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Até sempre, rei Eusébio

No dia de reis, o «King» Eusébio, eterna lenda benfiquista, fez a sua última despedida. A derradeira homenagem ao ícone do Benfica foi feita tal como o «Pantera Negra» sempre desejou: no centro do relvado do Estádio da Luz, perante milhares de adeptos encarnados e ao som do hino das «águias». Ao fim da tarde, o corpo do mítico avançado do Benfica foi sepultado no Cemitério do Lumiar, debaixo de uma chuva copiosa, assim como dos choros, já saudosos, daqueles que o viram partir.

Até sempre, rei Eusébio
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Por VAVEL

Eusébio da Silva Ferreira foi hoje a enterrar, no Cemitério do Lumiar, em Lisboa, perante a consternação de milhares de adeptos benfiquistas, fãs do futebol e admiradores da pessoa, do mito e do legado desportivo que o «Pantera Negra» representou e continuará a representar, na memória daqueles que o admiram. Figura histórica incontornável do futebol mundial, Eusébio foi homenageado em pleno Estádio da Luz, perante os aplausos de dez milhares de pessoas que se deslocaram à «Catedral» para uma simbólica despedida ao «King». Ao som do hino benfiquista e de «A Portuguesa», as lágrimas e os acenos comovidos dos chachecóis pintaram o quadro do adeus. O antigo jogador foi depois transportado para o cemitério, seguido pela multidão, onde foi sepultado, perante a profunda tristeza da família e do indisfarçável pesar da sua outra família, a benfiquista. Além das mais reputadas figuras de Estado, de personalidades do mundo do futebol nacional e de amigos, também a comitiva encarnada acompanhou a despedida final ao maior símbolo do Benfica.

O funeral, marcado para as 17 horas, sofreu atrasos devido à chuva e à imensa multidão que acompanhou a última travessia de Eusébio. Enquanto o caixão era depositado na sepultura, entoaram-se incessantes e fervorosos cânticos em honra do «Pantera Negra», melódicos gritos de dor e de homenagem ao jogador que marcou, não apenas uma geração, mas toda uma instituição, toda uma comunidade, todo um país. Aos 71 anos, Eusébio da Silva Ferreira deixa o mundo dos vivos para mergulhar eternamente na memória, local de partilha colectiva, sítio reservado aos heróis cujas fracções do tempo não conseguiram nem conseguirão nunca, devotar ao esquecimento. Junto ao caixão, o capitão Luisão chorava. Ao seu redor estavam Cardozo, visivelmente abalado, Rui Costa, trajado de dor, e Jorge Jesus, para quem Eusébio foi «um extra-terrestre». O tom vermelho da parada predominou durante toda a cerimónia: lenços, bandeiras, cachecóis, símbolos do clube espalhados pelo angustiado peito das pessoas, num dia em que o país parou para enterrar um dos seus bastiões. Mais que uma homenagem, o dia de reis ilustrou uma promessa, à medida que Eusébio se dissipava na chuva e na terra: Portugal prometeu nunca esquercer o «King» Eusébio. Portugal e o mundo, certamente não esquecerão.

Marcar a história, indelevelmente

Nascido a 25 de Janeiro de 1942, na antiga Lourenço Marques, actual Maputo, o garoto moçambicano mal sabia que o seu futuro lhe reservava uma imemorável trajectória no mundo do futebol. Chegado a Lisboa em 1960, no frio mês de Dezembro, Eusébio sentiu dificuldades em adaptar-se à vida na capital portuguesa, onde desembarcara para representar o Benfica. Ajudado por colegas de equipa como Mário Coluna e José Augusto, o jovem natural de Mafalala integrou-se na formação encarnada e conquistou o seu espaço, quer no onze, quer no coração dos benfiquistas. Com as suas arrancadas, a sua tenacidade, o seu potente remate e os seus golos fulminantes, Eusébio coleccionou títulos e deslumbrou por onde passou: o mundo rendeu-se ao seu talento, à sua garra indomável, à sua humildade. No Benfica, onde venceu o título nacional por 11 vezes, a Taça de Portugal por 4 ocasiões e onde conquistou a Taça dos Campeões Europeus (no ano de 1962), todos o admiravam. O mundo rapidamente reconheceu o génio futebolístico do «Pantera Negra», atribuindo-lhe a «Bola de Ouro» em 1965. No ano seguinte, com a camisola das quinas envergada, Eusébio sagrou-se o melhor marcador do Mundial de 66, com 9 golos apontados, número que valeu, com a ajuda dos companheiros, o terceiro lugar na competição, medalha de bronze que até hoje consta, ainda, como o melhor registo lusitano em Mundiais de futebol. O golo de Eusébio era, como poetizou Manuel Alegre, mais que isso: «era poema», escrito contra as redes adversárias, vezes sem conta: o avançado marcou 733 golos em jogos oficiais, fora as incontáveis ocasiões em que serviu, na perfeição, o golo aos colegas de equipa. Rever os seus golos é ler, para dentro de nós, a beleza inscrita na precisão e graciosidade do movimento que antecedia o festejo.

