Adversários na nona rodada das Eliminatórias Sul-Americanas para a Copa do Mundo de 2018, Brasil e Bolívia já protagonizaram uma histórica decisão de Copa América. Em 1997, a Canarinho conquistou seu primeiro título continental além das fronteiras brasileiras ao bater os anfitriões em pleno Estádio Hernando Siles, em La Paz, por 3 a 1. Na primeira etapa, Edmundo inaugurou o placar, e Erwin Sánchez deixou tudo igual. A conquista da Amarelinha confirmou-se no segundo tempo, com os gols de Ronaldo, à época ainda conhecido como "Ronaldinho", e Zé Roberto, o mesmo que defende o Palmeiras hoje, aos 42 anos.

A Seleção comandada pelo lendário Zagallo tinha apenas quatro taças de Copa América à época e não levantava o caneco desde 1989, ano em que superou o Uruguai pelo placar mínimo no Maracanã, com gol de Romário. Além disso, a então campeã mundial carregava o estigma de nunca ter conquistado o certame sul-americano no exterior, tabu o qual era motivo de piada para os rivais uruguaios e argentinos, maiores campeões do torneio.

Por sua vez, La Verde queria repetir o feito de 1963, quando gritou "É campeão!" diante de sua torcida após uma emocionante vitória de 5 a 4 contra o próprio Brasil, então bicampeão mundial, no Estádio Félix Capriles, em Cochabamba. Ugarte (dois gols), Camacho, Ausberto García e Alcócer foram os heróis nacionais naquele dia 31 de março. Flávio (duas vezes), Marco Antônio e Almir descontaram para os visitantes. A Bolívia ainda foi beneficiada pelo empate em 1 a 1 entre Paraguai e Argentina - naquele tempo, a Copa América foi disputada em pontos corridos, em turno único.

Final emocionante

O calendário marcava 29 de junho de 1997. Os ares eram favoráveis aos donos da casa, que dispunham, no papel, de uma geração talentosa a qual disputara a Copa do Mundo de 1994. Além disso, tinham a famigerada altitude, o costumeiro terror para os adversários, e o massivo apoio de seus adeptos. Do lado brasileiro, um desfalque de peso: o craque Romário sentiu uma fisgada e ficou de fora da decisão. Em seu lugar entrou o "animal" Edmundo.

Como de praxe em um jogo decisivo, o clima de tensão tomava conta das arquibancadas e das quatro linhas; 22 jogadores estavam diante de 46 mil torcedores A História começou a ser escrita aos 40 minutos do primeiro tempo; quando o lateral-esquerdo Roberto Carlos cobrou falta, o goleiro Trucco não segurou a bola, e a sobra ficou com o meia Denílson, que fuzilou para o fundo das redes. A pelota desviou no atacante Edmundo antes de entrar.

O empate dos anfitriões não demorou muito. O meia Erwin Sánchez "tirou o coelho da cartola". Ele mandou uma bomba de fora da área e viu o goleiro Taffarel cometer uma grande falha. Talvez o arqueiro brasileiro tenha sido vítima da altitude, a qual dá maior velocidade à bola.

O gol animou a Bolívia do técnico espanhol Antonio López Habas. Na etapa complementar, os donos da casa, que se valiam de ataques rápidos e jogadas aéreas, acertaram a trave três vezes. Taffarel teve muito trabalho.

No momento em que o relógio marcava 34 minutos, uma tabelinha entre Zé Roberto e Ronaldo deixou o Fenômeno na cara do gol. E o camisa 9 não perdoou. Mostrou que a hostilidade do ambiente não incomodava a seleção de Zagallo.

A conquista brasileira foi sacramentada aos 45 minutos. Nesse instante, Denílson viu Zé Roberto livre de marcação, e o meia, que substituira Flávio Conceição no decorrer do segundo tempo, deu números finais à peleja: 3 a 1. O Brasil era campeão da Copa América pela quinta vez.

Depois do apito final, o Velho Lobo desabafou. "Vocês vão ter que me engolir!", gritou à imprensa, da qual muitos eram críticos do seu trabalho e já o consideravam um técnico pragmático.

Bolivianos sofreram grandes baques antes e depois da decisão

Contudo, engana-se quem pensa que o pior acontecimento veiculado nos noticiários bolivianos naquela época foi a derrota na final frente ao Brasil. Um dia depois do vice-campeonato continental, o país recebeu uma triste notícia: Juan Manuel, filho do atacante Ramiro Castillo, faleceu em decorrência de uma hepatite. O menino tinha apenas oito anos. No dia da final, Juan fora internado em estado grave. A derrota ficou pequena diante de tamanha perda.

De acordo com Erwin Sánchez, autor do gol de La Verde naquela decisão, a delegação recebeu a notícia da internação de Juan Manuel minutos antes da partida. E Ramiro, conhecido no país como Chocolatín, deixou o estádio rumo ao hospital. "Poucos sabem dessa história, mas entramos em campo muito abalados. O jogo nem nos importava mais. Foi triste para nós. Tínhamos a ilusão de ganhar um título da Copa América sobre o Brasil diante no nosso povo. E tudo foi por água abaixo. Horas depois da partida, o menino morreu", contou o ex-jogador à imprensa em 2014, durante o tour da taça da Copa do Mundo em território boliviano.

O triste fim de Juan Manuel deixou Castillo muito abalado. O meio-campista entrou em depressão profunda. Tentou se recuperar através do futebol, mas sem êxito. No dia 18 de outubro, pouco mais de três meses após o falecimento de seu filho e um dia depois do que seria o aniversário de oito anos do garoto, Chocolatín foi encontrado morto em sua casa. Tinha uma gravata amarrada em seu pescoço. Havia se suicidado. A Bolívia perdia um ídolo nacional.

Ramiro Castillo defendeu Los Altiplanicos em 52 jogos e anotou cinco gols. Esteve presente no Mundial de 1994, a última participação da Bolívia em Copas. No âmbito dos clubes, vestiu as camisas dos eternos rivais The Strongest e Bolívar, tendo sido este o seu último clube, e dos argentinos Instituto de Córdoba, Argentinos Juniors, River Plate, Rosário Central e Platense, além do Everton de Viña Del Mar, do Chile.

O último gol de sua vida foi anotado na sua última partida pelo Bolívar, em uma vitória de 3 a 1 sobre o Destroyers.