Após anos de penúria, crises, denúncias, completa imersão nas páginas policiais, a imagem do Cruzeiro voltou a resplandecer. Em um ano completamente oposto aos últimos dois anos de fracasso, a equipe mineira confirmou o retorno à elite do futebol brasileiro ao vencer o Vasco da Gama por 3 a 0 na última quarta-feira (21), diante de sua torcida. Garantido na Série A com oito rodadas para o Campeonato Brasileiro da Série B 2022 ser encerrado, o objetivo da equipe é sair do caos por cima, com o título, considerado praticamente uma questão de tempo para ser erguido pelo elenco da Raposa.

Um dos principais nomes dentro do grupo em relação ao tempo e situações vividas no clube é o zagueiro Eduardo Brock. Aos 31 anos de idade, o defensor nascido em Arroio do Meio/RS começou a carreira nas categorias de base do Grêmio. Após quatro anos, teve sua primeira experiência profissional em 2012 no Canoas e passou a jogar em clubes gaúchos, como Novo Hamburgo, Juventude, Aimoré e Brasil. Foi na equipe pelotense que houve um maior destaque e Brock foi contratado pelo Paraná Clube em 2017. No ano seguinte, foi negociado junto ao Goiás e, em seguida, emprestado ao Ceará, onde permaneceu até 2021, quando passou a ser atleta do Cruzeiro.

Em entrevista exclusiva à VAVEL Brasil, Eduardo Brock falou sobre vários assuntos: desde a característica de permanecer nos últimos clubes por diversos meses, o ambiente do Cruzeiro antes e depois da chegada de Ronaldo e seus investimentos financeiros, as ameaças sofridas nas redes sociais, o combate ao racismo e à homofobia, além das projeções para o futuro.

Trajetória

VAVEL Brasil – Ao longo de sua carreira, você prioriza ficar na equipe contratada e sai apenas quando a permanência é praticamente impossível. Foi assim no Brasil de Pelotas, no Goiás, no Ceará e agora no Cruzeiro, em sua segunda temporada. Você busca ser um jogador que cria identidade com os clubes por onde passa?

Eduardo Brock - Não acho que seja uma característica por minha escolha. A questão de ter a permanência maior é pelo meu desempenho ser bom, e poder ter essa possibilidade de permanência é sempre bom. Se a gente está junto em uma mesma ideia, a permanência sempre é válida. Porém, o futebol é algo que acontece coisas e muda constantemente. Isso é um fator. Claro que fico feliz de ver que permaneço nos clubes, mas é muito pelo meu trabalho, por ter sempre os mesmos objetivos que o clube e fico contente porque quer dizer que eu estou desempenhando um bom trabalho e o clube quer que eu permaneça.

VB - Você saiu do Ceará em uma situação relativamente confortável na Série A e foi jogar em um Cruzeiro mergulhado em uma crise. Tradicional, vitorioso, glorioso, mas sem conseguir se livrar da Série B, pesadelo na história do clube. Qual foi a principal diferença entre o ambiente alvinegro e o celeste quando você chega a Minas Gerais?

EB – O Ceará é um clube muito bom de se trabalha. Eu estava num ambiente muito bom, Série A e momento de crescimento do clube. Mas tenho certeza de que o Cruzeiro é um dos maiores clubes do país e da América do Sul. Quando se tem um convite desses, na verdade é um chamado. Não pensei duas vezes, independentemente da situação do clube. Uma dificuldade gera a oportunidade ao jogador para poder mostrar seu trabalho e eu vim com o intuito de que o clube retornasse a seu lugar. Sim, tivemos um ano muito ruim no ano passado, mas ainda bem que nesse ano as coisas mudaram muito e a gente está fazendo com que o Cruzeiro volte ao seu devido lugar. Isso é gratificante, hoje agradeço muito por ter vindo para o Cruzeiro, de ter feito e estar fazendo parte disso que está acontecendo no clube.

VB – Pela sua idade e carreira, você pode até ser considerado um dos líderes do elenco. O perfil de contratações e o plantel sofreram mudanças nas características entre 2021 e 2022. Hoje o time tem jogadores mais jovens e com mais experiência na Série B. Como você se vê no quesito importância no Cruzeiro atual?

Staff Images/Cruzeiro
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EB – Acho que o quesito liderança é algo que acontece naturalmente. Para alguns jogadores, isso nunca se leva em consideração. Ocorre realmente só para um jogador específico que tem essa vivência, idade, experiência no campeonato. Principalmente o fato de eu ter participado do clube no ano passado faz com que eu me torne um líder sim, mas acredito que cada um tem um papel dentro do clube hoje e, somando tudo isso, a gente consegue fazer uma equipe muito forte. Acredito que tenha sido isso. Hoje eu posso agregar bastante na minha experiência em Série B e na minha experiência no clube para que eu possa estar ajudando meus companheiros. Hoje se vê muito no Cruzeiro que todos têm uma ideia e um objetivo muito claros. A gente vai com muita força e muito trabalho. Eu acho que essa é a cara do Cruzeiro de 2022.

