Todo sonho tem uma origem. O da Argentina, de conquistar seu tricampeonato mundial, passa pelas conquistas anteriores -- que a colocaram no hall das maiores seleções do mundo. Neste domingo, (13), os argentinos enfrentarão a Alemanha, que já foi algoz e também foi vítima: em 1986, foi derrotada pelo genial Diego Armando Maradona, no segundo título hermano. O primeiro, oito anos antes, foi conquistado por um time fortíssimo, em casa, mas que ficou marcado por ter sido uma marca da ditadura.

Em 1978, a fortíssima seleção argentina foi até colocada em segundo plano, por uma forte e repressora ditadura. Dentro de campo, o artilheiro Mario Kempes comandou a equipe a uma vitória contra a Holanda, conquistando o primeiro título. Anos depois, o brilhantismo de Maradona deu o bicampeonato aos argentinos: com seus gols e a 'mão de Deus', o camisa 10 se consagrou em 86 como um dos maiores jogadores de todos os tempos.

Neste domingo, o Maracanã será palco de mais uma tentativa dos sul-americanos de buscar um título. Se olharem para trás, Messi e companhia verão que as últimas conquistas foram exatamente com a marca argentina: com muita raça e toques de genialidade. Dois pontos para se inspirarem na busca pelo título.

Um Mundial muito controverso marca a primeira conquista da Argentina

Ambiente tenso e repressor, uma ditadura hostil e sanguinária, estádios prontos em cima da hora e um regulamento no mínimo estranho à primeira vista. Este foi o plano de fundo da Copa do Mundo de 1978, disputada na Argentina, que pleiteava ser o país-sede de um Mundial desde a Copa de 1938 – naquela oportunidade, os argentinos não só perderam para a França a possibilidade de organizar o torneio, como também boicotaram aquela e as duas edições seguintes da Copa, só voltando a disputá-la em 1958, na Suécia.

Então, 28 anos depois, ao contrário dos europeus (que repetiriam o feito 20 anos depois), a Argentina tomou as rédeas da história e colocou seu nome no panteão dos campeões mundiais de futebol jogando em casa. Comandados pelo artilheiro Mario Kempes e empurrados pela sua sempre fanática torcida, que proporcionou à sua seleção um dos melhores fatores locais da história das Copas, os argentinos foram derrubando um a um seus adversários até chegarem à final contra a poderosa Holanda, vice-campeã da Copa de 1974 e considerada uma das melhores seleções da época.

Chamou a atenção, ao se atentar para a tabela do Mundial, o fato de a Argentina ser a única seleção com a possibilidade de disputar todos seus jogos no mesmo estádio – o Monumental de Núñez, na capital Buenos Aires. Enquanto isto, todos os adversários passariam por, no mínimo, duas cidades para chegar à final. Ao contrário do que acontece hoje, a estreia era disputada pelo atual campeão, e não pelo país-sede, então o debut argentino na competição aconteceu apenas no 4º jogo do torneio, contra a Hungria, no dia 2 de junho de 1978. Completavam o Grupo 1 da Copa do Mundo, as seleções da França e da Itália.

Uma fase de grupos com muitos sustos e sem viagens

Diante de quase 72 mil torcedores, os donos da casa saíram atrás no marcador, sofrendo o gol de Csapó logo aos 10 minutos de jogo. Os húngaros não eram exatamente o adversário mais difícil do grupo, mas contavam com László Nagy e András Törőcsik, dois jogadores que faziam lembrar os bons tempos do país na primeira metade dos anos 50, e voltavam ao Mundial após um hiato de 12 anos. A Argentina não tardou a empatar o jogo, com Leopoldo Luque, aos 15 minutos da primeira etapa. O jogo ficou truncado, deixando transparecer o nervosismo dos argentinos com a estreia, mas, mesmo com todas as dificuldades, a Albiceleste virou o jogo aos 39 minutos da etapa final, com Daniel Bertoni, que havia saído do banco de reservas, após dividida entre o goleiro húngaro Gujdái e o avante Luque. Nos minutos finais de jogo, Törőcsik e Nyilasi seriam expulsos de campo.

