"Vamos, vamos, Chape" era o que gritava a apaixonada torcida da Chapecoense, após conquistar vaga para decisão de um torneio internacional pela primeira vez. Não é necessário contar o que aconteceu com o voo 2933, da empresa LaMia, às 2h58 (horário de Brasília) do dia 29 de novembro de 2016. Isso todos nós já sabemos: 71 mortos, seis sobreviventes, milhares de orações pelo mundo e 77 famílias desoladas.

Nesta quarta-feira (29), completa-se um ano da queda do avião que transportava a delegação da Chapecoense e companheiros de profissão, que estavam prontos para mais uma cobertura jornalística. Por mais difícil que seja, no entanto, a vida tem que continuar.

Nos últimos 365 dias, muito se falou sobre a reconstrução do clube, desde homenagens – como partidas amistosas, contra Palmeiras, Barcelona e Roma –, até visita ao Papa Francisco. Mas como está sendo a reconstrução das famílias que perderam seus entes queridos? Quais foram as principais dificuldades durante este ano? Muitas perguntas, poucas respostas.

Por isso, a VAVEL Brasil conversou exclusivamente com Fabienne Belle, viúva do fisiologista Cesinha e presidente da Associação dos Familiares e Amigos das Vítimas do Voo da Chapecoense (AFAV-C). Inicialmente, ela descreveu qual a intenção da organização, prezando por justiça e direitos.

"A AFAV-C surgiu da necessidade que encontramos diante de tantas dificuldades geradas pelo acidente", disse. "Vimos que era necessário dar voz às famílias para que, através da coletividade, pudéssemos buscar nossos interesses, defender nossos direitos, bem como lutar para que a justiça ampla fosse alcançada", acrescentou.

Em determinados momentos deste ano, a relação entre famílias e Chapecoense chegou a ser mais distante. Atualmente, Fabienne explicou que as duas entidades têm se aproximado cada vez mais a fim de conseguir uma evolução na prestação de serviços aos parentes das vítimas.

"A AFAV-C e a Chapecoense vem estabelecendo, desde agosto, um canal de comunicação. O clube destacou dois profissionais [Dr. Thiago Degasperin e Fernando Mattos] para estar em contato permanente conosco. Dentre as nossas ações conjuntas, destaco a viabilização de uma fundação, cujo objetivo é dar suporte a longo prazo às famílias. Este projeto tem total apoio do presidente Plínio Davi De Nes Filho e, em breve, será lançado. Uma outra questão é o compartilhamento de informações, de documentos, e também das estratégias jurídicas que a Chape adotará, e fomos atendidos com uma reunião na última terça-feira [21]", contou.

familiares da vitimas reunidos ( Foto: GettyImages
Familiares das vítimas reunidos na Arena Condá (Foto: GettyImages)

Muito tem se falado sobre a "apropriação" do acidente pela Chapecoense, que se tornou centro das atenções e vem sendo seguida no processo de reconstrução. Para Fabienne, no entanto, tal desastre desestrutura principalmente pessoas, não as corporações envolvidas, e a AFAV-C tem o objetivo de garantir atenção suficiente para tal fato.

"A luta da AFAV-C é para conquistar a oportunidade para que cada família possa reescrever sua história de vida" - Fabienne Belle

"Um acidente aéreo vitima não uma instituição, mas sim, seres humanos. O acidente pertence as pessoas. As instituições que estavam naquele avião, não só a Chapecoense, já se reestruturaram, mas as vidas daquelas 71 pessoas não voltam mais. Infelizmente, lidamos com a perda. Nossos entes queridos tinham rosto, tinham nome, tinham família e entraram naquele avião com o sonho de construir um bom futuro. Eles não podem ter morrido em vão. A luta da AFAV-C é para conquistar a oportunidade para que cada família possa reescrever sua história de vida. Nosso objetivo é que cada pessoa envolvida nessa terrível tragédia herde tudo aquilo que seus entes sonhavam."

Foto: GettyImages
Foto: GettyImages

Na época da queda do avião, muitas promessas de ajuda foram feitas. Com o passar do tempo, no entanto, o que mais se viu foram carências dos familiares aumentando. A porta-voz dos familiares confessou que a principal dificuldade foi encontrar auxílio psicológico para lidar com uma situação tão traumática.

"Após o acidente, ficamos completamente desamparados. Não existiu a adoção de nenhum protocolo de gerenciamento de crise. Acredito que as feridas emocionais e os traumas psicológicos gerados pela tragédia seriam os pontos mais importantes a serem observados, já que o processo de luto passa por diversas etapas, e faz-se necessário o acompanhamento especializado em cada uma delas", pontuou.

Fabienne explicou o processo em relação à companhia aérea LaMia, que foi contratada para levar os jogadores até Medellín. A apólice era milionária, mas a seguradora alega que, por questões contratuais, não deve pagar. Por isso, chegou a propor determinado pagamento às famílias, mas somente caso elas desistissem de qualquer ação judicial.

"Sabemos que a LaMia era uma operadora, um dos donos da aeronave é Ricardo Albacete, e isso abre uma nova rota nos processos investigatórios. Quanto ao seguro, ele nos foi negado por uma cláusula de exclusão geográfica, pois a aeronave não poderia ir para a Colômbia. A seguradora Bisa contratou o escritório Clyde & Co para intermediar um acordo de ajuda humanitária, no valor de US$ 200 mil. Porém, para recebermos este valor, temos que dar quitação para todos os envolvidos no acidente, ou seja, teremos que abrir mão de quaisquer reivindicações futuras que surjam conforme as investigações sejam concluídas."

Ainda brigando por melhores condições, Fabienne contou detalhes sobre a reunião da última terça-feira (21), em Florianópolis, que envolveu a Chape e familiares das vítimas.

"A reunião aconteceu a pedido da AFAV-C, com o objetivo de solicitar ao clube compartilhamento de informações, documentos e estratégias jurídicas. O que surgiu de novo sobre as investigações foi uma informação, que estamos averiguando, sobre o envolvimento de um político do alto escalão do governo boliviano", finalizou.