Palestina: como o futebol pode ser a esperança de um povo para o reconhecimento

Em busca de reconhecimento como nação, palestinos veem o esporte como modo de exaltar sua pátria e levar o conhecimento da causa para o mundo

Palestina: como o futebol pode ser a esperança de um povo para o reconhecimento
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Por Gabriel Menezes

Os conflitos no Oriente Médio acontecem há décadas, mas ganharam espaço nos noticiários do mundo inteiro nos últimos anos, principalmente por conta dos ataques do Estado Islâmico. Porém, o Isis (Estado Islâmico do Iraque e do Levante, na sigla em inglês) tem causado conflitos recentes, principalmente na Síria. Existem outros conflitos muito mais antigos, como a disputa territorial entre Israel e Palestina.

O Estado de Israel teve sua criação determinada pela Organização Mundial das Nações Unidas, em 1947, após a segunda guerra mundial. O novo Estado deveria se localizar na região da Palestina, partilhando território com um Estado Árabe.

No entanto, o Estado Árabe acabou por nunca se estabelecer e as fronteiras do Estado judeu se expandiram constantemente, reduzindo o território denominado palestino a uma fração mínima da original, contendo basicamente o território conhecido como Faixa de Gaza.

Na luta pelo seu reconhecimento como Estado e nação, o povo palestino protesta constantemente contra os abusos promovidos pelo governo de Israel e reivindica parte de seu território antigo. Apesar de já ter sido reconhecida como Estado observador não-membro da Onu e contar com apoio de diversos países pelo mundo, o caminho para o reconhecimento pleno ainda é longo e duro.

Uma das esperanças para a população palestina pode estar justamente no esporte mais popular do planeta: o futebol. A associação de futebol da Palestina existe desde 1928 e foi reconhecida pela FIFA 70 anos depois, em 1998. O ano de 2015 foi especial para os palestinos, que viram sua seleção disputar pela primeira vez a Copa da Ásia. Mesmo com a eliminação na primeira fase, a classificação foi histórica, oriunda do título da AFC Challenge Cup do ano anterior, quando os árabes venceram a seleção das Filipinas na final, pelo placar mínimo de 1 a 0.

Palestino comemora classificação para a Copa da Ásia de seleções em 2014
Palestino comemora classificação para a Copa da Ásia de seleções em 2014 (Foto: Ashraf Amra/Anadolu Agency/Getty Images)

Assistente técnico da seleção resume sentimento que gira em torno da equipe

Uma passagem que pode resumir o que o futebol significa para os palestinos pode ser demonstrada por uma frase do assistente técnico Saeb Jundiyeh, em entrevista para a rede australiana ABC antes da disputa da Copa da Ásia. O treinador declarou que disse aos seus jogadores que eles "são embaixadores da Palestina para o mundo, tanto quanto um primeiro-ministro ou um político", e completa: "Se você pensa que está apenas jogando futebol, você está errado"

A VAVEL Brasil teve contato com um residente na Palestina que nos concedeu entrevista e será identificado como A.B, já que pediu para não ter seu nome revelado. Na entrevista, A.B, um brasileiro com ascendência palestina que vive na cidade de Ramallah, demonstra que o futebol para os palestinos passa muito longe de ser apenas um esporte. "O futebol para os palestinos é vida. É muito mais que um jogo, é uma forma de aliviar o estresse que é causado pelo governo israelense no dia a dia", afirmou o entrevistado, antes de declarar que os palestinos têm certo carinho pelo Brasil no esporte: "Muitas crianças jogam bola nas ruas com a camisa da seleção brasileira e todos lembram até hoje de quando Ronaldo visitou a Palestina".

O sentimento que Jundiyeh demonstrou quando falou sobre seu discurso aos jogadores é reafirmado por A.B, quando este fala a respeito das dificuldades pelas quais os jogadores passam e exalta os atletas. "Quando disputamos nossa primeira eliminatória, o povo ficou muito feliz, porque sabemos pelo que os jogadores passam. Muitos trabalham 8 horas por dia e depois vão treinar. É por isso que o povo palestino sempre para tudo que faz para assistir à nossa seleção. Sabemos o quanto eles se dedicam para honrar nossa pátria e é por isso que eles são os nossos guerreiros", afirmou A.B, em relato emocionante.