Na sequência, 4 dias depois, a Argentina enfrentou a França, novamente em um Monumental de Núñez tomado. A Copa de 1978 foi a primeira aparição de uma grande geração francesa que encantaria a Europa e o mundo, com ótimas campanhas nas Copas de 1982 e 1986, e com o título da Eurocopa em 1984, disputada na França. Os gauleses, liderados pelos experientes Marius Tresor e Henri Michel, e contando com os jovens e promissores Michel Platini e Dominique Rocheteau, deram muito trabalho, proporcionando aos espectadores um dos melhores jogos daquele Mundial. O capitão Daniel Passarella abriu o marcador no final do primeiro tempo, enquanto Michel Platini empatou aos 15 minutos da etapa complementar. Coube a Leopoldo Luque anotar um golaço aos 28 minutos para dar números finais à partida e classificar os argentinos para a segunda fase.

Muito mais tranquila, com o passaporte carimbado para a fase seguinte, a Argentina esperou mais 4 dias para, no dia 10 de junho, finalizar sua participação na primeira fase da Copa, contra a Itália – também em Bajo Flores. Os italianos também haviam vencido seus dois jogos até então, e apresentavam jogadores qualificadíssimos, como Marco Tardelli, Paolo Rossi, Antonio Cabrini e Gaetano Scirea, que seriam campeões mundiais no Mundial seguinte, em 1982. A defesa liderada pelo mitológico goleiro Dino Zoff já se mostrava muito forte, e vencê-la foi um desafio que os argentinos não foram capazes de cumprir. Indo a campo com um time muito modificado em relação aos jogos iniciais, tendo as saídas de Luque, lesionado, e de Houseman, de fracos desempenhos nos jogos anteriores, para os ingressos de Ortíz e Bertoni, a Argentina foi inferior à Itália e foi derrotada por 1 a 0, gol de Roberto Bettega. O revés fez os argentinos perderem a liderança do Grupo 1 do Mundial, obrigando-os a disputar a segunda fase em Rosario.

Ida ao interior embala os argentinos, mesmo com jogos muito polêmicos

A tabela do Mundial foi desenhada de um modo para que a Argentina disputasse todas suas partidas em Buenos Aires, no Monumental de Núñez. A derrota para a Itália fez com que os argentinos tivessem que disputar os três jogos seguintes no alçapão do Gigante de Arroyito, na distante Rosario, a 300 km da Capital Federal. A estreia na segunda fase foi contra a Polônia, campeã do Grupo 2, e que curiosamente havia vencido seus dois jogos na fase de grupos jogando em Rosario. Com dois gols de Mario Kempes, ídolo do Rosario Central, mas que jogava no Valencia (ESP), os argentinos venceram os poloneses, mas não sem dificuldades. Tendo a melhor geração da sua história, com craques do quilate de Zbigniew Boniek e Grzegorz Lato no time titular, os alvirrubros do Leste Europeu perderam muitas chances e consagraram Ubaldo Fillol, que, entre outras grandes defesas, pegou pênalti cobrado pelo capitão Kazimierz Deyna.

A sequência reservava um clássico. O Argentina e Brasil que ficou conhecido como “a Batalha de Rosario”. Os brasileiros também haviam vencido seu jogo de estreia na segunda fase, 3 a 0 sobre o Peru. Em resumo, o empate sem gols se caracterizou como uma carnificina dentro das quatro linhas, onde as equipes se preocuparam muito mais em ser mais catimbeiras que o adversário do que propriamente em jogar futebol – sobretudo o Brasil, que abandonou completamente sua característica mais técnica para bater parelho com os argentinos. Houveram pouquíssimas chances de gol ao longo do jogo, as duas melhores do Brasil, ambas desperdiçadas por Roberto Dinamite. Jogadores técnicos das duas equipes, como Ricardo Villa e Zico, saíram de campo com cartões amarelos, e a atuação mais destacada naquela noite de 18 de junho foi a do volante Chicão, escalado por Cláudio Coutinho especialmente para equilibrar o “jogo duro” da Albiceleste.

