Argélia: a chance de Halilhodžić comandar uma seleção na Copa do Mundo

Quando técnico da Costa do Marfim, bósnio foi demitido da seleção quatro meses antes do Mundial na África do Sul após eliminação na Copa Africana de Nações. Quatro anos depois, treinador agora é o chefe da seleção que, um dia, foi seu maior carrasco

Argélia: a chance de Halilhodžić comandar uma seleção na Copa do Mundo
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Por André Bastos

Preparada para a quarta Copa do Mundo de sua história – a segunda consecutiva -, a Argélia vem ao Brasil com a esperança de se tornar a zebra do Grupo H. Adversária de equipes pouco entusiasmantes em competições internacionais como Rússia e Coréia do Sul, além da Bélgica, os africanos chegam à competição depois de garantir a liderança de seu grupo nas eliminatórias continentais e avançar na fase de mata-mata despachando a seleção de Burkina Faso em dois duelos emocionantes.

A seleção argelina pode não ser uma das favoritas ao título, mas a participação da equipe no torneio já pode ser considerada uma vitória para o treinador da equipe, o bósnio Vahid Halilhodžić. O técnico de 61 anos terá a oportunidade de comandar pela primeira vez uma seleção em uma Copa do Mundo após ter batido na trave em 2010. Quando era técnico da Costa do Marfim, Vahid foi demitido poucos meses antes do início da competição por conta da eliminação dos Elefantes nas quartas de final da Copa Africana de Nações. O algoz? A própria Argélia, atual equipe do treinador. Agora no comando dos argelinos, Halilhodžić finalmente terá a chance que deixou escapar quatro anos antes.

Halilhodžić como jogador: destaque na antiga Iugoslávia e apogeu na França

Considerado um dos melhores e mais influentes jogadores da Bósnia, Vahid Halilhodžić começou sua carreira no Velež Mostar, ainda no início da década de 70. Após ter sido emprestado ao Neretva por uma temporada logo após ter se tornado profissional, o atacante retornou ao Velež para ajudar a equipe a conquistar o título iugoslavo da temporada 1972/73.

Ao longo de seus dez anos atuando no time bósnio, Halilhodžić jogou 207 partidas pela primeira divisão do futebol da Iugoslávia, marcando 103 gols. Com a camisa da seleção Iugoslava, o atacante foi campeão da Eurocopa Sub-21 mesmo com 26 anos, já que nas regras, dois jogadores acima dos 21 anos poderiam ser convocados. Tanto destaque fez com que equipes francesas se interessassem no futebol de Halilhodžić. E após marcar dois gols na final da Copa da Iugoslávia e ajudar o Velež a levar o título, o bósnio foi contratado pelo Nantes.

Apesar da primeira temporada longe de seu país, o atacante foi muito bem. Entrou na equipe titular logo de cara e não saiu mais, marcando sete gols em 28 partidas. Mas o bom momento de Halilhodžić no time francês veio na temporada seguinte, quando o atacante marcou 27 vezes em 36 jogos, comandando o Nantes ao título francês da temporada 1982-1983. Na ocasião, o bósnio foi o artilheiro do torneio, fato que voltaria a acontecer com a camisa de La Beaujoire na temporada 1984-85.

Depois de cinco temporadas com 163 partidas e 92 gols marcados com a camisa do Nantes, Vahid Halilhodžić saiu da equipe francesa. Já estava de malas prontas rumo a Mostar com a ideia de passar mais tempo com seu pai, que havia contraído uma grave doença. Entretanto, uma oferta tentadora de Francis Borelli, presidente do Paris Saint-Germain, fez o bósnio recuar de sua decisão e assinar contrato de uma temporada com a equipe parisiense.

Já aos 34 anos, Halilhodžić foi contratado pelo PSG para a disputa da Uefa Champions League da temporada 1986-87. Na primeira fase da competição, o time de Paris encarou os tchecos do Víktovice, e no jogo de ida, o bósnio marcou um dos gols do empate em 2 a 2. Entretanto, na partida de volta, uma derrota pelo placar mínimo na República Tcheca tirou os franceses do torneio.

Aquela temporada não foi boa para Halilhodžić. Apesar dos oito gols em 18 jogos disputados, o bósnio passou por um momento complicado em sua carreira. Durante a temporada, sua mãe morreu, o que forçou o atacante a encerrar sua carreira como atleta.

Halilhodžić como técnico: título no Marrocos e reconhecimendo na França

Três anos após pendurar as chuteiras, Vahid Halilhodžić deu início a sua carreira como treinador na década de 90 justamente na equipe que o revelou para o futebol, o Velež Mostar. Após duas temporadas no comando do time bósnio, Vahid foi para a França, onde comandou o Beauvais na temporada 1993-94.