Paixão que transcende fronteiras: um Palestino no Chile

Por conta de diversas guerras ao longo dos anos, inúmeros palestinos fugiram do local onde viviam e foram se refugiar em países ao redor do mundo. Muitos se deslocaram para outras nações do Oriente Médio, como a Jordânia, enquanto que outros preferiram locais mais distantes. O Chile é um desses locais. Abrigando a maior comunidade palestina fora do Oriente Médio, o país da América do Sul tem uma forte ligação histórica com a Palestina, que é reforçada pela presença de um clube em especial.

O Club Deportivo Palestino ganhou maior preponderância depois de conseguir se classificar para a edição de 2015 da Copa Libertadores da América, depois de décadas ausente da competição. O clube foi fundado na década de 1920, por imigrantes palestinos e até hoje faz a conexão entre o Chile e a Palestina. O patrocínio master do clube traz a marca do Bank of Palestine, empresa com a qual o CD Palestino fechou acordo de 20 anos de duração. Além disso, o próprio presidente da Palestina, Mahmoud Abbas, já enviou uma carta para os jogadores parabenizando os mesmos pela classificação à Libertadores.

A carta de Abbas demonstra o que o Palestino, mesmo sendo um clube chileno, representa para a população. "Quero que saibam que nos identificamos com o Palestino como uma segunda seleção nacional para o povo palestino. Vocês levantaram nossas cores e nos deram voz nos momentos mais difíceis", disse o presidente, que ainda exaltou ainda mais a importância do clube: "Vocês demostraram que estejamos onde estejamos somos um só povo, seja em Jerusalém, Beit Jala ou Santiago. (...) Palestino é um pedaço da Palestina no Chile, e são vocês, jogadores, nossos embaixadores que hoje terão de mostrar nossas cores em toda América do Sul. Em nome do todos nós, e de vocês que são parte de nós, muito obrigado".

O discurso é endossado por um morador de Ramallah, Mounzer Zahran, que em entrevista ao veículo inglês Dailymail, afirmou fazer de tudo para ver o Palestino em campo. "É importante para mim assistir ao time, então às vezes fico acordado até cinco da manhã só para isso. Ver as arquibancadas cheias de bandeiras da Palestina é uma emoção sem igual", frisou Zahran.

O clube foi fundado com o intuito de representar a comunidade palestina que vive no Chile e o faz até hoje. No entanto, alguns atos do CD Palestino não são bem recebidos pela comunidade judaica do país e o clube já se envolveu em polêmicas recentemente, por conta de seu uniforme. Em 2014, o Palestino lançou um uniforme onde o número 1 foi substituído pelo contorno do antigo mapa da Palestina, antes da criação do Estado de Israel. Os jogadores entraram em campo com o mapa da Palestina estampado nas costas por três partidas e, no fim, a federação chilena acabou multando o clube em 1300 dólares, alegando que "atos políticos e religiosos não são aceitos no futebol".

A polêmica camisa do CD Palestino com o número 1 estilizado
A polêmica camisa do CD Palestino com o número 1 estilizado (Foto: Claudio Reyes/AFP)

Classificação para Copa do Mundo ainda é possível

Se a classificação para a Copa da Ásia de seleções já foi um grande feito, que ficará marcado para sempre na história do futebol palestino e mundial, uma classificação para a Copa do Mundo seria ainda mais importante. Até porque Israel, que disputa as eliminatórias europeias, só conseguiu se classificar para uma edição do campeonato mundial de futebol, em 1970. Uma classificação palestina equipararia as duas equipes e faria com que o movimento pró-emancipação da região ganhasse ainda mais força.

O sentimento de união dos palestinos revigora-se com a possibilidade real de classificação para a Copa do Mundo de 2018, que será disputada na Rússia. Para que a história seja feita, a seleção palestina terá que vencer seus últimos dois jogos na segunda fase, contra as seleções dos Emirados Árabes Unidos e do Timor Leste, além de contar com uma decisão judicial a seu favor. Os palestinos foram à Fifa protestando contra uma possível irregularidade na escalação de sete jogadores brasileiros que contribuíram para o empate da seleção do próprio Timor Leste. Uma missão difícil, mas nada impossível para um povo que luta por reconhecimento há décadas.

A certeza que fica é a de que os palestinos já conseguem destaque no mundo por motivos além dos conflitos e de que o orgulho e a união do povo acabam se tornando cada vez maiores, muito por conta do futebol, uma alegria em meio a tanta guerra, destruição e miséria. A Palestina usa uma bola nos pés para tentar vencer todas as dificuldades e mostrar ao mundo que pode ser vista como mais do que apenas um país arrasado pelos conflitos de décadas.