O empate no confronto sul-americano deixavam Brasil e Argentina empatados na liderança do Grupo 2 da segunda fase, ambos com 3 pontos, mas com um gol de vantagem no saldo para os brasileiros. Então foi quando aconteceu um dos episódios mais controversos da história das Copas do Mundo. Na preliminar da rodada final da segunda fase, o Brasil venceu a Polônia por 3 a 1, aumentando sua vantagem no saldo de gols para +3, fora os pontos da vitória. A Argentina, com este contexto, deveria vencer o Peru por, no mínimo, 4 gols de diferença para ultrapassar os brasileiros no saldo de gols e ir para a final do Mundial. Abatidos e eliminados, os peruanos foram presa facílima, em um jogo que despertou todo o tipo de suspeita, desde ameaças do então ditador Jorge Rafael Videla, que teria feito uma visita ao vestiário peruano antes do jogo, até um suposto suborno aos jogadores, passando pelas acusações ao goleiro Ramón Quiroga, curiosamente um argentino naturalizado peruano.

Em que pesem todas as suposições que duram até hoje, naquela noite de 21 de junho os argentinos fizeram um jogo exemplar. Nos primeiros 20 minutos de jogo, os peruanos até tentaram complicar, mostrando bom futebol e inclusive mandando uma bola na trave de Fillol. A fraquíssima defesa peruana começou a fazer água aos 24 minutos do primeiro tempo, quando Kempes não teve dificuldade alguma para invadir a área e abrir o marcador. Aos 43 minutos da etapa inicial, Tarantini aproveitou escanteio para ampliar. Na etapa complementar, a avalanche de gols que classificou a Argentina para a finalíssima. Kempes, aos 4 minutos, Luque, um minuto mais tarde, Houseman, aos 22 minutos, e novamente Luque, aos 27 minutos, completaram o massacre por 6 a 0 da Albiceleste. Festa no alçapão do Gigante de Arroyito para os argentinos que, depois de 48 anos, voltavam a uma final de Copa do Mundo, desta vez, dentro de casa.

Drama e desafogo em Núñez: a Argentina é campeã do mundo!

A final não seria contra qualquer time. O adversário era a poderosa Holanda, que já havia goleado a Argentina na fase semifinal da Copa de 1974, aplicando impiedosos 4 a 0. Além disto, a “Laranja Mecânica”, como os holandeses ficaram conhecidos naquele Mundial, chegaram até a decisão, apresentando um novo conceito de futebol, chamado de “futebol total”, desenvolvido pelo treinador Rinus Michels e comandado dentro de campo pelo craque Johan Cruyff. O principal jogador do vice-campeonato da seleção laranja, aliás, não disputou a Copa na Argentina, bem como o mentor do ousado estilo de jogar. Muito se comentou que a ausência de Cruyff se deu por um protesto contra a ditadura no país-sede do torneio. Seu substituto foi Johan Neeskens, que se não tinha a mesma maestria do antigo camisa 14, tinha qualidade para liderar o meio-campo holandês e servir os não menos qualificados Johnny Rep e Rob Rensenbrink.

A campanha da Holanda até ali foi bastante irregular. A participação na primeira fase teve uma vitória na estreia, 3 a 0 no Irã, com hat-trick de Rensenbrink, um empate sem gols contra o Peru, e uma derrota surpreendente para a Escócia, por 3 a 2 – todos os jogos em Mendoza. Os holandeses se classificaram na 2ª colocação do Grupo 4 da Copa, com 3 pontos, a mesma pontuação dos escoceses, mas superando-os no saldo de gols (+2 contra -1). A equipe treinada pelo austríaco Ernest Happel se encontrou na segunda fase, curiosamente goleando o país-natal do técnico da Holanda por 5 a 1 na estreia. Na sequência, os holandeses arrancaram um empate suado contra a Alemanha Ocidental, em 2 a 2. E em um jogo que pode ser considerada uma semifinal informal, a Holanda venceu a favorita Itália por 2 a 1, de virada, gols de Brandts e Haan – o próprio Brandts havia aberto o placar para os italianos, marcando contra.

