A narrativa que se constrói na Luz por esta época, sustem-se, para além do claro enfraquecimento do plantel e da liderança precocemente conquistada, na figura do seu treinador e no clima de suspense criado pelo debate em volta da sua continuidade. Nas últimas intervenções de Luís Filipe Vieira, esbate-se a confiança de outrora na renovação com Jorge Jesus. Será 2015 o ano da mudança no banco do Benfica?

A discórdia na figura do treinador

Na sua sexta época a dirigir em encarnado, Jorge Jesus poderá encerrar o ciclo de continuidade que instaurou entre a equipa principal do Benfica, quando viajou de Braga para Lisboa em 2009, para substituir Quique Flores. «Comigo a equipa vai jogar o dobro», prometeu na sua apresentação. E independente da medida, o clube da Luz aumentou a competitividade que ainda não tinha demonstrado este século. O clube e a massa associativa aplaudiram unanimemente o progresso, até que os desaires foram abrindo a fossa da discórdia entre uma facção pró-Jesus e os que, pelo contrário, querem ver o actual técnico fechar a porta da Luz.

Uma discórdia que aumentou há’ duas épocas, na perda de títulos quase ganhos, e na teimosia do treinador nas opções técnicas sustidas na insistência ou exclusão de determinados atletas. E nem o triplete ganho na última temporada parece trazer segurança de um novo contrato, a substituir o que se encontra em vigor até ao final da presente.

Dilata-se a  união com Vieira

«Antes de iniciar a época disse que Jorge Jesus podia renovar mantendo as atuais condições. Ele entendeu que não era o momento, e eu respeito isso, por isso vamos falar no final da época». Foi assim que o presidente encarnado, em entrevista ao Jornal A Bola a 02/01/2015, se pronunciou relativamente à posição da direcção sobre a questão, que tem tanto de interesse da instituição como da sua campanha pessoal à frente da mesma. Jesus é, no final, a principal bandeira vieirista. Sem ele, o presidente perde o clamor de outrora e reforça a discórdia que vem crescendo entre a massa adepta também relativamente à sua imagem. O desenlace da dupla anunciará, em futuro, uma certa renovação dentro do clube.

Sendo que o golpe de Jesus, ao adiar a renovação de um contrato igual ao que detém, na ânsia de um aumento favorável nas condições de um novo, não será abonatório. Tanto para o seu presidente, como para a sua continuidade, já que a torna uma decisão de final de época, com prova de resultados, remetendo para o clube uma decisão que já teve em seu poder.

Jesus confiante em poder decisório

Agora dependente de um desfecho de época, que embora não corra de feição, mas que sofre da atipicidade de ter os rivais directos em consentimento com a liderança encarnada, Jesus pode, em caso de renovação, representar a curiosidade de, na época em que pior futebol apresenta, poder segurar um novo contrato como prémio. A propósito da sua eleição de «Homem do Ano» pelo Jornal A Bola, o técnico puxou para si o papel de agente de decisão: «Quando acabou o campeonato anterior, o presidente disse que eu podia renovar quando quisesse. A porta está aberta».

Em contradição, o próprio presidente submete a porta aberta a avaliação: «No final da época, vamos avaliar a continuidade do vínculo contratual como sempre até aqui». E para Gaspar Ramos, profundo conhecedor do futebol na Luz, a continuidade será do directo interesse do treinador. Em entrevista à Radio Renascença, considerou que Jesus «não terá facilidade de ir para um clube ganhar o que ganha no Benfica».

Para além do elevado valor comportado na continuidade de Jesus, que gostaria ainda de ver o seu ordenado aumentado, a direcção liderada por Viera terá a oportunidade de tentar encontrar no mercado um substituto mais sustentável para as contas do clube. Perfilam-se nomes como o de Rui Vitória, actual orientador em Guimarães, para tratar a renovação do cargo de principal treinador das águias numa equação menos simples que nas épocas anteriores.

A fraca aposta nos activos do clube

O progressivo desmantelamento do plantel principal pode também contribuir para a perda de fundo da questão Jesus. A consolidação do Benfica como um clube que sabe negociar é inversamente proporcional à consistência do plantel, que se mostra enfraquecido com a venda de posições  que não consegue substituir. E que reforça a postura do actual treinador na dependência dos muitos valores gastos em contratações, na construção das suas já várias equipas encarnadas. Satisfação que tem sido oferecida por cedência directiva.

Contudo, para além de uma bolsa que se começa a fechar para decisões de equipa técnica, também uma nova postura tente a emergir. A da necessária aposta na formação, na qual Jesus tem revelado um papel praticamente nulo. Para um treinador de continuidade, pede-se diferente olhar para dentro dos recursos do clube. Que a sua utilização não seja por necessidade, mas sustentada de forma estratégica numa nova visão da instituição. E se o Benfica pretende a exportação de atletas de camadas jovens para o seu plantel principal, precisa de uma equipa técnica coerente com essa gestão.

Aguardemos, então. 

No final da época, Jorge Jesus deixa de ser apenas um treinador, para passar a representar a continuidade ou mudança na Luz. Uma tomada de rumo por parte do Benfica, necessária. Com a flagrante certeza, que, agora ou depois, com o fim da Era Jesus um novo Benfica surgirá. Que haja o mesmo consenso inicial, bem como sapiência estratégica por parte da direcção, para a escolha do nome sucessor.

A haver despedida, importa ressalvar, como legado, o conceito de continuidade que o treinador transportou para o Benfica e que se traduziu em festejos. E no caso de renovação, que se tranquilizem as vozes de revolta com os sinais de que a teimosia já deu frutos. Porque o não despedimento em 2012/2013, depois da época negra, acabou por trazer a bonança do último triplete.