A Taça dos Campeões e a camisola de Di Stéfano

Eusébio fez-se de exibições estonteantes, mas algumas marcaram de modo universal a modalidade. No dia 2 de Maio de 1962 o Benfica defrontou o todo-poderoso Real Madrid do genial Di Stéfano, ídolo do jovem Eusébio, numa partida da final da Taça dos Campeões Europeus. Em Amsterdão, o Real marcou primeiro, por Puskas, aos 17 e aos 23 minutos. Águas reduziu aos 25 e Cavém empatou aos 34, mas o húngaro do Real completou o «hat-trick», quatro minutos depois. Coluna restabeleceu a igualdade e depois emergiu Eusébio: dois golos, em três minutos (65 e 68) consumaram a ultrapassagem no marcador e ditaram a vitória europeia do Benfica, segunda na história do clube. O menino Eusébio desejava, mais que a própria Taça, a camisola do seu herói, Di Stéfano: e, com todo o reconhecimento do argentino, ela foi-lhe entregue. O momento permaneceu na memória do benfiquista para sempre.

Remontada épica no Mundial de 66

Outra das fenomenais exibições de Eusébio ocorreu no Mundial de 66, disputado em Inglaterra. No dia 23 de Julho, a selecção portuguesa defrontava a Coreia do Norte. Em Goodison Park jogava-se a passagem à semi-final e o início da partida não poderia ter sido mais desastroso para a turma portuguesa: em 24 minutos os coreanos haviam marcado 3 golos e antevia-se o desaire luso. Eusébio, como que por magia, desencantou quatro golos e proporcionou, com a ajuda dos colegas (António Simões e José Augusto assistiram o Pantera), uma remontada digna de permanecer na grande antologia do futebol. José Augusto, assistido por Torres, marcou o tento final de um triunfo saboroso e inesquecível. Eusébio deixava, mais uma vez, o mundo de boca aberta. O seu choro inconsolável, ao sentir o ardor da derrota frente aos ingleses, ainda hoje comove os adeptos do desporto.

Até sempre, Rei

Vencedor de duas «Botas de Ouro» por ter sido o melhor marcador europeu, Eusébio somou sete títulos de maior artilheiro do campeonato nacional, e ainda foi coroado campeão no estrangeiro, quer no norte-americano Boston Tea Men quer nos mexicanos do Monterrey. Apaixonado pelo Benfica e ligado intrinsecamente à genética da instituição, Eusébio personificou a mística da «águia», o encanto do golo, a autenticidade do festejo de quem vive o futebol como vive a vida: com garra, com devoção, com amor. Fez-se história em Eusébio e Eusébio incarnou a história do Benfica, arrastando consigo o significado de «ser benfiquista». Pela meninice de outrora e pela humildade de sempre, Eusébio entrou, como o seu desaparecimento mostrou, no coração das gentes, não só por ser um involvidável futebolista, mas por ter ido além disso. Por ter vivido o clube que o fez vencedor como quem vive por aqueles que ama, incondicionalmente. Eusébio marcou, nas nossas mentes, o golo mais importante da sua carreira: o golo inesquecível da eternidade. Porque, enquanto houver memória, haverá Eusébio, correndo e sorrindo, a festejar.