A decisão foi muito equilibrada, tanto na bola, quanto nas jogadas mais fortes, uma vez que os holandeses não se intimidaram e retribuíram todas as pancadas recebidas ao longo da partida. As equipes trocavam boas chegadas ao ataque, até que aos 37 minutos da etapa inicial, Kempes, mostrando muita raça, recebeu de Luque marcado por Jansen e Krol, e mesmo assim conseguiu desviar na saída de Jongbloed. O empate holandês aconteceu também aos 37 minutos, mas do segundo tempo, quando o grandalhão reserva Dick Nanninga aproveitou cruzamento da direita para vencer Fillol. No último lance do tempo normal, Rensenbrink recebeu lançamento da defesa holandesa e mandou no poste direito de Fillol. A prorrogação foi toda da Argentina, que desempatou no último lance do primeiro tempo extra, novamente com Kempes, que novamente mostrou muita raça para vencer Jongbloed e dois defensores adversários. Aos 9 do segundo tempo extra, o gol que confirmou o título foi marcado pelo mesmo Bertoni que marcara o gol da vitória na estreia. Os sonhos argentinos se realizavam na mesma Copa: o de ser país-sede e o de conquistar o primeiro título.

Os convocados por César Luis Menotti

1-Alonso, 2-Ardiles, 3-Baley, 4-Bertoni, 5-Fillol, 6-Gallego, 7-Luis Galván, 8-Rubén Galván, 9-Houseman, 10-Kempes, 11-Killer, 12-Larrosa, 13-La Volpe, 14-Luque, 15-Olguín, 16-Ortiz, 17-Oviedo, 18-Pagnanini, 19-Passarella, 20-Tarantini, 21-Valencia, 22-Villa.

Maradona alcança status de divindade na campanha do bicampeonato

Após a participação fraca na Copa do Mundo de 1982, já com a presença de Diego Maradona e Ramón Díaz, destaques no título mundial sub-20 em 1979, foi encerrado o ciclo de César Luis Menotti no comando da Albiceleste, abrindo espaço para Carlos Salvador Bilardo, ex-técnico do Estudiantes de La Plata, que deveria preparar uma seleção fora para voltar a brilhar na Copa do Mundo de 1986. Bilardo apostou alto em jogadores de sua ex-equipe e do Independiente, que dominavam o futebol argentino à época, mesmo assim sofreu muito com críticas da opinião pública, pelos maus resultados no período pré-Copa.

A pontuação mais forte que se fazia a Bilardo era a não-convocação de Maradona, uma vez que o treinador preferia montar sua equipe apenas com atletas que atuavam no futebol argentino – o tempo provaria que ele estava enganado. Deste modo, El Diez, que atuava no Napoli (ITA) ficou quase 3 anos (!) sem vestir a camisa da seleção argentina, após a expulsão na partida contra o Brasil, ainda na Copa de 1982. Só voltaria para as Eliminatórias, nas quais a Argentina passou por Colômbia, Peru e Venezuela, também graças a Maradona, mas com participação importantíssima de Daniel Passarella, capitão na conquista de 1978, e que atuava na Fiorentina (ITA).

Garantida no México, a Albiceleste não teve um período de preparação muito positivo, o que, no final das contas, acabou não querendo dizer nada. Na Copa do Mundo, Bilardo apresentou para o mundo seu esquema com 3 defensores, considerada a última grande revolução tática do século XX, e um Maradona no momento mais iluminado de sua carreira, levando praticamente a Argentina nas costas rumo ao bicampeonato. A campanha foi quase perfeita: 6 vitórias e um empate. Os argentinos estavam no Grupo A da competição, ao lado da Itália, atual campeã, Bulgária e Coreia do Sul.

Primeira fase tranquila, segurando um gigante

A estreia da Argentina foi no dia 2 de junho de 1986, no Estádio Olímpico Universitario da Cidade do México, contra a Coreia do Sul, que estava apenas na sua segunda participação em Mundiais. Coincidência ou não, o debut argentino seria na mesma data do primeiro jogo na Copa de 1978, no primeiro título. E, assim como 8 anos antes, a Albiceleste começou sua participação com vitória sobre os coreanos, por 3 a 1, já com um rendimento bastante superior àquele apresentado nos amistosos de preparação. Todos os gols contaram com a participação de Maradona: no primeiro, Dieguito cobrou falta que espirrou na barreira e sobrou para Valdano fuzilar o goleiro Ho Yun Kyo, no segundo o camisa 10 cruzou na cabeça do zagueiro Ruggeri, e no terceiro, grande jogada de Maradona pela direita terminou nos pés de Valdano. Park Chang Sun ainda descontaria para os asiáticos.