VB - Ano passado, o Cruzeiro teve uma campanha abaixo do esperado e ficou longe do acesso, até mesmo chegando a ser considerado matematicamente com mais chances de rebaixamento em comparação a voltar à elite. Em 2022 tudo está diferente e o time tem campanha irretocável, garantido na Série A em 2023. O que mudou internamente para essa mudança de atitude?

EB – Costumo dizer que o clube viveu os extremos. Ano passado, tudo estava ruim, principalmente extracampo. Quando se tem um ambiente muito ruim extracampo, em questões financeiras e com má administração do clube, o trabalho dentro de campo é prejudicado e a gente tenha dificuldade. Nesta temporada, com a vinda da SAF, do Ronaldo e da equipe dele, o clube se organizou interna e financeiramente. Dentro de campo, fizeram boas escolhas para a montagem de um elenco, de uma equipe e hoje se vê que os frutos estão sendo colhidos. Tudo que foi plantado pela SAF e por todos os profissionais que trabalham hoje e são profissionais ao extremo. Trabalhamos muito dia após dia e ficamos muito contentes em ver o resultado de campo positivo, fazer o Cruzeiro ser gigante novamente, com toda essa força que o Cruzeiro mostra em 2022.

VB – Com as vitórias, o ambiente fica mais tranquilo, o jogo encaixa e os resultados vêm naturalmente. A que você acha que deve a evolução pessoal em seu desempenho no clube desde quando você chegou?

EB – O próprio Eduardo Brock é um jogador diferente entre 2021 e 2022. Eu estive muito bem e agradeço muito ao (técnico) Paulo Pezzolano por essa oportunidade de ter permanecido em 2022, de ter evoluído como jogador, mas principalmente de poder trabalhar nesse Cruzeiro dessa forma mais tranquila, com o clube andando em um único objetivo. Digo isso abertamente. Agradeço muito ao treinador por ter visto isso e ter me dado a oportunidade. Em muitos momentos, talvez eu tenha sido o mais criticado, a torcida gostaria que eu saísse e o Paulo confiou em mim, falou abertamente ao público da minha qualidade e do meu potencial. Isso me ajudou bastante e fez com que eu permanecesse. Sou eternamente grato a ele e à comissão técnica dele.

Staff Images/Cruzeiro
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VB – Após a vitória expressiva contra o Vasco, o Cruzeiro garantiu o retorno à elite com muitos jogos de antecedência. Voltar à Série A é bom, mas melhor é poder coroar a temporada com o título. Como o elenco manteve e ainda mantém a tranquilidade para evitar que a ansiedade em concretizar os objetivos da temporada não interfira no desempenho durante as partidas?

EB – Nós temos uma meta muito bem traçada, um objetivo. Hoje a gente tem um objetivo muito claro que, além de conquistar o acesso, a gente quer o título de ser campeão. Consequentemente, buscar o título vai subir de divisão. O pior já passou e nós já conseguimos o acesso. A gente coloca a meta de ser campeão que vai trazer esses dois objetivos. Hoje não tem essa questão de nervosismo porque tem uma pressão natural do futebol para se ter o resultado e atingir o objetivo se torna mais difícil ainda. A Série B por si só, jogo por jogo, já é muito difícil. Estamos no fim da temporada, é ainda mais difícil. Hoje a gente procura trabalhar e sempre evoluir pessoalmente como jogador e como equipe. Assim fica mais próximo de atingir esses objetivos.

Violência e preconceito

VB – Você relatou em suas redes sociais ameaças feitas por uma pessoa a você e sua família após o empate com o Grêmio em Porto Alegre. O Cruzeiro lidera a Série B de forma absoluta desde o início da competição e ainda assim você e outros jogadores são ameaçados dessa forma. O que falta para que haja um limite e que tais situações não ocorram nem contigo nem com os outros companheiros de profissão?

EB - Hoje a gente vive na era da tecnologia e das redes sociais. Isso deu voz para muita gente e muitas pessoas acham que a internet é terra de ninguém e se escondem muitas vezes atrás de fotos falsas. No meu caso, nem foi isso, mas eles vêm, falam muita coisa e desejam muita desgraça. Acho que o próprio ser humano não vem ao mundo para desejar o mal do outro e a gente tem que batalhar contra isso, esse é o intuito de ter exposto isso também. Pessoas que hoje estão assim no mundo precisam pagar, acontecer alguma coisa para que elas melhorem também como pessoa. Acho que todos deveriam expor tal situação porque acontece bastante com jogador e, quando se envolve família e filhos, passam muito além do limite do tolerável. Mesmo que qualquer ofensa seja proibida e horrível, envolver filho, uma criança, eleva muito o nível de ameaça. Eu espero que essa pessoa esteja arrependida, que melhore e evolua como pessoa e que sirva de exemplo para outras que gostam de fazer isso, para que não façam mais. Somos seres humanos, pessoas normais, erramos, acertamos e a nossa família está sempre com a gente para nos ajudar. Eles não têm que ser ameaçados até porque não são eles que entram em campo.

