Domingo de confirmação de um Benfica que há semanas se adivinhava campeão. A recepção ao Olhanense, no jogo a contar para a 28.ª jornada, foi apenas o jogo da consagração antecipada. Mas o caminho para aqui chegar não foi fácil. Para ganhar foi preciso sofrer, foi preciso rezar (tantos que o fizeram ontem na Luz…). E agora é tempo de festejar. Com um ou dois anos de atraso, dizem os mais cépticos. Mas com muito mérito, sem dúvida.

A época começou cheia de fantasmas, de pontos de interrogação, de desconfiança e de desilusão. Era o técnico Jorge Jesus que parecia não ter mão nos jogadores. Eram os jogadores pareciam não ter estofo para superar um final de temporada 2012/13 completamente devastador. Eram os adeptos que não acreditavam ser possível sair de tão grande buraco sem uma mexida drástica, sem um abanão radical. Luís Filipe Vieira manteve o braço forte, a firmeza, e segurou Jorge Jesus. Acabou também por segurar Óscar Cardozo, se bem que por motivos distintos. E não deixou sair as principais joias da coroa encarnada. A aposta foi forte mas as coisas podiam ter começado melhor. Muito melhor…

A pré-temporada foi amorfa. Salvaram-se os raides de Lazar Markovic, que rapidamente foi elevado a novo menino-bonito da massa adepta. Mas o campeonato iniciou da pior forma. A deslocação aos Barreiros, na primeira jornada, trouxe uma derrota por 2-1. Os alarmes soaram, os críticos ganharam argumentos e houve logo aí quem colocasse o Benfica fora da luta pelo título. Era cedo mas percebia-se o desespero. Os jogadores não pareciam estar focados. E, pior, não pareciam estar com o técnico encarnado, algo que ia ao encontro de momentos de confrontação como os de Enzo Pérez em Amesterdão ou de Cardozo no Jamor.

Recepção ao Gil Vicente foi um dos momentos chave

À segunda jornada da Liga 2013-2014 já o Benfica disputava jogos decisivos. A recepção ao Gil Vicente, depois da derrota no terreno do Marítimo, assumia-se como fulcral para os comandados de Jorge Jesus, até porque FC Porto e Sporting começaram o campeonato a ganhar.

E quando Diogo Viana atirou para o fundo das redes de Artur, um silêncio ensurdecedor tomou conta do Estádio da Luz. Os minutos passaram e, quando já ninguém acreditava, Lazar Markovic atirou a contar já para lá dos 90’. Um empate continuava a ser mau porque deixava o Benfica a 5 pontos dos rivais logo à segunda jornada. Só que apareceu Lima, depois de tanto golo falhado, a atirar de cabeça para o fundo das redes gilistas. O Benfica dava a volta ao marcador no tempo de compensação e ganhava um balão motivacional tremendo. Parece ter sido um momento decisivo. Ninguém sabe o que teria acontecido se os encarnados não tivessem ganho esse jogo. Só se sabe que as coisas teriam ficado muito mais difíceis. Até porque depois vinha a deslocação a Alvalade. Chegar lá com cinco pontos de atraso teria sido muito complicado…

A cinco pontos da liderança mas a subir de produção

À terceira jornada, o Benfica estava já a cinco pontos da liderança do campeonato, que pertencia ao FC Porto. O empate em Alvalade (1-1) foi um resultado menos mau, até porque a exibição encarnada foi pouco convincente. Mas permitiu que os comandados de Jorge Jesus saíssem vivos do estádio do grande rival. A liderança isolada do FC Porto não augurava boas coisas para os lados da Luz até porque os dragões não têm por hábito perder vantagens pontuais significativas. Só que a temporada azul-e-branca foi tudo menos normal. O início do campeonato trouxe vitórias à justa, algumas delas arrancadas com erros graves de arbitragem. E, ao contrário do habitual, a equipa então comandada por Paulo Fonseca, mostrava uma insegurança defensiva gritante. No virar do ano, o Benfica já estava colado ao rival do Norte e ao Sporting. No Dragão entrava Quaresma mas saía Lucho González. O que aconteceu daí para a frente demonstrou a grande importância de El Comandante nas hostes azuis. A partir desse momento, foi sempre a descer…

Liderança à 15.ª jornada

Depois de alguns ensaios falhados, como foi o caso da recepção ao frágil Arouca que ditou empate a dois, as águias chegaram finalmente à liderança isolada da Liga na 15.ª jornada, a última da primeira volta. E a cereja no topo do bolo foi conseguir alcançá-lo às custas de uma vitória ‘sem espinhas’ (2-0) contra o grande rival do Norte, o FC Porto. O Benfica virava o campeonato com mais dois pontos que o Sporting e mais três que o FC Porto. E, agora sim, começava a ‘carburar’ e a entusiasmar os seus adeptos.

Daí para a frente, o Benfica não mais deixou fugir a liderança. E começava a juntar a isso uma segurança defensiva impressionante, algo que coincidiu com a entrada de Jan Oblak para a baliza, à 13.ª jornada. O esloveno acumulava uma série incrível de jogos consecutivos sem sofrer golos e o Benfica ia ganhando sem sobressaltos. Foi a fase em que os encarnados demonstraram uma maturidade impressionante, uma solidez defensiva intratável e um nível de eficácia acima da média. Mas as vitórias consecutivas iam tendo resposta do outro lado da Segunda Circular, com o Sporting a fazer também uma temporada excepcional e a recusar baixar os braços.