A segunda rodada reservava uma pedreira para os argentinos: ninguém menos que a Itália, atual campeã do mundo, e que contava com o campeonato nacional mais forte do planeta naqueles anos – além de ser uma touca da equipe argentina, uma vez que até hoje a Argentina não conseguiu vencer a Azzurra em jogos oficiais. O empate em 1 a 1, em Puebla, teve boa participação de Maradona, empatando o jogo que teve seu placar inaugurado por Altobelli, cobrando pênalti logo a 6 minutos de jogo, além de muitas jogadas ríspidas. Encerrando a fase de grupos, a Argentina enfrentou a Bulgária, novamente no campo do Pumas, e não teve nenhuma dificuldade para vencer por 2 a 0, gols dos Jorges, Valdano e Burruchaga, ambos de cabeça. A Argentina terminava a fase de grupos na liderança, com 5 pontos, se classificando para as oitavas de final, no primeiro Mundial onde não havia uma segunda fase de grupos para definir os finalistas.

De cara um clássico, para dar o tom do mata-mata para a Argentina

O adversário nas oitavas de final não era exatamente o mais desejável naquele momento, mesmo com o time argentino tendo embalado bem, e contando com atuações brilhantes do seu trio ofensivo. O Uruguai, de Omar Borras, não tinha bem um time muito forte, apesar de contar com Enzo Francescoli, grande nome do River Plate campeão da América e do Mundo naquele ano. Os argentinos conviviam com o trauma do primeiro Mundial, em 1930, quando foram derrotados na final justamente pelos uruguaios, donos da casa naquela ocasião, por 4 a 2. Os uruguaios fizeram uma campanha ruim na primeira fase, empatando dois jogos, contra a Alemanha Ocidental e a Escócia, e sendo goleados pela Dinamarca, que, após os sonoros 6 a 1, ficariam conhecidos como a “Dinamáquina”.

Voltando a Puebla, onde já haviam empatado com a Itália, a Argentina esteve longe de ter as facilidades que os dinamarqueses encontraram. Pela primeira vez jogando em Copas do Mundo com a combinação que utilizará nesse domingo, com camisa azul-escura e calção preto, os argentinos tiveram um adversário duro, que não deram muitos espaços e assustaram algumas vezes ao longo do jogo. A vitória magra por 1 a 0 foi definida aos 42 minutos da primeira etapa, com o gol de Pedro Pasculli, um obscuro reserva que atuava no Lecce (ITA), mas que com este gol seria lembrado para a posteridade como um dos nomes mais importantes daquele título. E, como não poderia deixar de ser, Maradona teve mais uma grande atuação, mandando bola na trave e apavorando os uruguaios com suas arrancadas fulminantes.

Uma guerra transportada para dentro das quatro linhas e um dos maiores jogos da história do futebol

Passadas as dificuldades contra o Uruguai, a Argentina jogaria pela primeira vez no estádio Azteca, que receberia o maior público daquela competição naquela oportunidade – quase 115 mil pessoas assistiram ao confronto contra a Inglaterra. Os ingleses eram o exército de um homem só: Gary Lineker, que marcara 5 dos 6 gols de sua seleção até aquele momento. Por falar em exército... Aquela decisão não era apenas futebolística. Quatro anos antes, argentinos e ingleses travaram uma sangrenta batalha pelo controle do arquipélago das Malvinas, a qual terminou com a vitória (se é que existe vitória em uma guerra) inglesa. E os argentinos queriam dar o troco a todo custo, ainda que dentro de um campo de futebol. Para os sul-americanos, vencer aquele jogo era mais importante até que ganhar a Copa do Mundo.

