em entrevista ao programa Alterosa Esporte, do SBT, no fim do ano passado.

"O Cruzeiro foi comunicado [da existência da multa], e partir desse momento, pelo contrato se tornou solidário no pagamento. Tudo que foi feito, apalavrado e acordado, está em contrato. [...] O Cruzeiro, mesmo sabendo da existência da multa, quis o jogador", afirmou.

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Para o advogado Giovanni Câmara, com o acordo do Cruzeiro, esse panorama passa a ter duas entradas. “Nós estamos falando de duas responsabilidades distintas. A que o Fred assumiu com o Atlético-MG o torna responsável pelo pagamento ali estabelecido. Mas, se o Cruzeiro se solidarizou a esse pagamento, em eventual cobrança que o Atlético fizer contra o Fred, cabe ao jogador exigir que o Cruzeiro arque também com essa indenização”, disse.

“O Atlético tem o direito de reclamar essa multa do Fred, e o jogador, caso o Cruzeiro tenha se solidarizado com essa responsabilidade, tem o direito de exigir do Cruzeiro que arque com essa indenização”, completou Giovanni.

Galo cobra de Fred, que agora o faz com o Cruzeiro (Foto: Washington Alves/Light Press/Cruzeiro)

Posição do Cruzeiro

No fim do último ano, o Cruzeiro emitiu uma nota em seu site oficial informando que averiguaria a validade da multa, bem como a pagaria se fosse necessário. "Caso o parecer seja favorável ao pagamento, o Cruzeiro não vê problema para fazer o pagamento dos R$ 10 milhões, pois conta com um grupo de empresários cruzeirenses que está auxiliando o Clube nesta operação e irá fazer a quitação integra", disse a Raposa em 26 de dezembro.

O vice-diretor de futebol da Raposa, Itair Machado, chegou a afirmar no começo de janeiro que o Cruzeiro já sabia de onde tirar o dinheiro para pagar a multa: de investidores parceiros do clube, os quais pediram sigilo quanto às suas identidades.

"O Cruzeiro não tem esses investidores no dia a dia. Eles foram captados para efetuar contratações que, a princípio, seria do Lucas Pratto. [...] Então pintou a oportunidade de contratar o Fred, eu liguei para os investidores falando da multa contratual do Fred e perguntei se eles estavam dispostos a manter o acordo com o Cruzeiro. O acordo foi mantido", contou.

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Já nessa sexta (26), com o comunicado do Atlético, o dirigente da Raposa voltou a se pronunciar na Toca e estipulou um novo prazo para um posicionamento jurídico e financeiro do Cruzeiro: terça-feira da semana que vem, dia 30 de janeiro.

”A questão do Fred é que tínhamos prazo até quarta para manifestar na quinta, mas, por questão burocrática, o Cruzeiro vai se pronunciar até terça-feira (dia 30) juridicamente e financeiramente. A multa não é do Fred, é do Cruzeiro. Eles entraram na CBF contra o Fred, mas não acarreta em nada. Eles não cobram de ninguém. Isso não é problema. Vamos nos manifestar até terça no final do dia", afirmou Itair.

Fred em ação pelo Cruzeiro (Foto: Washington Alves/Light Press/Cruzeiro)
Fred em ação pelo Cruzeiro (Foto: Washington Alves/Light Press/Cruzeiro)