Staff Images/Cruzeiro
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VB - O assunto é discutido hoje com mais espaço no Brasil, mas racismo e homofobia ainda são bem evidentes e o futebol escancara o que acontece no cotidiano. Como você acha que clubes e atletas em geral podem dar suporte a quem é do meio e que passa por situações dessa forma, além de ser um exemplo no combate à discriminação e à violência?

EB – Nós, como pessoas que têm acesso e muita visibilidade, podem ser exemplo a outros. Temos que começar sempre a procurar dar o melhor exemplo possível. Estamos em uma sociedade em que todo mundo é livre e pode fazer o que bem entender. A gente tem que respeitar o próximo. A campanha que o Cruzeiro faz com a braçadeira de capitão e nas bandeirinhas de escanteio do Mineirão mostra que o Cruzeiro está abraçado à causa da homofobia e fico feliz de poder participar disso. Sei que tem muitas pessoas que sofrem com isso e que hoje estão podendo melhorar sua vida, uma vida mais tranquila. Mesmo que ainda aconteça muita coisa, muita discriminação, a gente precisa batalhar e sempre evoluir como cidadão, sociedade e ser humano. Fico feliz de poder estar participando de uma campanha assim também, de algo positivo para a sociedade.

Agradecimentos e projeções

VB - Cruzeiro garantiu retorno à Série A e está muito perto de voltar como campeão. A quem agradecer e dedicar o sucesso da temporada?

EB - Agradeço primeiramente a minha família, a minha esposa, ao meu filho, que estiveram em todos os momentos ruins de 2021 e agora no momento bom de 2022. Eles sempre são a base, o alicerce de tudo o que acontece na minha vida. Depois disso agradeço ao Cruzeiro, à SAF, ao Ronaldo, ao Paulo Pezzolano e a toda a comissão técnica por ter me dado essa oportunidade de poder estar aqui em 2022 e fazer parte disso. Agradeço aos funcionários da Toca da Raposa, principalmente com quem convivo dia após dia desde 2021, e aos que saíram também, porque eles chegaram num momento crítico da vida deles, tiveram que sair pela situação financeira e sei que gostariam de estar no Cruzeiro até hoje. Eu agradeço aos que permaneceram, que abraçaram o clube com muito amor, muita dedicação, carinho, paixão, trabalho e hoje estão podendo fazer parte desse ano vitorioso, de retorno do Cruzeiro. Eles estão todos os dias na Toca da Raposa, sou amigo de muitos e tenho certeza de que é recíproco da parte deles também comigo, é um lugar que me sinto muito bem.

Staff Images/Cruzeiro
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VB - Qual o papel da torcida, que lotou o Mineirão e o Independência e esteve presente em vários jogos fora de casa?

EB - E agradeço a torcida. A gente passou por um momento em que eu tive muitas críticas, mas que fui muito compreensivo, sempre entendi isso, passamos por um momento geral muito difícil e a torcida estava esgotada de torcer pelo clube com as coisas não dando certo e esse ano a gente conseguiu dar a volta juntos, a torcida foi literalmente parte de nossa equipe fazendo presença no Mineirão, no Independência ou fora de Belo Horizonte. Sempre esteve muito presente, abraçou e fez com que o Cruzeiro retornasse mais gigante e talvez mais forte ainda do que era. Hoje sou amigo e tenho identificação com muitos, tenho identificação com o Cruzeiro e, no ano de 2022, todos me abraçaram de forma muito boa. Fico muito contente pela forma como tudo aconteceu e por estar aqui falando e estar participando disso, de toda essa reviravolta na minha vida, no Cruzeiro e ver o Cruzeiro retornando maior do que já foi.

VB - O que você espera para o futuro? Quais teus próximos passos ou alvos que você ainda espera alcançar ao longo de sua carreira?

EB - Só posso falar do meu futuro próximo que é ser campeão, poder ter um título nacional e coroar o trabalho que foi feito. Tenho contrato com o Cruzeiro até o final do próximo ano. Eu sei que o Cruzeiro tem muita coisa boa pela frente, também tenho muita coisa boa à frente com o Cruzeiro. Tenho que me concentrar em um futuro bem próximo, ser campeão e poder fazer com que a gente chegue muito bem, evoluindo a cada jogo. É isso que penso e almejo nesse momento. Espero que a gente possa concluir este ano de uma forma brilhante, conquistando tudo que foi nos proposto e até agora o Cruzeiro está fazendo um grande ano. Então a gente precisa encerrar com chave de ouro, com título e coroar todo o trabalho que foi feito em 2022.