(Foto: AFP)

Naquele 22 de junho de 1986, exatos 4 anos e 8 dias após o término da Guerra das Malvinas, Argentina e Inglaterra voltavam a se enfrentar, e desta vez a principal arma era a bola, para o bem de todos os envolvidos, ainda que tenham havido confrontos fora do estádio entre os barra bravas argentinos e os hooligans ingleses. Maradona, que fazia um Mundial exuberante até aquele momento, tinha sua grande chance de provar para todos que era sim o melhor jogador do mundo, posto reivindicado pelo francês Michel Platini, que também se destacava no México. O jogo começou com os argentinos deixando clara sua superioridade, ao menos para manter o jogo totalmente sob seu controle, contra uma Inglaterra mais especulativa do que nunca. Sem gols, a expectativa pelos 45 minutos finais daquele confronto histórico aumentava ainda mais.

"Fiz o gol com a minha cabeça e com a mão de Deus" - Diego Maradona, sobre seu primeiro gol contra os ingleses

E dos minutos restantes, bastaram 6 para que a história começasse a ser escrita. Após troca de passes e um corte mal-feito do zagueiro Fenwick, a bola subiu próximo a pequena área e ficou entre o goleiro Peter Shilton e Maradona. O arqueiro inglês subiu timidamente, e o gênio argentino fez ali uma de suas maiores proezas, enfiando o punho esquerdo cerrado na bola, que entrou mansa no gol. “La Mano de Diós” colocava a Argentina a frente do placar, mesmo com toda a reclamação inglesa. Mal sabiam eles que 4 minutos mais tarde seriam vítimas de outro traquejo histórico d’El Diez. Se o primeiro foi um dos mais polêmicos, o segundo gol de Maradona seria o mais bonito da história das Copas. Diego recebeu ainda no campo de defesa e passou por nada menos que 6 ingleses, marcando o “Gol del Siglo”. De nada adiantou o gol marcado por Lineker. Maradona vingou com seus pés e com “la Mano de Diós” a Argentina pelas Malvinas, na maior atuação individual de um jogador na história dos Mundiais.

Após vingar uma guerra, era a hora de mandar os Diabos para o inferno

Eis que o destino trabalhava novamente a favor de Maradona e da Argentina. O adversário na semi-final seria a Bélgica, que havia vencido os argentinos na Copa de 1982, e, não bastasse isto, promoveram uma perseguição ao camisa 10. Os belgas eram a surpresa da competição até aquele momento. Após terem dificuldades em um grupo relativamente acessível, que contava com México, Paraguai e Iraque, os Diabos Vermelhos fizeram um dos grandes jogos daquele Mundial nas oitavas-de-final, contra a extinta União Soviética do craque Igor Belanov. Correndo atrás do placar durante todo o tempo normal, a Bélgica virou na prorrogação, para 4 a 3, tirando os fortes soviéticos na sua última participação em Copas do Mundo. Na sequência, vitória nos pênaltis contra a não menos forte Espanha, com participação decisiva de Jean-Marie Pfaff, um dos melhores goleiros do Mundial.

Mas não adiantou para os belgas terem um grande goleiro e uma geração de ótimos jogadores – assim como teria 28 anos depois e, mesmo assim, seriam novamente eliminados pelos argentinos. Coube àquele que tem “la Mano de Diós” mandar os Diabos Vermelhos de volta para seu lugar de origem com dois gols. No primeiro deles, Maradona recebeu passe genial de Burruchaga, chegou antes de Pfaff e apenas desviou, mesmo marcado por dois adversários. Assim como no jogo contra a Inglaterra, também eram 6 minutos da etapa final. E assim como no jogo anterior, o segundo gol foi marcado por mais uma fila feita pelo craque argentino. Desta vez mais modesto, passando apenas por 4 adversários, sem driblar o goleiro, também sem deixar de ser genial e decisivo. O placar do estádio Azteca mostrava 2 a 0 para a Argentina, que, 8 anos depois, voltava a decidir uma Copa do Mundo.

Há 28 anos, o rival na decisão era a mesma Alemanha – e o bicampeonato veio em terras mexicanas!