A 18.ª jornada foi, por isso, outro momento-chave. O Benfica recebia o grande rival lisboeta, com apenas 2 pontos de vantagem. No Sporting, notavam-se as ausências de William Carvalho e de Jefferson. Na Luz, Nemanja Matic tinha partido há pouco para o Chelsea e Cardozo ou Salvio – dados no início da temporada como titulares incontornáveis – lutavam contra os problemas físicos que os assolaram toda a temporada. Em campo, a resposta foi inequívoca. O Benfica não foi melhor, foi muito melhor. A vitória por 2-0 foi tranquila, segura, consistente. Tudo aquilo a que Jorge Jesus não nos tinha habituado. Com quatro pontos de avanço para o FC Porto e cinco para o Sporting, muitos renovavam a confiança. Mas os fantasmas de Maio de 2013 perduravam.

Percurso semelhante mas com final diferente

Muitas foram as vozes exteriores que se fizeram ouvir para criar pressão depois do Benfica conseguir a vantagem de quatro pontos. E na Luz ninguém esquecia o final da temporada passada. Só que o capítulo final desta temporada estava destinado a ser diferente. E o Benfica muito fez por isso. Defensivamente, a equipa continuava brilhante. E no ataque apareciam cada vez mais os génios Gaitán e Rodrigo, figuras de proa na fase final do campeonato.

Entre o empate em Barcelos (1-1), para a 17ª jornada, e o jogo da consagração de domingo, na 28.ª jornada, o Benfica ganhou sempre. E sofreu apenas dois golos, ambos na Choupana quando o Benfica bateu o Nacional por 4-2. Onze vitórias seguidas, dois golos sofridos e muitos marcados. Bom futebol, bons espectáculos. Neste período, o Sporting falhou apenas uma vez, quando empatou a dois na deslocação a Setúbal. Ficou a sete pontos e não mais conseguiu recuperar. Caiu de cabeça levantada e de peito feito, um digno vencido. O ano era do Benfica. E o título fica bem entregue, quando faltam ainda dois jogos à equipa de Jorge Jesus: a recepção ao Vitória de Setúbal e a deslocação ao Dragão.

Vieira ganhou a aposta

É incontornável falar em Luís Filipe Vieira em todo este processo. Quando todos queriam a cabeça de Jorge Jesus, o presidente encarnado enfrentou a onda e manteve o técnico da Amadora à frente da sua equipa. E, terminado o Campeonato, tem que ser dito que ganhou a aposta. O Benfica é Campeão Nacional e pode ainda conquistar muito mais, quem sabe fazendo desta uma das melhores épocas da história encarnada. O grande objectivo está alcançado e as águias continuam em todas as outras frentes, com legítimas aspirações à vitória final. Na Taça de Portugal, o lugar no Jamor está assegurado depois de uma épica reviravolta na eliminatória contra o FC Porto. Na Liga Europa, vem aí o duelo apaixonante contra a Juventus, numa meia-final que é quase uma final antecipada. E na Taça da Liga, os encarnados deslocam-se no dia 27 deste mês ao Dragão, para nova meia-final.

Vieira não só manteve Jesus como resistiu à tentação de vender os grandes craques da equipa. Chegou mesmo a apontar baterias à final da Liga dos Campeões, a disputar no Estádio da Luz, quando estava mais do que visto que esse era um passo inalcançável para os encarnados neste momento. Só que, hipotecada a Liga dos Campeões, Vieira vendeu Matic e a tarefa de Jesus não foi facilitada em nada. O presidente acreditou que o seu técnico seria capaz de reinventar a equipa sem o gigante sérvio e a verdade é que Jesus voltou a dar-lhe razão. Com Fejsa, Amorim ou André Almeida, o Benfica manteve-se forte e até atingiu níveis diferentes de competitividade defensiva.

Tudo sem Cardozo e Salvio

Se em Setembro, quando o Benfica seguia a cinco pontos da liderança, alguém dissesse que as águias seriam campeãs à 28.ª jornada, com a relativa facilidade que se viu e sem duas das principais joias da coroa durante grande parte da temporada (Salvio e Cardozo), muitos seriam os que o chamariam de louco. Mas foi isso mesmo que aconteceu. Cardozo entrou na equipa mais tarde, depois de hipotecada a saída para a Turquia. E quando regressou, rapidamente se deparou com problemas físicos que foram debelados muito lentamente e que fazem com que continue numa forma pouco apreciável. Já Salvio lesionou-se gravemente logo à 3ª jornada, na deslocação a Alvalade, e só regressou há um par de meses. Quando parecia voltar à melhor forma, eis que nova lesão contraída neste domingo o fará ficar de fora até final da temporada.

Ambas as ausências foram rudes golpes para Jorge Jesus mas o ocaso de Cardozo até permitiu ao Benfica adoptar uma nova forma de jogar. A consistência defensiva hoje vista na Luz não está dissociada da utilização da dupla Rodrigo-Lima, os primeiros ‘defesas’ da equipa, sempre pressionantes na saída de bola adversária, sempre presentes em espaços mais recuados (ao contrário do Tacuara). O Benfica até perdeu poder de fogo (tem menos golos marcados que na temporada passada) mas ganhou muita mais consistência defensiva e é hoje uma equipa muito mais segura e que sabe gerir o jogo. Os ataques ganham jogos, as defesas campeonatos... O segredo do sucesso passou muito por aqui. O próprio Cardozo sabe-o. E mostrou-o na meia-final da Taça de Portugal, quando pediu para sair depois da expulsão de Siqueira. Continua a ser muito útil, embora agora de forma mais faseada.

A época encarnada já será, seguramente, muito boa. Quando se monta um plantel no início do Campeonato num clube como o Benfica, o objectivo é sempre o Campeonato. O que vier a mais será sempre um extra. E ainda há muitos extras por lutar. A começar já na quinta-feira, quando receber a poderosa Juventus na Luz. Que se faça uma pausa na festa. Porque mais ‘reservas’ no Marquês poderão vir a ser feitas.

Fotos: slbenfica.pt

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