Depois de rodar por outras equipes menores francesas, o treinador parou no Marrocos onde assumiu o comando do Raja Casablanca, equipe na qual conquistou seu primeiro título como técnico, em 1997. Na época, os marroquinos enfrentaram o Obuasi Goldfields na final da CAF Champions League e, após uma vitória pelo placar mínimo para cada time na final, o Raja Casablanca bateu o time ganês nos pênaltis, sagrando-se campeão.

A conquista do título intercontinental deu visibilidade a Halilhodžić. E já no fim de 1998, o bósnio assinou contrato junto ao Lille, com o intuito de tirar o time francês da segunda divisão. Na primeira temporada com o clube, resultados poucos expressivos. Porém, já no campeonato seguinte o time decolou, conquistando o título e o acesso para a divisão de elite do futebol francês.

O bom trabalho de Halilhodžić na França foi coroado na temporada 2000-01. Recém-promovido a Ligue 1, a equipe comandada pelo bósnio foi a surpresa do torneio atingindo a terceira colocação e garantindo pela primeira vez em sua história uma vaga na Uefa Champions League.

Apesar da classificação, a campanha do Lille na Champions League foi bem fraca. Os franceses caíram no mesmo grupo que Manchester United, Deportivo La Coruña e Olympiacos. Mesmo com a vitória conquistada em casa sobre os gregos, as derrotas para United e La Coruña pesaram contra o Lille, que com apenas seis pontos conquistados em 18 possíveis deram adeus à competição ainda na primeira fase.

Mesmo com a eliminação precoce na competição europeia, o Lille continuou bem no campeonato francês, mas não ao ponto de conquistar novamente uma vaga para a Champions. Ao término da Ligue 1, restou ao clube a quinta posição na tabela. A colocação não agradou Halilhodžić e, após quatro temporadas, o bósnio deixou a equipe, alegando a falta de ambição dos dirigentes do clube em conquistar algo mais.

O grande desempenho frente ao Lille deu destaque a Halilhodžić no mundo futebolístico. E quatro meses após sua saída do clube, o técnico recebeu um convite para comandar o Stade Rennais, com a proposta de salvar a equipe do rebaixamento para a Ligue 2. E na ultima rodada, uma vitória sobre o Montpellier por 3 a 1 garantiu a permanência do clube de Rennes na primeira divisão.

O trabalho de “treinador-bombeiro” deu certo, o que fez Halilhodžić ganhar ainda mais destaque na Europa. Sua saída do Stade Rennais fez com que equipes de todo o continente procurassem o treinador, mas uma proposta feita pelo Paris Saint-Germain chamou a atenção do técnico, que aceitou retornar ao clube após 16 anos, agora na função de técnico.

Logo na primeira temporada, Vahid comandou o PSG a uma das maiores campanhas da história do clube parisiense. Mesmo com um elenco considerado mediano, mas que contava com peças importantes como Lorik Cana, Danijel Ljuboja e Pauleta, o Paris Saint-Germain ficou a apenas três pontos do Lyon, garantindo o vice-campeonato da Ligue 1. Já na Copa da França, uma vitória pelo placar mínimo graças ao gol de Pauleta contra o Châteauroux na final fez a festa da torcida no Stade de France, em Saint-Denis.

Entretanto, o grande retrospecto na temporada não se repetiu no ano seguinte. Na Champions, o PSG caiu no Grupo H junto com Chelsea, Porto e CSKA Moscou, e com apenas uma vitória, dois empates e três derrotas, os franceses deixaram precocemente a competição, saindo ainda na fase de grupos na ultima colocação.

A má fase do Paris Saint-Germain afetou também sua temporada na Ligue 1. Com uma campanha marcada pela irregularidade, Halilhodžić não conseguiu ajeitar mais a equipe, que não saía da parte intermediária da tabela. Em fevereiro de 2005, o bósnio foi demitido do comando dos franceses, deixando o time na sétima colocação do torneio.

Depois de sete anos na França, o técnico resolveu sair do país e foi para a Turquia treinar o time do Trabzonspor. Em terras turcas, Halilhodžić levou sua equipe a uma honrosa quarta colocação no torneio, garantindo uma vaga na antiga Copa da Uefa. Mesmo assim, o bósnio não comandou o time turco na competição, desligando-se da equipe ao fim da temporada 2005-2006.

Como técnico da seleção marfinense, decepção às vésperas do Mundial

Depois de uma rápida passagem pela Arábia Saudita treinando o Al-Ittihad, Vahid Halilhodžić ficou um tempo fora de serviço, cerca de dois anos. Entretanto, em junho de 2008, o bósnio foi convidado para treinar a Seleção da Costa do Marfim, uma das equipes mais fortes do continente africano. Com um elenco repleto de jogadores em constante evolução no futebol como Salomon Kalou, Gervinho e Yaya Touré, além de Didier Drogba, os elefantes voaram nas eliminatórias e, após dois anos de invencibilidade, chegavam com moral tanto para a disputa da Copa Africana de Nações quanto para a Copa do Mundo, na África do Sul.