Quer dizer, não era bem a mesma Alemanha. Antes da reunificação, no início dos anos 90, a Alemanha era dividida em Ocidental e Oriental. Sob todos os aspectos, a mais próspera era a do ocidente, que também teve os melhores jogadores de futebol, e chegou a 6 finais de Copa do Mundo em 40 anos – mais do que em todo o período de Alemanha unificada, no qual chegou apenas em duas finais: em 2002, e a deste ano, contra a Argentina que a derrotou em 1986. A campanha alemã naquele Mundial foi dentro das características do selecionado teutônico, com crescimento gradual ao longo da competição, mas sempre chegando forte às fases finais. Os alemães contavam com uma seleção fortíssima, com craques do naipe de Lothar Matthäus, Rudi Völler, Karl-Heinz Rummenige e Harald Schumacher.

Na primeira fase, no Grupo E, a Alemanha ainda não mostrara a que vinha para o México. Mas com o empate na estreia contra o Uruguai, e a vitória sobre a Escócia na sequência, os alemães praticamente garantiam presença nas oitavas-de-final, graças a um regulamento que classificava 16 das 24 seleções para a fase seguinte. A derrota para a surpreendente Dinamarca não mudou muito o rumo da Alemanha no Mundial. O Marrocos foi um adversário duríssimo nas oitavas, sendo vencido apenas com um gol de Matthäus, aos 42 minutos do segundo tempo – e há quem estranhe a dificuldade que a Alemanha atual teve contra a Argélia. O rival posterior foi o México, vencido nos pênaltis, onde Schumacher pegou duas cobranças dos donos da casa, após um 0 a 0 que parecia interminável. Nas semifinais, jogo duro contra a França, uma das melhores seleções do torneio, mas uma atuação consistente e a vitória sobre o time de Platini e companhia colocou os alemães na grande decisão.

"O triunfo pertence ao conjunto e não a mim. Não me sinto mais campeão do mundo do que qualquer outro jogador" - Maradona, ao falar sobre a conquista

O cenário era semelhante ao atual: os alemães contavam com muitos craques em seu time, que jogavam um futebol muito sólido, comandados por ninguém menos que Franz Beckenbauer, enquanto os argentinos, embora tivessem seus bons valores, tinham um capitão e camisa 10 em uma fase estupenda, decidindo quase que sozinho todos os jogos. O treinador da Alemanha, muito preocupado com Maradona, botou Matthäus, um de seus melhores jogadores, na cola do craque da Argentina. O jogo seria disputado ao meio-dia, sob um fortíssimo calor na Cidade do México, o que também preocupava as equipes, que começaram o jogo em ritmo lento, estudando muito o adversário. Apesar de ter um Maradona bem marcado, a Argentina abriu o placar aos 23 minutos de jogo, quando José Luis Brown, que substituía Passarella, aproveitou-se de uma infeliz saída do gol de Schumacher para escorar de cabeça para o gol vazio.

Logo no início do segundo tempo, a Argentina chegou ao segundo gol e parecia dar números finais ao jogo. Ricardo Giusti, meia do Independiente, deu precisa assistência para Valdano, que invadiu a área e só deslocou Schumacher. Só parecia... A Alemanha foi persistente e em dois escanteios em menos de 10 minutos chegou ao empate, com gols de Rummenige e Völler, que entrara no intervalo e quase mudou a história da decisão. Ficou no quase. Após marcar Maradona com muita competência durante quase todo o jogo, os alemães sucumbiram ao forte calor mexicano e deram a brecha que “el Pibe de Oro” precisava para decidir. Aos 38 minutos da etapa final, mesmo cercado por dois adversários, Maradona teve espaço para dar um passe genial para Burruchaga, que ganhou na corrida dos alemães e tocou para o gol, para delírio dos argentinos. De maneira inconstestável, a Argentina era campeã do mundo em 1986.

(Foto: Popper Foto)

Os convocados por Carlos Bilardo

1-Almirón, 2-Batista, 3-Bochini, 4-Borghi, 5-Brown, 6-Passarella, 7-Burruchaga, 8-Clausen, 9-Cuciuffo, 10-Maradona, 11-Valdano, 12-Enrique, 13-Garré, 14-Giusti, 15-Islas, 16-Olarticoechea, 17-Pasculli, 18-Pumpido, 19-Ruggeri, 20-Tapia, 21-Trobbiani, 22-Zelada.