Todos sabemos que o sector defensivo é a base estável de qualquer sistema de jogo: não é por acaso que José Mourinho tem, por definição, uma preocupação primordial com a organização da defesa e com as complementaridades que nela devem surgir – preconiza-se até que «uma equipa se constrói de trás para a frente», máxima muito partilhada entre os treinadores portugueses mas que tem raízes um pouco por todo o mundo futebolístico.

Tomando a liga portuguesa como caso analítico e, à luz das concorrências e hegemonias criadas ao longo das recentes décadas, comprovamos a essencialidade de um sistema defensivo competente e solidário, que suporte, quer estrutural quer mentalmente, o resto da formação – o FC Porto, líder incontestado do panorama português, sempre se fez valer de um sector defensivo forte, coeso, experiente e repleto de valências técnicas, quer pelo chão, quer pelo ar. Poderemos então deduzir que um sector recuado de qualidade é meio caminho andado para o sucesso?

FC Porto: uma mina de talentos defensivos

De facto, no clube nortenho não têm faltado talentos que emprestem à equipa uma segurança contra todos os riscos: época após época, os valores defensivos portistas chegam e saem, fazendo circular milhões de euros, mas a qualidade, essa, permanece intacta. Desenvolvidos e amadurecidos com critério e estabilidade, os defesas do FC Porto sempre integraram uma estrutura táctica clara e solidária – desde Aloísio a Fernando Couto e Jorge Costa, passando por Ricardo Carvalho e Jorge Andrade, chegando à contemporaneidade, onde nomes como Costinha (médio defensivo), Bruno Alves, Pepe ou Otamendi ou Fernando (trinco) pontificam, imediata parece ser a assunção de que as defesas portistas têm desempenhado um papel crucial de base na edificação dos sucessos azuis e brancos. Apenas nos últimos 20 anos, campeonatos em barda, duas Taças Uefa, uma Liga dos Campeões e taças domésticas a perder de vista.

              Alguns dos esteios defensivos do FC Porto

Defender bem aproxima o sucesso

Será a estabilidade defensiva condição primeira para uma estrutura forte e afinada? A história portista dos últimos anos tem provado que, se não é o seu fundamento basilar, será, no mínimo, princípio irrevogável para se chegar às vitórias, ou até a algo mais importante que isso: às vitórias recorrentes, previsíveis, dominadoras, precavidas e sucessivas. A hegemonia do FC Porto tem-se alicerçado num registo defensivo tremendamente positivo, onde os golos sofridos são escassos: se analisarmos os números das últimas cinco épocas, verificamos até que os índices defensivos se sobrepõem aos ofensivos em termos de mais-valias totais:

2012-2013: FC Porto é campeão com 78 pontos contra 77 do Benfica, e, apesar de ter marcado menos 7 golos que os encarnados (70 para 77), sofreu menos 6 que os rivais (14 contra 20).

2011-2012: FC Porto é campeão com 75 contra 69 pontos do Benfica, e apesar de ter marcado mais golos que o rival, a razão de 69 para 66 é menor que a diferença no cômputo defensivo: aí, o Benfica sofreu mais 8 golos (27 contra 19).

2010-2011: FC Porto é campeão com um avanço tremendo (21 pontos) sobre o Benfica; com registos atípicos para análise, os «dragões» marcam mais 12 golos que os encarnados (83 contra 71) e sofrem menos 15! golos que o Benfica (apenas 16 contra 31).

2009-2010: Agora com o Benfica campeão, os dados voltam a comprovar a importância da actuação defensiva no cômputo global: os encarnados fazem 76 pontos contra 68 do Porto, e marcam mais que os azuis, na mesma proporção – 78 contra 70 golos. Sofrem menos 5 golos que os «dragões» (20 contra 25). Mas o dado mais exemplar desta época vislumbra-se nos registo do SC Braga, 2º classificado: marcou menos 30 golos! que o Benfica mas, imagine-se, sofreu os mesmos 20 golos que os campeões, o que valeu apenas 5! pontos de desvantagem.

2008-2009: FC Porto é campeão com 70 contra 63 pontos do Sporting, aqui com preponderância maior dos golos marcados: mais 16 que os «leões» (61 contra 45) e com uma pequena diferença de golos sofridos entre ambos (20 do Sporting contra 18 do Porto). Apesar disso, a importância defensiva espelha-se, de novo, em números arrebatadores: o Benfica, 3º classificado, sofre mais 14 golos que o campeão (32 contra 18) e mais 12 que o Sporting, apesar de ter marcado somente menos 6 que Porto e de ter até ultrapassado os «leões», com mais 9 golos (54 contra 45).

Se quisermos recuar até ao ano dourado de José Mourinho ao leme dos «dragões», época em que venceu a Liga dos Campeões (2003-2004), também aí nos deparamos com a maior prevalência dos indicadores defensivos em detrimento dos ofensivos: o FC Porto é campeão com 82 contra 74 pontos do Benfica, marcando apenas mais 1 golo que o rival (63 contra 62) mas sofrendo menos 9 golos que as «águias», 19 contra 28.

      Foto: Miguel Barreira

Atacar para ganhar pouco: o caso do Benfica

Desde que Jorge Jesus pegou no Benfica, muitos são os adjectivos que caracterizam a genética da equipa encarnada, e todos eles encaixam perfeitamente: atacante, impulsiva, entusiasmante, esfusiante, voraz...Todas estas palavras traduzem a forma exuberante e ofensiva de jogar do Benfica. Além disso, marcos como os que Cardozo vai ultrapassando, aliados à proficiência técnica de extremos e avançados (como Salvio, Saviola, Dí María, Coentrão, Lima, Aimar) que pela Luz mostram ou mostraram o seu talento, reflectem um Benfica de carácter ofensivo, viciado no impulso furtivo do ataque e da transição veloz. No entanto – e apesar dos excelentes registos ofensivos – os encarnados apenas contam com um campeonato vencido nos últimos quatro anos.

Apesar de uma melhoria descomunal no estilo de jogo, o Benfica de Jesus teima em não conseguir consolidar o seu potencial frente ao rival Porto. Se o problema não estará no ataque, deverá estar na defesa? Nem por isso: como em todas as estruturas complexas, as insuficiências particulares traduzem-se em desequilíbrios gerais. A defesa encarnada tem sido débil nas faixas (Maxi compromete, Emerson foi fiasco, Melgarejo detinha várias insuficiências, e Cortez vai pelo mesmo caminho) mas o meio-campo apresentado de ano para ano, descompensado, tem desempenhado o seu papel assimétrico no relativo insucesso benfiquista. O ataque, com dois avançados, um deles estático, rouba volumetria ao miolo do terreno e torna mais desequilibrada uma táctica que, de si, já é desnivelada. O que serve para, pelo menos, levantar o véu da conclusão: uma boa defesa não se resume, afinal, ao quarteto recuado, mas a toda a forma que a equipa adquire sempre que pretende ocupar os espaços e bloquear a movimentação ofensiva do oponente.  A melhor defesa não é o ataque: a melhor defesa é a estrutura global de uma equipa e a forma equilibrada como esta se consegue desmultiplicar entre funções.