Na primeira fase do torneio continental, um empate sem gols contra a fraca equipe de Burkina Faso fez o torcedor ficar desconfiado, mas, a vitória por 3 a 1 contra Gana botou as coisas no eixo, deixando os marfinenses na liderança do Grupo B, o único com três equipes, já que Togo desistiu de disputar a competição devido ao ataque sofrido na fronteira entre Congo e a província de Cabinda.

Como vencedor de seu grupo, a Costa do Marfim pegaria então o segundo colocado do Grupo A, no caso a Argélia. Após um primeiro tempo igual no placar – Kalou fez para os marfinenses aos quatro minutos, enquanto Matmour empatou aos 39 -, Kader Keita colocou a Costa do Marfim muito próxima da semifinal, marcando quase nos acréscimos. Entretanto, o gol de Bougherra já nos acréscimos levou a partida para a prorrogação e, logo no terceiro minuto de tempo extra, Bouazza marcou o gol que acabou com a invencibilidade marfinense, colocando os argelinos na próxima fase da competição.

A eliminação precoce chocou a nação. Em um país onde a guerra civil começara a ganhar força novamente devido a uma suporta manipulação nas eleições presidenciais, o futebol era a principal fonte de esperança e alegria dos marfinenses. A derrota então foi a gota d’água para um povo que vivia momentos de tensão. Com isso, a situação de Halilhodžić ficou insustentável na seleção e o técnico foi demitido em fevereiro de 2010, quatro meses antes do início da Copa do Mundo.

No início da temporada européia do mesmo ano, o técnico bósnio assinou contrato de dois anos e meio com o Dínamo Zagreb, da Croácia. A eliminação na fase qualificatória da Champions League deixou bastante tenso o clima no clube croata, mas com a chegada do novo treinador, a expectativa era grande, e uma vitória na Liga Europa sobre o Villarreal fez Halilhodžić ganhar moral entre seus torcedores.

Mesmo sendo eliminado pelo PAOK na fase seguinte, o torcedor do Dínamo continuou dando apoio ao treinador, que foi levando o time até a liderança do campeonato croata. Sem nenhum susto durante toda a competição, o time de Zagreb foi campeão nacional naquela temporada, um grande feito para Halilhodžić. Mas, no fim do calendário, uma discussão exaltada com o presidente-executivo do clube, Zdravko Mamic, fez o técnico deixar o clube croata.

Na Argélia, a grande oportunidade de comandar uma seleção na Copa

Depois da saída do Dínamo Zagreb, Halilhodžić recebeu um convite para treinar uma nova seleção. Até aí, tudo bem. Se não fosse um convite do maior carrasco da carreira do treinador como técnico. A seleção da Argélia vinha desacreditada nas eliminatórias, com pouca expectativa, mas com a chegada do treinador ao time, o rumo das coisas mudou para o lado argelino. Na estreia nas eliminatórias, uma goleada tranquila por 4 a 0 sobre Ruanda. A derrota na rodada seguinte para Mali por 2 a 1 assustou, mas as quatro vitórias seguidas engatilhadas pelo time argelino trataram de acalmar o torcedor.

Líder do Grupo H com soberania, o sorteio colocou Burkina Faso no caminho da Argélia. Na partida de ida, derrota frente aos atuais vice-campeões da Copa Africana de Nações: 3 a 2 com um gol sofrido aos 41 minutos do segundo tempo em um pênalti polêmico.

Na partida de volta, um show da torcida local. Com o estádio lotado horas antes do início da partida, os argelinos faziam uma linda festa para apoiar o time, inclusive com um mosaico feito com o nome da seleção nas arquibancadas. Dentro de campo, um clima pesado cercava a partida.

Podendo vencer por 1 a 0 por conta dos dois gols marcados fora de casa, a Argélia pressionava. E, de tanto apertar, marcou o gol salvador no início do segundo tempo. Após o cruzamento na área, coube a Bougherra, capitão da equipe, desviar de cabeça para abrir o placar e colocar a Argélia na Copa do Mundo. O mesmo Bougherra que empatou nos acréscimos a partida entre Argélia e Costa do Marfim na Copa Africana de Nações em 2010, partida que culminou na saída Halilhodžić do comando dos Elefantes.

Quatro anos após a fatídica demissão pouco antes da Copa, Vahid Halilhodžić tem uma nova chance de estar no Mundial como técnico de uma seleção. Mais do que isso, essa é a oportunidade do bósnio em mostrar aos marfinenses o quão errada foi a decisão de mandá-lo embora às vésperas de uma Copa do Mundo.